Negócios do Esporte

Corredor de rua vira o “garoto mimado” das marcas

Erich Beting

A venda de calçados costuma ser o maior negócio de uma empresa de material esportivo. No balanço dessas empresas, a comercialização de tênis corresponde a uma fatia importante do faturamento. No mercado brasileiro de esporte, isso causa uma interessante situação. O corredor de rua se transforma num ''garoto mimado'' pelas marcas. Ainda mais se ele for um atleta com performance acima da média.

Com o crescimento das corridas de rua no país, impulsionadas pela marca de mais de 3 milhões de atletas amadores, o corredor de elite vira o objeto de desejo das marcas. Falar com esse cara é, na estratégia para a venda de calçados, uma parte importante do negócio.

Há cinco anos, o mercado brasileiro para esse atleta era basicamente dividido em duas marcas. Asics e Mizuno. As duas fabricantes de origem japonesa eram as reconhecidas pelos corredores como fabricantes de tênis bom para corredor. Adidas e Nike, que quase sempre lideram os diferentes segmentos e modalidades esportivas, ficavam num segundo plano.

Em 2009, com a criação da Nike 600k, o cenário mudou. Ao fazer uma prova que saía de São Paulo e chegava no Rio de Janeiro, a marca americana obrigou esses atletas de ponta a testarem, na prática, seu produto. O negócio deu tão certo que participar da ''maior prova de revezamento'' do mundo passou a ser objeto de desejo de muitos desses caras ''da elite''.

O aparecimento da 600k revolucionou esse mercado. As marcas japonesas precisaram começar a sair da inércia e redobrar a atenção com o corredor considerado ''formador de opinião''. O resultado foi o surgimento de ideias cada vez mais malucas para que esses atletas testassem as marcas e os próprios limites.

A Asics criou o circuito de meias-maratonas rápidas, o Golden Four. Nesse desafio, os atletas se pegam para ver quem é mais veloz nos 21km, em quatro corridas nas cidades que mais têm corredores de rua (São Paulo, Rio, Brasília e Porto Alegre). A prova vai, em 2014, para a sua quarta edição. Nos quilômetros acumulados na bagagem, o atleta geralmente coloca uma dessas etapas da Golden Four como a responsável pelo melhor tempo da vida numa prova de 21km.

Agora, a novidade ficou por conta da Mizuno, que realizou no último sábado a Mizuno Uphill. A prova foi uma maratona em que o desafio foi subir a Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina. Coisa de maluco. A inclinação da serra, as curvas em 180° e, para piorar, o frio e a garoa que tomaram conta da região no sábado foram ingredientes para que o corredor não apenas testasse os produtos da marca como os próprios fantasmas em suas cabeças. Na prova, apenas 50 atletas convidados. Todos conseguiram terminar, alguns não tão inteiros, mas sobreviventes, como fazia questão de destacar a marca na camisa comemorativa pós-prova.

A briga entre as marcas acabou criando uma nova geração de atletas de corrida de rua no país. São os ''garotos mimados'', que são a todo instante procurados pelas empresas para testarem seus produtos e levarem suas impressões para a massa maior de corredores. Ter o respeito desse atleta é o caminho para uma marca aumentar as vendas no médio prazo.

Nos países em que a corrida se tornou popular, como Estados Unidos e até mesmo Inglaterra, esse tipo de ação já não faz mais parte da estratégia das marcas. Por aqui, ainda é importante falar com a elite da corrida. Não por acaso, muitos dos participantes da Uphill eram ex-corredores da 600k e de outras provas programadas para o atleta de ponta da corrida.

A dúvida é se, com tanta marca na cabeça, ele vai se lembrar de recomendar uma de preferência para os pés. Até lá, as fabricantes seguem buscando ideias mirabolantes para atrair o corredor. Quase como uma avó que tenta ganhar o neto pelos mimos que só ela é capaz de dar…