O dinheiro público no esporte é válido?
Erich Beting
Uma das polêmicas surgidas na semana foi, mais uma vez, sobre o uso do dinheiro público para ajudar na construção de praças esportivas. Depois da isenção concedida ao estádio do Corinthians, agora o tema é a possibilidade de o São Paulo obter ajuda para a reforma, ampliação e modernização do complexo do estádio do Morumbi.
De todos os lados surgiram diversos ataques à proposta. As críticas, geralmente, seguem a linha do ''absurdo o uso de dinheiro público numa construção privada'', ou então ''com esse dinheiro seria possível construir escolas, hospitais, etc.''.
Uma coisa precisa ficar clara. O orçamento dos municípios, estados e União já são determinados no começo do ano. Assim, a verba da saúde ou da educação não é afetada pela verba destinada ao esporte. No caso da necessidade de construção de arenas para a Copa do Mundo, na maior parte dos casos em que o dinheiro público é usado uma contingência extra foi deslocada para esse fim.
Outro ponto importante é a distinção entre injeção de dinheiro público e a contrapartida com benefícios como isenção fiscal e/ou cessão de terreno. Isso não é uso de dinheiro público diretamente no esporte, mas uma espécie de investimento que o governo faz para ter um aumento de verba com a geração de empregos, pagamento de impostos, aumento de consumo, etc.
Esse é o cenário ideal. Mas é claro que o mau uso que se fez até hoje do dinheiro público no esporte justifica a preocupação. Também é preciso analisar de que forma é feita a gestão de recursos públicos em geral para, então, analisarmos mais friamente a questão.
Como já disse há algum tempo por aqui, não existe nada de errado em a prefeitura conceder benefícios em troca da construção do estádio do Corinthians em Itaquera. Desde que, em contrapartida, realmente a região tenha um projeto para receber a praça esportiva e ter uma melhoria na qualidade de vida a partir disso. O mesmo raciocínio vale para o Morumbi ou qualquer outro estádio em qualquer cidade brasileira.
O que temos de separar é a concessão do benefício público da caridade pública para o esporte. São coisas absolutamente distintas, sendo que a caridade simplesmente não podem existir.
Uma renúncia fiscal não deixa de ser um investimento que o órgão público faz para receber um empreendimento que não seria feito naquele lugar caso não houvesse o benefício. A conta não precisa ser paga pelo governo, mas a partir do momento em que ele deixa de cobrar alguns impostos para que o estádio vá para um determinado lugar, pode se beneficiar no longo prazo com a geração de mais receita a partir da expansão local provocada por esse estádio.
Na Europa, um exemplo clássico disso foi a construção da Amsterdam Arena. Até mesmo a União Europeia investiu no estádio. Ou seja, o cidadão de outro país que não a Holanda ajudou a construir um estádio na capital holandesa! Só que a diferença básica é que o estádio ajudou a desenvolver uma nova área comercial de Amsterdã, além de promover mais uma capital europeia, auxiliando no processo de consolidação do Euro (vale lembrar que o estádio é de 1996, quando a UE ainda engatinhava).
Por aqui, o mesmo raciocínio tem de ser colocado em prática. O dinheiro público pode fazer parte do esporte, mas desde que a contrapartida seja clara e, mais do que isso, colocada em prática. Uma renúncia fiscal tem de ter como premissa o desenvolvimento de uma região. Dentro de uma cobrança séria de uso do dinheiro público, não há qualquer problema em ser dada uma melhor condição para o desenvolvimento de qualquer produto privado.
Boa parte do crescimento do país nos últimos anos foi calcado na concessão de benefícios para a instalação de empresas estrangeiras por aqui (um exemplo recente é a guerra travada para que finalmente os produtos da Apple possam ser produzidos em solo nacional). O esporte precisa de um choque de gestão e melhoria de infraestrutura para atingir um patamar mais profissional e que possibilite uma melhoria geral na indústria esportiva.
Uma boa forma de se conseguir isso é concedendo benefícios para que consigamos acelerar o processo de profissionalização do esporte. Em troca, o governo é beneficiado com o aumento de gastos com o esporte e, consequentemente, o pagamento de impostos que esse aumento de consumo vai gerar.
Não se pode confundir isso, porém, com empréstimo a fundo perdido e sem contrapartida. E, para quem acha que estádio não gera desenvolvimento de uma região, segue uma foto da fase de construção do Morumbi, em São Paulo, nos anos 1950.