Negócios do Esporte

Teoria da conspiração no Qatargate

Erich Beting

Atenção, o que você lerá a seguir é uma teoria. Ela está baseada em diversas informações já publicadas, especialmente no livro ''Jogo Sujo'', de autoria de Andrew Jennings, e em diversas outras reportagens que saíram em jornais mundo a fora. Não tem nenhuma apuração do blogueiro nessa história, apenas uma análise completa de um cenário que se forma desde os anos 70, quando João Havelange virou presidente da Fifa e Joseph Blatter se colocou como secretário geral e seu natural sucessor.

A Fifa é uma entidade essencialmente política. Por mais grana que ela movimente, por mais negócios que ela faça, quem ocupa os cargos de membros de comitês são indicados políticos. Sendo assim, a disputa que envolve a alta cúpula da entidade é, essencialmente, uma disputa por poder. Muito mais do que dinheiro, o que os dirigentes que lá estão querem é o cobiçado cargo de presidente da Fifa.

Em 2010, durante as reuniões para a escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022, outra batalha acontecia dentro da Fifa. No ano seguinte, todos os membros da entidade iriam escolher seu novo presidente. Até o começo de 2011, estavam no páreo Joseph Blatter em mais uma rererereelição, e um novo concorrente, o qatari Mohammed Bin Hammam, presidente da Confederação Asiática.

Hammam ganhou força na época ao conseguir o feito de fazer o Qatar ser escolhido sede da Copa do Mundo de 2022. Turbinado pelos petrodólares do seu país de origem, apresentava-se como potencial candidato à vaga de Blatter. O modus operandi era quase igual ao que ajudou a eleger João Havelange nos anos 70 à presidência da Fifa. Influência em diversas regiões do mundo para brigar de frente com o núcleo duro da Europa, que geralmente se posiciona pró-presidente, ainda mais se ele é um europeu.

O corpo diretivo pós-eleição já estava montado, seguindo esse roteiro: Jack Warner, principal dirigente da Concacaf, garantiria os votos das Américas Central e do Norte. Julio Grondona, da Federação Argentina, e Ricardo Teixeira, da brasileira, assegurariam as escolhas da América do Sul. Na Ásia, Hammam era o grande cara, e ainda contavam com a influência de Sandro Rossel, à época postulante à presidência do Barcelona, mas ex-executivo da Nike e eminência parda em muitos negócios da bola, para angariar votos na África.

Tudo isso, porém, foi desmantelado às vésperas das eleições. E-mails que comprovavam subornos e ligações no mínimo duvidosas de Hammam, Warner, Teixeira e Grondona com diversas escolhas feitas na Fifa, vieram à tona. As denúncias foram tantas que acabaram por minar a candidatura do qatari. Subsequentemente, Warner foi deposto da Concacaf e, pouco tempo depois, foi a vez de Teixeira não aguentar a pressão aqui no Brasil.

Esse cenário é fundamental para analisarmos em qual contexto foi publicado o ''Qatargate'' pela revista ''France Football'' nesta semana. O primeiro resultado das denúncias foi o anúncio de Julio Grondona de que, a partir de 2015, sairá da presidência da federação argentina depois de 36 anos.

Mas a grande novidade dessa história é a inclusão de Michel Platini, presidente da Uefa, nas denúncias envolvendo a escolha do Qatar. Até então, ele vinha sendo apontado pelos dirigentes como o cara que estava sendo gabaritado como o próximo grande candidato a suceder Blatter na Fifa.

Tudo leva a crer que a escolha do Qatar como sede da Copa era parte de um plano bem maior, que envolvia a presidência da entidade máxima do futebol. O problema para Blatter não é o que a opinião pública pensa sobre o Mundial ser disputado por lá, mas sim quais os riscos que existem para o seu cargo no caso de a Copa ir para lá. O Qatar 2002 é, hoje, um pepino para Blatter.

Com o Qatargate da France Football, fica cada vez mais justificável uma mudança de sede pela Fifa. E, com as revelações, o maior prejudicado por todas as denúncias é o ''homem novo'' nessa história, justamente quem mais se fortalecia no cenário político da bola, que era Michel Platini. Ao ser apontado como alguém que vendeu o voto em troca de favores para o governo francês, qualquer pretensão maior no jogo político da Fifa vai se esvair.

A tendência, após essas revelações, é que em nome da ''transparência'', a Fifa decida fazer uma nova eleição para a sede de 2022, abrindo novo processo seletivo entre os países. Da mesma forma, Jérôme Valcke deve seguir tranquilo como único possível sucessor de Joseph Blatter, assim como no passado foi para o suíço o caminho natural numa eventual aposentadoria de João Havelange.

Até porque cheira muito mais como mera retaliação por parte do staff de Ricardo Teixeira a revelação feita nesta quarta-feira, em matéria de capa do caderno de esporte da ''Folha de S. Paulo'', de que Valcke foi consultor da candidatura brasileira à Copa.

A consultoria foi feita no período ''sabático'' que ele tirou da Fifa, afastado após descumprir o contrato com a MasterCard para colocar a Visa no lugar, gerar um prejuízo de US$ 100 milhões em multa para a entidade e voltar com um cargo mais poderoso do que tinha antes…

É difícil que Blatter tema Valcke, da mesma forma que é muito difícil que o francês pense em se candidatar à presidência sem a bênção do suíço. Da mesma forma, é curioso que essa história só apareça após a divulgação do dossiê da ''France Football'' e tente de alguma forma minar o mais do que blindado Valcke.

E, mais curioso ainda, é saber que a Fifa e a ''France Football'' são sócias na premiação do melhor jogador do mundo.

No fim das contas, o tal do Qatargate fica de ótimo tamanho para Blatter, Fifa e France Football. A divulgação do caso dá a impressão de que não há qualquer ingerência da entidade sobre a publicação. Da mesma forma, abre espaço para que uma nova escolha de sede para 2022 seja feita, ampliando o discurso de transparência que a Fifa tem levantado desde o caso Bin Hammam. E, por fim, a história mina um possível incômodo para a dupla Blatter-Valcke, já que enterra as pretensões políticas de Michel Platini.

É uma grande teoria da conspiração tudo isso. Mas, acompanhando há quase 15 anos os bastidores do esporte, essa é uma história perfeitamente verossímil…