Negócios do Esporte

Alviverde impotente

Erich Beting

O trocadilho com o trecho inicial do hino do Palmeiras sempre me tirou do sério. A primeira vez que ouvi tinha uns cinco anos e estava numa aula de handebol. Queria esganar o professor, mas a boa educação impediu qualquer ato mais drástico. Ontem, porém, o sentimento acometido após o empate com o Flamengo era esse, de impotência. E na hora lembrei do trocadilho maldito…

A queda palmeirense para a Série B, exatos dez anos e um dia após o primeiro rebaixamento é a prova de que as coisas não caminham bem. Pelas redes sociais, os mais irritados vociferavam pela busca de culpados, quando muito poucos tentavam, realmente, se empenhar para achar soluções. Hoje, porém, o Palmeiras está bem mais para impotente do que imponente. E isso se reflete, também, nas reações pós-queda.

O Palmeiras precisa, urgentemente, trabalhar para manter viva a chama do torcedor. Vou valer-me aqui de dois textos que foram publicados pós-rebaixamento. O primeiro, de Mauro Beting, veiculado no ''Lancenet'' logo após a queda. O outro, de Clóvis Rossi, publicado na manhã desta segunda-feira na ''Folha de São Paulo''.  Ambos são representativos de diferentes tipos de torcedores que um clube de futebol costuma ter.

Mauro, como sei desde que me conheço por gente, é daqueles fanáticos. Que ficou entre os 9 e os 26 anos de idade indo ao estádio na esperança de poder ver o time voltar ao topo, sem desistir, sem reclamar, sem perder a paixão. Fanático a ponto de, quando o Palmeiras foi campeão depois de 16 anos, ele ter tido a frieza de esperar encerrar as transmissões pela Rádio Gazeta para berrar ao Morumbi vazio o grito preso durante infância e adolescência.

O perfil de Mauro é daqueles do cara que ''torce pela família, mas ama o Palmeiras''. O time de futebol faz parte do cotidiano de forma tão evidente que a vida é contabilizada conforme o desempenho da equipe. É o cara que tem pelo clube o ''amor sem divisão'', como bem estampou o Palmeiras na capa de seu site desde a noite de domingo. Para esse tipo de torcedor, não precisa ser feito qualquer tipo de trabalho. O time pode ser ruim, não ter qualquer esperança de título, ser rebaixado, etc. Só não pode vestir preto e branco que todo o resto referente ao clube ele vai consumir.

Rossi, por sua vez, é aquele torcedor que pensa primeiro nele e depois no time. É o cara que não curte uma paixão não correspondida. Afinal, de que vale a pena continuar a torcer pelo clube se ele me maltrata? É o torcedor que gosta de futebol, mas não a ponto de fazer qualquer coisa pelo time pelo qual algum dia foi apaixonado. Ele cresceu, teve filhos e encontrou outras paixões pela vida. O futebol virou secundário a partir do momento em que seu clube tornou-se secundário.

Mas o quanto um ou outro tipo de torcedor representa de fato o clube?

O fanático é, sem dúvida, a menor proporção dentro de uma torcida. Para ele, a única obrigação é ver o time bem dentro de campo. Só que ele representa por volta de 5% do contingente de torcedores. Um exemplo para mostrar isso matematicamente é o Corinthians. A Gaviões da Fiel tem cerca de 100 mil associados. Se formos somar isso aos cerca de 100 mil sócio-torcedores, são 200 mil torcedores que pagam mensalmente para, de alguma forma, estar ligado ao clube. Isso não representa nem 1% da torcida corintiana. Podemos expandir para outros torcedores que não criam vínculos assim, mas compram pay-per-view, camisa oficial, vai a jogo, etc. e aí chegamos a, no máximo, 5% do número total da torcida.

Já o torcedor moderado é aquele que, potencialmente, precisa sempre ser trabalhado para manter-se fiel e próximo. É o cara que não vai ser consumidor no momento em que a paixão não for correspondida. E é exatamente esse tipo de torcedor que representa o maior contingente dentro de uma torcida.

O maior trabalho do Palmeiras, agora, é para fidelizar esse torcedor não-fanático. Ou, pelo menos, não fazer com que a paixão esfrie. Afinal, é essa massa de torcida que impulsiona a perpetuação de um clube. É ele que vai se sentir empenhado a convencer o filho a manter-se palmeirense. Para isso, apenas o resultado dentro de campo não basta.

Hoje, o Alviverde é impotente. Mas, se souber corresponder à paixão do torcedor, será imponente. O problema é que, há 30 anos, o clube acha que é só com o desempenho dentro de campo que se deixa um torcedor feliz. É preciso trabalhar para reacender a chama. E, para isso, não basta só uma mensagem no site oficial dizendo que o amor não tem divisão. Afinal, um amor não se sustenta só com declarações de ''eu te amo''.