O Palmeiras de volta ao passado
Erich Beting
Eu também chorei a bola na trave de Aguirregaray, no último minuto, naquele 0 a 0 contra a Ferroviária que tirou o Palmeiras da final do Campeonato Paulista de 1990. Mais do que isso, como torcedor que ainda flertava com os primeiros anos da paixão pelo futebol e pelo Verdão, chorei humilhado pelo bando que deixou o estádio do Pacaembu e partiu em direção ao Palestra Itália para quebrar a sala de troféus de um Palmeiras que completava seu 13º ano longe de qualquer conquista e de qualquer atuação digna de encher os olhos da torcida de alegria.
Pensei bastante antes de escrever esse texto. O problema não é assumir o time para o qual torço. Quem me conhece minimamente sabe bem qual é. A dúvida era saber se esperava ou não a partida contra o Grêmio, desta noite de quarta-feira, pela primeira semifinal da Copa Kia do Brasil. Seria maldoso e até oportunista criticar o clube depois de um resultado ruim. Da mesma forma, ficaria sem sentido, depois de um bom desempenho, olhar só o lado ruim de um time que pode estar próximo de uma final de campeonato. Qualquer que fosse a opção, o torcedor com certeza iria cair matando e provavelmente perderia o senso crítico, acreditando ou que eu não seria palmeirense, ou que estava a fim só de polemizar.
O fato é que o jogo do Palmeiras é, em grau de importância jornalística, bem menor que o grandioso Santos x Corinthians que abre as semis da Copa Santander Libertadores. Mas, para o interesse de torcedor, ele é infinitamente maior do que qualquer outro clássico que possa existir. Para o garoto de 10 anos de idade como eu já fui um dia, ele representa a chance de ver o time do coração começar o caminho para chegar a uma final de campeonato e, quem sabe, ganhar o tão sonhado título.
Só que, passado o momento nostálgico, o Grêmio x Palmeiras desta quarta-feira simboliza exatamente a regressão no tempo do Verdão. E, pior do que isso, não é uma volta aos bons tempos de infância.
O Palmeiras consegue o feito de chegar a uma semifinal de uma competição nacional em crise. Sem sustos dentro de campo, o time alcançou um feito que não conseguia havia mais de dez anos. E, assustadoramente fora dele, não consegue ter calma para trabalhar às vésperas de um momento decisivo como o desta semana que começa às 21h50 em Porto Alegre.
O caso da vez é o sequestro-relâmpago que deve ocasionar a saída de Valdívia, um dos astros recentes do clube. No dia que antecedeu o primeiro confronto decisivo contra o Grêmio, nada de falar em preparação da equipe, mas a preocupação foi dar explicações sobre a evidente saída do camisa 10 que, é justo dizer, pouco fez pelo time desde que voltou, no ano passado.
Como é possível que o Palmeiras não consiga, em qualquer circunstância, blindar o time?
O clube de hoje lembra, em todos os seus defeitos, o mesmo que praticamente 22 anos atrás estourou o limite da paciência do torcedor. Aquele 15 de agosto de 1990 também era uma quarta-feira e também era um jogo à noite, decisivo, que enchia de esperança o apaixonado. A quebra da sala de troféus após o vexame de não sair de um empate sem gols num Pacaembu lotado foi a explosão de uma situação que só vinha se deteriorando desde 1976, quando a figura da Academia de futebol foi aos poucos sendo substituída pela de um clube sem alma, largado, sem futuro.
A sensação era a de que nada seria capaz de salvar o Palmeiras. Os melhores treinadores já tinham sido contratados e não obtinham sucesso no Verdão (Telê Santana comandou o time naquele 0 a 0), jogadores chegavam com fama e prestígio para fazer o time sair da fila, novos atletas surgidos dos times de base eram apontados como esperança para o ''agora vai''. E nada parecia dar certo. Fora de campo, desmandos de dirigentes, gastos infindáveis, dívidas se acumulando e, dessa forma, a italianada do conselho ficava apenas discutindo sobre tudo e todos, sem conseguir montar um plano para recolocar o clube nos trilhos. Para piorar, os maiores rivais paulistanos começavam a engatar bons times e boas conquistas, depois da ressaca de títulos por duas décadas do Corinthians e da chegada do São Paulo às glórias do time dos Menudos.
Outro dia ouvi de um amigo de infância, são-paulino, que ele não admite ver seu time perder para o Palmeiras. O motivo não é passional, mas técnico. No raciocínio de um administrador competente que é, não é possível uma empresa dar certo da maneira como o Verdão é gerenciado.
E aí é que entra o ponto, depois dessa volta ao passado do torcedor. O Palmeiras conseguiu regredir no tempo. A época das vacas gordas da Parmalat não foi boa apenas por que representou um momento em que o clube conseguia ser o mais rico do Brasil e, por isso, tinha os melhores jogadores em seu time. O grande diferencial, naquele período, foi que o Palmeiras teve um comando, foi competente no uso do vasto dinheiro de que dispunha e, especialmente, teve uma gestão racional.
Hoje, o Palmeiras está exatamente igual há 20 anos. Técnicos de renome, dívidas acumuladas, jogadores caros e sem dar retorno ao clube, torcida impaciente… A diferença, de 20 anos para cá, é que outros clubes evoluíram, aprenderam e, principalmente, têm mudado a forma de se comportar. Os conselhos deliberativos têm sido substituídos por profissionais de mercado na tomada de decisões, o pensamento de torcedor não contamina tanto a decisão dos dirigentes e, assim, a mudança de atitude é mais perceptível.
As paixões da infância são quebradas conforme vamos conhecendo mais as coisas. Quanto mais experiente ficamos, mais preparados estamos para não cometer os erros do passado. Naquele 15 de agosto de 1990, não foi a bola na trave de Aguirregaray que tirou o Palmeiras de uma final de Campeonato Paulista. O problema estava na gestão deficitária, na impaciência dos dirigentes, no descontrole do torcedor que jogava contra o próprio amor ao não ver mais solução para tirá-lo de um estado aparentemente terminal. É, mais ou menos, o que parece que irá acontecer nos dois duelos semifinais da Copa do Brasil. Não há, racionalmente falando, como o Palmeiras ser superior ao Grêmio, mesmo com o clube gaúcho também deixando de ser, de longe, um exemplo de gestão racional e eficiente. Enquanto perdurar o modelo atual de funcionamento dos clubes brasileiros, com conselhos mandando e desmandando, sem qualquer comprometimento com a realidade financeira do clube, veremos ficar cada vez maior o abismo entre os times que adotam uma gestão racional e aqueles que funcionam apenas na base da paixão. Voltar a um passado sombrio pode ser uma solução para uma profunda reforma na maneira de o Palmeiras agir.
Pelo menos a sala de troféus do Palestra Itália está fechada por conta das reformas no estádio…