Negócios do Esporte

Kalil, seu concorrente não é o Cruzeiro!

Erich Beting

Caro Alexandre Kalil, se o senhor me permite, por favor leia essa singela carta a você.

Nós nos conhecemos em 2001, quando o senhor começou o que parecia ser um movimento de mudança no status quo do futebol brasileiro. Não sei se o senhor vai se recordar, mas fui um dos primeiros jornalistas de fora das Minas Gerais a querer fazer um perfil sobre o que pensava aquele que parecia ser um dirigente de uma nova geração da bola carcomida por duas CPIs, viradas de mesa e quetais.

Lembro-me, cristalinamente, que no meio da entrevista por telefone, de quase duas horas, o senhor me fez uma excelente pergunta. ''Por que eu?''. Era assim, simples e direta, com todo jeito de mineiro matuto desconfiado. Quando expliquei os motivos que nos levaram a nos interessar pela matéria, o senhor ainda brincou: ''Ah, então é jornalismo do bem, não é para me detonar''.

Na época o senhor andava desconfiado de que Eurico Miranda tentava de todas as formas criar arapucas para que o senhor caísse. O senhor implodia o Clube dos 13, acabando com a mamata de alguns executivos que não executavam e ainda comiam uma boa porcentagem do contrato de TV, lembra-se? Pouco depois que o senhor conseguiu derrubar um feudo, derrubaram-no, com uma ridícula punição imposta pelo STJD dominado pelos Zveiter, não é mesmo?

Lembro-me que fiquei muito feliz com sua volta triunfal ao mundo da bola na eleição à presidência do seu amado Atlético Mineiro, assim mesmo, sem a abreviação do MG. Era para mim o reaparecimento de uma figura que tinha desempenhado um importante papel para arejar as ideias arcaicas do Clube dos 13 lá no início do século. Mas o conto de fadas teve seu lado ruim ao anunciar uma de suas primeiras medidas, que foi a extinção do departamento de marketing do Galo, um dos mais pulsantes do Brasil até então.

O seu argumento era o de que ''marketing não serve para nada''. Tanto serve que nesta sexta-feira o senhor deu uma prova de quanto não ter um departamento de marketing atuante pode fazer mal para um clube. Por meio de seu perfil no Twitter, o senhor bradou: ''Bom Atleticano que sou, nunca mais entro no supermercado SuperNosso. Vamos radicalizar!''.

O senhor, pelo visto, ficou magoado pelo fato de o supermercado ter feito uma festa para o Cruzeiro apresentar o Dedé, seu novo contratado. Mas o que há de mal nisso, presidente? Veja só, o estabelecimento fez essa ação com um propósito muito claro. O senhor deve saber, já que não tem mais departamento de marketing no Atlético e é o senhor quem resolve tudo, que o Galo, assim como o Cruzeiro, faz parte do ''Movimento por um futebol melhor'', criado pela Ambev para tentar aumentar a receita dos clubes por meio da adesão de pessoas ao programa de sócio-torcedor dos clubes.

Pois bem, presidente, o SuperNosso é um dos supermercados mineiros que fazem parte dessa promoção. Quando o sócio-torcedor vai a ele, pode encontrar produtos com descontos para fazer compras. Com isso, ele se sente motivado a ser associado do clube. Na ponta final, ele dá dinheiro ao Atlético para poder ter vantagem de consumo no SuperNosso. Como é que o senhor pode querer incentivar a massa atleticana a não mais consumir, se isso pode trazer dinheiro para o clube?

É uma atitude furiosa no mínimo curiosa, não é mesmo? Além disso, presidente, o senhor não teria motivo para se preocupar com o Cruzeiro. Afinal, ele não é, em hipótese alguma, um concorrente do Atlético. Ele é, no máximo, um rival na disputa de um ou outro campeonato. Desconfio, aliás, que neste começo de ano nem isso preocupa, já que o Cruzeiro está ''relegado'' a disputar o Campeonato Mineiro que o senhor mesmo tanto despreza, e com razão, pelo objetivo mais apetitoso da Libertadores.

Por que privar-se de usar um supermercado só porque ele recebeu um time adversário? Por mais que seja O adversário, isso é o de menos. Afinal, nunca, em hipótese alguma, você vai disputar com o Cruzeiro a mente de um consumidor. Voltando à entrevista em que nos conhecemos, lembro-me do senhor dizendo como havia começado sua relação com o Galo, no momento em que veio ao mundo no dia do aniversário do clube.

Acho impossível que, alguma vez, o senhor tenha ficado em dúvida sobre qual cor de camisa iria escolher numa loja de esportes. O azul não passava nem perto, não é mesmo?

O seu concorrente, Kalil, é o cinema, é o teatro, é o videogame que faz o torcedor decidir investir seu dinheiro em outra atividade de lazer que não o Clube Atlético Mineiro. O Cruzeiro é mais um motivo para o torcedor desejar ainda mais o Galo. Leve o Ronaldinho a um supermercado, mostre que o atleticano é quem mais vai dar retorno para o estabelecimento e, assim, movimente a paixão do torcedor não apenas pelo resultado dentro de campo. Tudo isso seria facilmente aplicado caso o senhor tivesse um departamento de marketing dentro do Galo, presidente.

Mas, pelo visto, aquela ridícula punição do STJD levou embora a lufada de vanguarda que havia no senhor. Achar que um clube de futebol concorre com outro é tão arcaico quanto o Clube dos 13 que o senhor conseguiu modernizar ao criticar as absurdas comissões que eram pagas a pessoas que nada faziam pelos clubes.

Kalil, em vez de não ir ao supermercado, tente criar mais coisas para o torcedor do Galo. Pode apostar que ele estará ávido para consumir. E, com certeza, não terá a menor dúvida sobre qual cor de produto ele tem preferência…