Negócios do Esporte

Arquivo : maio 2014

O legado de Copa que não se soube vender
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Erich Beting

Uma das maiores crises relacionadas à Copa do Mundo está no fato de que soubemos aproveitar nem um pouco o projeto de legado positivo que o evento realmente trará. Promessa de campanha de Fifa e Comitê Olímpico Internacional quando vendem a ideia de um país se candidatar a sede de seus eventos, o legado é hoje o Calcanhar de Aquiles no discurso referente à Copa e, muito provavelmente, será a bandeira levantada dos anti-Olimpíada a partir de agosto.

O fato é que não soubemos, desde o começo, a vender o projeto de legado. O que é legado? De que foma ele pode existir e em quanto tempo realmente sentimos os benefícios de um megaevento em nosso país?

Um dos grandes sucessos de Londres foi conseguir mostrar ao povo local que os quase 9 bilhões de libras que estavam sendo empregados para os Jogos Olímpicos de 2012 seriam convertidos em benefício direto às pessoas (às vuvuzelas de plantão, vale lembrar que o orçamento original da Olimpíada londrina era de 2,4 bilhões de libras). A entrega do maior parque público europeu em mais de cem anos, numa região desvalorizada da cidade, era um dos pilares mais repetidos pelos organizadores dos Jogos.

Por aqui, nunca nos preparamos para sequer saber responder à questão básica. O que é que queremos de retorno com Copa? Quase sempre repetimos as frases de COI e Fifa, sem ao menos perceber que a realidade de entidades baseadas na Suíça é, necessariamente, bastante distinta daquilo que temos por aqui. O que é vendido como legado para o dia-a-dia europeu não pode ser visto com os mesmos olhos por aqui.

 

O fato é que nunca tivemos um roteiro definido para determinar o que haveria, realmente, de legado para o Mundial. Atrasamos na construção do projeto da Copa. A começar pela politicagem que fez com que quase dois anos se passassem até que as 12 sedes estivessem definidas. Depois, levamos mais muito tempo discutindo assuntos distintos, como o estádio de abertura do evento, as requisições da Fifa para um ou outro local ser ou não aceito na Copa, etc. Mais uma vez perdemos meses preciosos para realizar licitações, começar obras e produzir, realmente, tudo o que era preciso para trazer um legado palpável para as pessoas.

Se o país da Copa tivesse ficado pronto há um ano e meio, como era previsto, estaríamos aproveitando terminais novos de portos, aeroportos, rodoviárias, ferroviárias e metrôs. Usaríamos transportes mais modernos e ágeis nas cidades. Faríamos jogos em estádios novos em folha, sem ajustes, remendos ou instalações provisórias. Estaríamos, agora, focados em discutir como fazer a festa, e não se o palco dela estará pronto.

O maior legado que uma Copa do Mundo pode trazer, para o país-sede, é a transformação da mobilidade urbana. Para atender a uma demanda reprimida no transporte público, as obras necessárias para receber no mínimo 50 mil pessoas por jogo, entre público e profissionais que trabalham no evento, seriam um grande benefício para a população.

Outras benesses intangíveis estariam nas construções de estádios em locais mais afastados dos grandes centros, levando maior população para regiões menos povoadas, reduzindo densidade demográfica e proporcionando o desenvolvimento de novas áreas urbanas. Em todo o caso da Copa, talvez Itaquera e a Arena Corinthians sejam, daqui a alguns anos, o maior exemplo dessa transformação provocada pelo estádio. Mas também pode acontecer isso em Recife, Cuiabá, Natal e Manaus, em escalas menores.

Para quem acha que isso é balela, basta ver o que significou para a cidade de São Paulo a construção do Aeroporto de Congonhas, em 1936, a 11km do centro, então região mais habitada da cidade. Ou do estádio do Morumbi, no fim dos anos 60, levando para o bairro paulistano uma grande massa de pessoas onde antes só haviam chácaras.

Por fim, a Copa do Mundo ainda pode significar um grande incremento no setor de serviços. O turista que vem para o Mundial precisa se hospedar, se alimentar, se locomover, etc. É dinheiro que entra, emprego que é gerado, aprendizado que é adquirido pelas pessoas que vão trabalhar, e muito mais coisas. E, na parte final do negócio, o impacto posterior no turismo.

Mas paramos no primeiro passo. Não terminamos o projeto da Copa. Não conseguimos entregar o projeto de mobilidade urbana. Nem mesmo os estádios estão, a 14 dias do evento, 100% prontos!!! Como dá para querer vender um legado se o presente não está pronto?

Só que esses são os problemas que nos atingem em nosso cotidiano. Durante a Copa, a pessoa que vier para cá vai vivenciar uma experiência espetacular. Elas não sabem o que significam esses nossos problemas. Elas com certeza esperam protestos a cada esquina e falhas em todos os cantos. Mas provavelmente voltarão encantadas com a beleza natural do país e a alegria contagiante do brasileiro em receber as pessoas. Porque isso é diferente por aqui.

Estive na Alemanha, em 2006, e na África do Sul, em 2010. Os alemães, naturalmente, cumpriram todo o roteiro. A Copa foi impecável dentro e fora de campo. Parecia inacreditável como tudo estava em ordem, no lugar, funcionando. Só na final, em Berlim, quando mais de 1 milhão de turistas de Itália e França chegaram por todos os meios de transporte possíveis à capital alemã, que a cidade entrou em colapso. Mesmo assim, o metrô levava você, sem grandes sobressaltos, ao estádio.

Na África, o cenário foi completamente diferente. As casas que foram alugadas estavam “quase” prontas (mudei de moradia no condomínio que a Band havia alugado por conta de problemas num dos quartos, depois vivíamos com vários blecautes se ligássemos luz, televisão e aquecedor ao mesmo tempo). Além disso, alguns estádios ainda tinham o pó da construção nos assentos, a tinta fresca na parede, o entorno com cara de semi-pronto. Os prestadores de serviço não estavam capacitados para atender à demanda, o que gerava falta de produtos nas lojas e restaurantes, demora excessiva para ser atendido, etc. O transporte público era inexistente, e todo trajeto que percorríamos eram em vans ou carros alugados (quando havia carro para ser alugado).

Seremos muito mais África do que Alemanha. Isso, para o turista, não é de se estranhar. Para o brasileiro, é de se lamentar. Deveríamos, pelo país que queríamos que fôssemos, estar mais próximos dos alemães do que dos africanos. Só que não temos a menor cultura de planejamento e execução de grandes projetos.

Não é um erro do país. É um fato. Durante décadas nos acostumamos a ter de colocar e tirar dinheiro de aplicações do banco para não ver nosso patrimônio se esvair em menos de um dia. Num mês, a inflação galopante obrigava-nos a comprar tudo quando entrasse o dinheiro e, a partir daí, ver no que ia dar para chegar até o dia 30. E por aí vai.

O que ninguém parou para perguntar é se tínhamos capacidade de receber uma Copa do Mundo com 12 sedes. Não tínhamos mão-de-obra capacitada para colocar o Brasil em pé. Ou melhor. Uma Copa em pé aqui no Brasil. Era muita obra para pouca gente apta a fazê-la. Era muita execução para pouco planejamento, etc.

Esses foram os erros primários que minaram a “Copa das Copas”. E esse é o erro que o governo ainda insiste em cometer, de vender um projeto que não se realizou. Faremos uma baita Copa. Inesquecível para todos nós que teremos a chance de viver uma Copa do Mundo no país, feito que provavelmente não teremos a chance de vivenciar tão cedo. Mas ela não será a melhor da história.

Esse foi o legado que não soubemos vender. Por que, por todos os atrasos e erros cometidos, não será na Copa do Mundo que vamos perceber os benefícios que ela trará ao país. Precisávamos ter tido uma visão de longo prazo do evento, algo que nossas diferentes gerações nunca souberam ter porque nunca puderam viver pensando no longo prazo. Tentar vender benefícios com a Copa agora é continuar a procurar água no deserto. E a dar mais corda para que os movimentos de protesto tenham mais força.


Djokovic mostra que o lado humano é que forma o ídolo
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Erich Beting

Novak Djokovic é uma dessas figuras raras de se encontrar no esporte. O sérvio número 2 do mundo do tênis consegue unir talento com um carisma impressionante. Mais uma vez Djokovic deu um show. Dessa vez, ao usar a pausa da chuva em Roland Garros para “fazer um novo amigo”, como ele mesmo resumiu ao relatar o motivo que o levou a convidar o pegador de bolas a se sentar ao lado dele enquanto esperavam o término da chuva na quadra central do complexo francês.

A reportagem de Felipe Kieling, repórter do Bandsports, resume perfeitamente o que aconteceu (veja abaixo). De forma espontânea, Djokovic fez o seu gesto virar a grande notícia do dia numa primeira rodada sem graaandes surpresas assim no Grand Slam francês.

O grande ídolo é formado, principalmente, pelos gestos que o aproximam do que há de humano na gente. Djoko é hoje o cara mais apto a fazer isso no circuito do tênis. No atletismo, Usain Bolt tem também esse magnetismo. Num momento em que o esporte é cada vez mais automatizado pelos gestores de imagem, o sérvio e o jamaicano são lufadas de esperança de que ainda há espaço para ser humano dentro do esporte. Mesmo que o ser humano tente robotizar todas as relações.

Em tempo. Aos que veem teorias da conspiração em tudo, Djokovic não é patrocinado das águas Perrier. Ele apenas ofereceu a água que está disponível aos atletas para o garoto.


Copa vira palco para “desfile” de 350 empresas
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Erich Beting

O número impressiona. Na Copa do Mundo de 2014, as 32 seleções e a Fifa vão representar, direta e indiretamente, pelo menos 350 empresas de diferentes segmentos de atuação. Esse é o resultado de um levantamento exclusivo feito pela Máquina do Esporte com todos os patrocinadores das seleções que estarão por aqui no próximo mês (Leia aqui).

O que mais chama a atenção nessa história é que a importância da Copa do Mundo se tornou tão grande que as marcas tentam, de todas as formas, se associar ao evento. A situação que vemos hoje no Brasil, em que diversas empresas tentam pegar carona no momento do Mundial e criam alguma coisa com essa temática, é ainda mais clara quando passamos a lupa nas empresas que estão envolvidas com as seleções.

Bancos e Seguradoras são os maiores patrocinadores. Entre as empresas, a Coca-Cola lidera a lista, patrocinando a Copa e mais 12 seleções (mais de 30% do total de times que estarão no Mundial). E, um dado interessante, os principais segmentos envolvidos são de empresas que são concorrentes dos patrocinadores da Fifa.

Esses números evidenciam a importância que a Copa do Mundo passou a ter para o patrocínio esportivo. As seleções se tornaram um meio de as marcas não perderem espaço para os concorrentes que tiveram acesso ao Mundial. É o que fazem, por exemplo, Guaraná e Pepsi com Brasil e Estados Unidos, respectivamente. Para tentar bater na Coca-Cola, patrocinam a seleção local.

Só que, com uma média de quase dez empresas por time, a Copa também representa uma grande confusão de marcas na cabeça do consumidor. É tanta empresa, tanta campanha de mídia e tanta comunicação com a temática do futebol que a lembrança de quem patrocina fica cada vez mais escassa. Soma-se a isso o cenário de fragmentação de mídia que vivemos e é ainda mais complicado o esforço que as empresas têm de fazer para gravarem um pedaço na memória do consumidor.

Ao virar um grande palco para o desfile de tantas marcas, a Copa do Mundo sofre com o próprio sucesso. É tão desejada que tem tanta gente querendo conhecê-la. Daqui a pouco será difícil para a Fifa convencer os patrocinadores a pagarem tanto por ela. Em 2006 foi a primeira vez que a entidade precisou rever a política de patrocínios que tinha. Não é absurdo pensar que, num futuro próximo, a Fifa precise adotar a medida do COI e vetar qualquer exposição de marca dentro dos estádios. Assim ficará ainda mais limpo a comunicação de quem é verdadeiramente patrocinador do evento.

Menos, em marketing esportivo, quase sempre é mais.


Com ação no Brasil, Heineken se aproxima da Europa
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Erich Beting

A Heineken do Brasil conseguiu, nesta semana que antecede a final da Liga dos Campeões da Europa, se aproximar da estratégia de comunicação que norteia as ações de ativação de patrocínio da marca de cervejas no Velho Continente. A empresa criou uma parceria com a rede de lojas de sapatos Shoe Stock e vai oferecer uma liquidação de sapatos para mulheres no horário da decisão da Liga, entre 15h e 18h do próximo sábado (leia os detalhes aqui).

A grande graça do negócio é brincar com a eterna rivalidade entre homens e mulheres quando o assunto é o futebol.

O ponto mais bacana da história toda, porém, foi a empresa, no Brasil, ter se aproximado daquilo que é feito lá fora. Mundialmente, a Heineken tem ativado a Champions League usando essa brincadeira entre homens e mulheres. Em 2010, ganhou repercussão mundial a brincadeira antes de Real Madrid x Milan, na Itália. E, no ano passado, foi feita uma divertida ação para promover a final que seria disputada no estádio de Wembley, em Londres.

Um dos grandes segredos do sucesso da Heineken na ativação do patrocínio à Liga dos Campeões é que a marca tem uma consistência muito grande no plano que ela conduz mundialmente. A novidade é que essa uniformidade de pensamento chegou também ao Brasil. E de uma forma bem divertida. Veja abaixo os vídeos. O de 2014 no Brasil, o de 2013 para Londres e o de 2010, na Itália.


A aula do Dortmund para o futebol no Brasil
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Erich Beting

O Borussia Dortmund deu uma aula para os clubes de futebol no Brasil. Nesta quarta-feira, a Máquina do Esporte publicou com exclusividade o vídeo em que o clube alemão agradece a João Pedro, um torcedor de 10 anos de idade que desenhou um modelo de camisa para o time atuar (veja aqui).

O garoto brasileiro enviou uma carta para a Netshoes, que agradeceu enviando um pôster com os jogadores vestindo a camisa proposta pelo torcedor e um kit com a camisa oficial do Dortmund. A empresa de comércio eletrônico fez um vídeo contando essa história. A partir dele, o Dortmund tomou conhecimento do caso e, então, decidiu fazer seu agradecimento para João Pedro.

O desenrolar da história Netshoes-Dortmund é daqueles típicos enredos que são exemplo para todos. Qualquer um que pretende trabalhar relacionamento com o consumidor deve olhar a lição embutida nesse caso.

A Netshoes soube dar atenção para alguém que não tem idade nem permissão para ser seu cliente. O garoto pode até querer comprar na loja virtual, mas precisa dos pais para fazer um pagamento. Possivelmente, a família de João Pedro vai ter um carinho especial com quem deu atenção ao sonho de alguém com 10 anos de idade.

Já o Borussia Dortmund, ao tomar conhecimento do que aconteceu após a divulgação da história do João Pedro, passou a dar ainda mais bola para os torcedores do exterior.

O caso mostra o quanto os clubes europeus entenderam que a essência deles é se comunicar com o torcedor. Da mesma forma que a Netshoes sabe a importância do cliente, os clubes de lá sabem que só serão grandes e terão capacidade de criar times competitivos se olharem para o fã.

Quando um menino brasileiro de 10 anos de idade tem como sonho desenhar um novo uniforme para um time da Alemanha, é sinal de que os clubes no Brasil precisam acordar.

Urgentemente.

Por aqui, o torcedor tem o dever de consumir o clube, mas não é dado a ele qualquer motivo para alimentar esse amor. Uma paixão só tem sentido quando é correspondida. E os times do Brasil não dão bola para isso.


Até no diálogo a Copa teve atraso*
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Erich Beting

* Por DUDA LOPES, gerente de novos negócios da Máquina do Esporte

Na última semana, a presidente Dilma convidou alguns jornalistas esportivos para um jantar no Palácio da Alvorada. A iniciativa contou com presença de nomes como Juca Kfouri (Folha de S.Paulo), Tino Marcos (Globo) e Renata Fan (Band). Sem nenhuma dúvida, o evento é louvável, mas, a dias para a Copa do Mundo, ele acontece com um absurdo atraso.

Parece que só agora, aos 48 do segundo tempo, o poder executivo entendeu o peso político, além do econômico, de colocar o país como sede da maior competição de futebol do mundo. Vinte e seis bilhões de reais depois e alguns milhões de pessoas nas ruas, a presidente chamou a mídia especializada para uma conversa.

A falta de diálogo foi uma das principais razões da Copa do Mundo ser um fracasso político. Existiu a clara impressão de que tudo fora feito na base de acordos que deixavam a população fora da conversa. O modo de operar acentuou as duas grandes promessas mentirosas do governo brasileiro: o legado de infraestrutura e a ausência de dinheiro público em estádios.

Dilma deixa, pelo menos, a ideia de que as coisas podem ser diferentes. Por que não ouvir o esporte de vez em quando? Trata-se de uma indústria crescente que movimenta cerca de 1% do PIB e que, claramente, pode causar um enorme prejuízo de imagem. E o diálogo, seja com jornalistas, Bom Senso FC ou clubes, é o pilar fundamental de qualquer Estado democrático.

Coluna publicada originalmente no Boletim Máquina do Esporte


Futebol precisa, ao menos, lustrar o sapato
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Erich Beting

Com a inauguração da Arena Corinthians, no domingo, tivemos uma rodada de Campeonato Brasileiro com cinco dos dez jogos sendo disputados num estádio recém-inaugurado. Mineirão, Maracanã, Arena Corinthians, Arena do Grêmio e Arena Pantanal foram responsáveis por levar 122.958 torcedores aos estádios, ou uma média de 24.591 pessoas por arena.

O número está acima da média do campeonato (cerca de 15 mil torcedores por partida). E segue a tendência já vista no ano passado, quando finalmente passamos a usar novos estádios no Brasil. As arenas novas costumam levar mais torcida e, consequentemente, tem as melhores médias de público dos estádios brasileiros.

Só que a velha máxima de que basta fazer um estádio novo para o torcedor ir aos jogos é parcialmente verdade. Isso vale quando o novo espaço ainda é novidade. Prova disso foi o Cruzeiro, que voltou a campo sábado após ser eliminado da Copa Bridgestone Libertadores e levou apenas 11.603 pagantes ao Mineirão, o menor público dentre aqueles das novas arenas.

Quando o estádio é novidade, como foi o caso do Corinthians, é natural que haja um interesse prévio do torcedor. Ir ao jogo é conhecer a casa nova, ver como ficou, comparar como era (no caso de estádios remodelados), etc. Isso dura um, dois, no máximo uns cinco jogos. Depois, o torcedor volta a acompanhar o time conforme o desempenho dele dentro de campo.

Para acabar com essa máxima, o futebol precisa deixar de fazer com que apenas a caixa do sapato seja nova. O sapato precisa deixar de ser o velho e surrado conhecido do público. Ou, pelo menos, precisa ganhar uma graxa, um lustre. Na partida de estreia da Arena Corinthians, evento-teste da Fifa para a Copa do Mundo, se teve alguma coisa que com certeza ficou abaixo do padrão exigido pela entidade, foi o futebol. Os dois times maltrataram, e muito, a bola. Da mesma forma, em diversos outros estádios, o que se viu foi um belo estádio para um futebol pífio.

Se quiser realmente aproveitar os novos estádios do país para mudar o panorama do futebol, o Brasil precisa entender que o problema não está apenas no palco em que jogamos, mas na qualidade do evento que é apresentado ao torcedor. Para conseguir fazer um estádio dar lucro, é preciso colocar gente dentro dele o tempo todo. Mas, hoje, do jeito que está a qualidade do futebol, apenas com preços baixos é possível atrair mais torcedores.

O mais difícil está por vir, que é fazer um espetáculo no mesmo nível do estádio que é entregue aos jogadores. Do jeito que está, seguimos a vender sapato velho em caixa nova. O sapato precisa passar por um brilho, urgentemente. Do contrário, a caixa será colocada de lado rapidamente…


Maradona ainda é um bom garoto-propaganda no Brasil?
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Erich Beting

Em 2006, quando o Guaraná Antarctica decidiu lançar uma campanha com Diego Maradona protagonista de um comercial sobre a seleção brasileira, o impacto foi tão grande quanto o maior ídolo do futebol argentino. Era, realmente, audacioso demais fazer com que Dieguito vestisse a camisa canarinho. O retorno foi imediato. Muita repercussão sobre o anúncio e uma simpatia tremenda com a marca de refrigerantes, que estava havia pouco mais de dois anos na parceria com a CBF.

Desde então, porém, a publicidade brasileira continua a insistir, a cada quatro anos, com o eterno camisa 10 argentino. O lançamento da vez foi o da Bom Negócio, site de venda de produtos usados, que tem apostado em figuras do imaginário bizarro brasileiro, como Sérgio Mallandro, Cumpadre Washignton, Supla e Narcisa Tamborindeguy nas propagandas em TV ultimamente.

Antes, sem aparecer, Maradona “contracenou” com Romário na propaganda das Havaianas. E não será muita surpresa se “El Diós” aparecer em outras criativíssimas propagandas de embosada às vésperas da Copa do Mundo.

Maradona assumiu o papel de garoto-propaganda quadrienal desde 2002, mas a pergunta é, será que ainda vale apostar nele como uma figura que vá de fato fazer a diferença para uma marca?

A julgar pelas duas propagandas que já fizeram uso de Dieguito, seja com a cara dele ou com a mera menção de seu nome, ele ainda é o protótipo ideal para marcar o duelo Brasil x Argentina de cada quatro anos. Maradona ainda parece ser um bom negócio. Pelo menos é algo que foge da trinca Neymar-Felipão-David Luiz que inundou a propaganda brasileira nas últimas semanas…

Maradona, em 2006…

 

… e sua volta, em 2014!

 


A amnésia seletiva de Nizan Guanaes
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Erich Beting

Nizan Guanaes é, há quase uma década, um dos principais responsáveis por propagar e promover a marca do Brasil pelo mundo. O publicitário dono do grupo ABC talvez seja uma das figuras mais influentes no exterior naquilo que diz respeito à promoção do Brasil. A audácia de Nizan em levar suas agências para fora, em exportar o Brasil, em cultivar aquilo que há de melhor no país e em colocar seu trabalho e, consequentemente, o país em pé de igualdade com o que há lá fora é louvável.

Mas, no que diz respeito à Copa do Mundo, o publicitário parece sofrer de uma amnésia seletiva.

Na última terça-feira, em artigo publicado na “Folha de São Paulo”, mais uma vez Nizan convoca as pessoas a usar o Mundial como plataforma para impulsionar o país e promovê-lo mundialmente. Sob o título de “Enchendo a bola do Brasil”, o artigo procura defender que o Brasil tem um grande legado com a Copa do Mundo, que é o evento ter aflorado a nossa capacidade de reclamar, protestar.

É lícito e absolutamente válido esse pensamento. O “despertar” do gigante talvez seja, realmente, o melhor benefício palpável que exista neste momento pré-Copa do Mundo. Ainda que muito do discurso anticopa seja vazio, ou maquiado, é fato que nos tornamos muito mais críticos a partir do momento em que questionamos se todo o esforço que está sendo feito é válido ou se temos outras prioridades atualmente.

Só que, ao defender o direito de reclamar e conclamar para que as pessoas, nos 30 dias de Copa, esqueçam as mazelas e tratem tudo numa muito boa, como se não houvesse problema em absolutamente nada, Nizan peca pela amnésia.

Não foi a mesma agência África, da qual ele é dono, que criou a campanha “Imagina”, para a Brahma? Não era essa agência que defendia que os “pessimistas de plantão” tinham de parar de reclamar do caos que haveria na Copa e substituir o bordão “imagina na Copa” por “imagina a festa”? Como pode, então, a mesma pessoa que defende isso numa propaganda vir dizer que o legado do evento é termos aprendido a protestar?

Isso não é ser pessimista de plantão? Ou será que defender os protestos não é apenas aproveitar o momento para não levar bordoada por ser “ufanista de plantão”?

Se tivesse comparecido, a negócios ou a lazer, em outros megaeventos, Nizan saberia que eles são, em qualquer rincão do planeta, excelente e importante plataforma para protestos. Os grandes eventos esportivos são momentos muito bem apropriados por minorias para exporem suas necessidades. É uma espécie de ônus que eles pagam por terem se tornado tão poderosos. A mídia de todo o mundo está lá. E, como boa mídia que é, está no evento ávida por notícia, a favor ou contra, mas que cause repercussão.

Em 7 de julho de 2005, o metrô de Londres foi atacado por uma série de atentados a bomba. Dois dias antes, a cidade havia sido escolhida sede dos Jogos Olímpicos. No verão de 2012, tudo transcorreu em paz na cidade britânica, mas diversos pequenos protestos, de diferentes etnias, eram presença constante na estação de Stratford, ponto de parada do metrô que levava ao Parque Olímpico. Ainda bem!

Em março de 2008, pré-Jogos Olímpicos de Pequim, uma série de protestos pró-independência do Tibete eclodiu não apenas na China, mas em diversos outros países. Algumas dezenas de mortos foram contabilizados oficialmente pela sempre obscura ditadura chinesa. Fazia muitos anos que não se dava tanta voz e mídia para isso.

Por aqui, o que acontece no Brasil desde junho de 2013 é não só a conscientização de que temos de protestar por melhorias no dia-a-dia. É, mais importante, a certeza de que temos ainda muito a evoluir como nação. Ainda temos muitas falhas, assim como temos gigantescas virtudes. Felizmente nossos protestos são, comparativamente, muito mais tupiniquins, com bastante festa e pouca violência. Ou, pelo menos, menos violência do que em outros países.

O discurso de que é preciso empurrar essas mazelas para debaixo do tapete enquanto as visitas estão em casa é de uma tremenda ignorância. Tão ignorante quanto aqueles que discursam que a Copa do Mundo só teve roubalheira de dinheiro e foi um desperdício de dinheiro público.

O país investe, e muito, no Mundial. Cerca de 90% da conta está nas nossas costas. Mas essa é a realidade de qualquer organização de megaevento esportivo. Desde 1998, entre Copas do Mundo, apenas a Alemanha teve investimento público próximo dos 50% para realizar o evento. As demais sedes precisaram, e muito, do dinheiro do povo para deixar a Copa em pé. No Japão, na África, no Brasil. Países completamente distintos, mas que não escaparam do óbvio. Para dar infraestrutura suficiente para a demanda do evento, é preciso investir. E construir estadas, aeroportos, etc. é função de governo, na maioria dos casos.

Podemos e devemos, logicamente, protestar contra a péssima condução da construção do país da Copa. Deveríamos estar com novos aeroportos já há pelo menos dois anos. Com o trem-bala ligando as duas cidades mais populosas da nação. Com várias e várias outras obras de infraestrutura que atenderiam às necessidades já estranguladas de um país em crescimento, mas que tem ficado estagnado pela falta de ampliação da capacidade em absorver mais gente, mais consumo, mais conhecimento.

Nos tornamos mais críticos, e isso é um legado concreto da Copa do Mundo. Mas que o ímpeto em manter a crítica não desapareça só porque temos visita na sala. Os bons amigos nos conhecem nas virtudes e nas fraquezas. Fingir que tudo é uma maravilha quando poderia ser muito melhor é fazer uma grande – e falsa – festa. Nós não precisamos imaginar a festa. Sabemos fazê-la como poucos países no mundo. Mas não podemos deixar os problemas de lado. Festa boa tem bebida gelada e música até o fim. Se não tem, é preciso protestar. Do contrário, faríamos papel de idiotas.

E, se a amnésia seletiva de Nizan Guanaes voltar a atacar, vale um dado curioso.

Enquanto os protestos nas ruas atualmente envolvem cerca de 1.500 pessoas, nas estimativas mais otimistas, o Tour da Taça da Copa do Mundo, que tem passado por todas as capitais do país desde 22 de abril, está com uma média de 10.000 visitantes por dia, com ingressos numerados. Mas esse evento é promovido pela concorrente do cliente de Nizan. Aí, talvez, não tenha havido interesse em usar como argumento de que protestos e Copa do Mundo podem conviver em perfeita harmonia…


Em 2014, Valcke ajudou a Copa virar “vilã” no Brasil
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Erich Beting

Jérôme Valcke ajudou, conscientemente ou não, para que a repercussão da Copa do Mundo na mídia brasileira ganhasse um tom negativo neste ano de 2014. Essa é uma das conclusões do estudo “A Copa em nova perspectiva” produzido pelo núcleo Análise & Perspectiva da agência de comunicação Inpress e obtido com exclusividade pelo blog.

Nos primeiros três meses do ano, a Inpress monitorou todo o material produzido sobre a Copa do Mundo por sites e jornais do país, além de repercussão em mídias sociais. Nesse levantamento, um dado chama a atenção. Valcke, secretário geral da Fifa, foi responsável por 25% do conteúdo produzido pelos porta-vozes do evento. Em segundo lugar está Dilma Rousseff, presidente da República, com 11%.

O problema é que além de o executivo da Fifa ser quem mais fala sobre o Mundial, ele também é quem mais traz repercussão contrária à Copa. De tudo o que Valcke disse, 63% eram frases negativas. Dilma, por sua vez, tem a proporção inversa. De tudo o que a presidente falou, 68% era discurso positivo. Mas, na proporção, ela apareceu muito menos do que Valcke, o que levou para baixo a percepção das pessoas sobre o evento.

Aí entram dois pontos importantes.

O primeiro deles é a própria estratégia de comunicação adotada pela Fifa após todas as confusões antes e durante a Copa das Confederações. A entidade decidiu fazer com que o “Padrão Fifa” não se tornasse o vilão do evento, mas um ícone da excelência dele. Sendo assim, Valcke passou a criticar, diretamente, a gestão brasileira para organizar a Copa. É só lembrar o episódio do “chute no traseiro”, que pré-Confederações causou tanta repercussão contra a Fifa e que, agora, vira a favor da entidade, já que dois estádios ainda não estão prontos a quase um mês do evento, para ficar nos exemplos mais claros da nossa indigestão no Mundial.

O segundo ponto é a própria cobrança que a imprensa faz sobre o evento com o porta-voz da Fifa. Valcke é quem mais dá a “cara a tapa” para responder a todo assunto relacionado ao Mundial. Ele teve de falar sobre fan fests, situação de Curitiba, estruturas provisórias, atraso de obras, críticas de torcedores, etc.

No fim das contas, premeditadamente ou não, Jérôme Valcke virou uma figura central da Copa do Mundo no Brasil. Ele, hoje, é o principal portador de más notícias relacionadas ao Mundial. Muito por culpa da incompetência brasileira em gerenciar o evento. Se tivéssemos, por exemplo, entregue os estádios no período previsto pela Fifa, estaríamos desde janeiro de 2013 com o futebol rolando nas novas casas.

Agora, com tudo no limite, falamos muito mais sobre a preparação do país para a Copa do que dos atletas, como sempre aconteceu. E isso gera, por incrível que pareça, a véspera de Copa do Mundo com o menor clima de Copa do Mundo dos últimos tempos. Justamente quando ela acontece no país…

A convocação de Felipão para a Copa teve grande espaço no noticiário. Mas isso durou apenas dois dias. Hoje nossa maior preocupação não é se o time brasileiro estará pronto, mas se o estádio em que ele vai jogar estará…