Negócios do Esporte

A sintomática ida de Anderson Silva ao Fantástico

Erich Beting

Quando Ronaldo foi levado à delegacia pelo caso com os três travestis, naquela história até hoje mal explicada, na semana seguinte o ''Fantástico'' exibiu uma entrevista de quase 20 minutos com o jogador, feita em sua casa em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Quando Adriano teve uma das suas muitas recaídas, usou o mesmo Fantástico para afirmar que havia pensado em parar de jogar bola mas que estava recuperado e pronto para voltar à ativa. Agora é a vez de Anderson Silva usar a tribuna do programa dominical da Globo para dar sua versão dos fatos.

Há 15 ou 20 anos, não havia melhor estratégia de gerenciamento de crise do que essa. Até então, o Fantástico era o principal programa da televisão nos finais de semana. Com audiência beirando os 50 pontos, era uma espécie de parada obrigatória para o Brasil na noite de domingo. A música do Fantástico era o sinal da depressão, indicando que uma nova semana estava para começar, que a folga havia acabado e que na manhã seguinte o despertador tocaria logo cedo.

Isso foi há 20 anos, no mínimo. Numa época em que não havia internet e praticamente inexistia a TV a cabo no país. Logo, éramos obrigados a assistir a no máximo sete opções de canais de televisão, sendo que nenhum deles com o mesmo poderio financeiro que a Globo, o que fazia do Fantástico o único programa com o mínimo de qualidade para se assistir.

Mas isso era do tempo em que Ronaldo nem era jogador de futebol e Anderson Silva batalhava para tentar fazer dinheiro na vida.

Hoje, segundos dados da própria Globo, a audiência do Fantástico está na casa dos 20 pontos, sendo que 36% do público tem mais de 50 anos de idade e apenas 9% está entre 18 e 24 anos de idade. Só para se ter uma ideia, em 2007, também de acordo com a Globo, a audiência estava em 30 pontos de média e o público acima de 50 anos era de 33%. Já aquele entre 18 e 24 anos era de 11%.

Esses números significam que o Fantástico é um programa em extinção. Pelo menos para o público consumidor do UFC, ele está longe de ser o programa que os representa.

Mas por que então Anderson Silva foi procurar exatamente o programa da Globo para dar seu ''depoimento''?

Desde o início do ano, Marcos Buaiz é o principal executivo da 9ine, a agência que é responsável em grande parte pelo tamanho do mito que hoje Anderson Silva representa. Desde então, foi ocorrendo uma série de mudanças na agência, sendo talvez a mais significativa delas a mudança da equipe que cuidava da gestão de imagem de atletas.

Durante um ano, quando começou o trabalho com a 9ine, Anderson Silva passou por um um longo processo de aparição nas mais diferentes mídias e, também, nos mais diferentes tipos de programas. O objetivo era fazer com que o lutador fosse apresentado ao país para, posteriormente, virar o grande nome publicitário que virou.

Agora, quando surgiu a primeira crise, curiosamente todos os passos que foram dados para construir sua imagem foram abandonados, e Anderson Silva foi ao Fantástico dar um depoimento. Foi muito pouco para quem esteve no Faustão, na Ana Maria Braga, no Luciano Huck, em notícias programadas em diferentes jornais e revistas, etc.

A ida de Anderson Silva ao Fantástico é sintomática. Ela mostra que nem tudo anda tão bem no mundo da 9ine, que até pouco tempo atrás havia conseguido passar ilesa de momentos de crise. Mesmo com Ronaldo assumindo um cargo no Comitê Organizador da Copa, na TV Globo e mantendo suas relações comerciais normalmente.