Negócios do Esporte

Arquivo : setembro 2014

O esporte é movido a dinheiro. E isso é bom!
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Erich Beting

O esporte profissional é, acima de qualquer coisa, movido a dinheiro. Seja na bocha, no futebol ou no atletismo. Esse é o ponto de entendimento que ainda parece faltar para quem acompanha o esporte em boa parte do mundo. Não há nenhum mal nisso. Faz parte do show. Aliás, é até bom, se você é um fã do esporte, que ele seja cada vez mais pensado para que quem trabalha com isso ganhe dinheiro.

Uma prova de que fazer dinheiro com esporte é algo bom foi dada neste último final de semana, com a quebra de mais um recorde na maratona. O queniano Dennis Kimetto, de 30 anos, foi o primeiro homem a percorrer os 42 km em menos de 2h03min. O feito rendeu a Kimetto uma premiação de 120 mil euros (cerca de R$ 350 mil) só dos organizadores da prova. Sem falar em bônus de patrocinador e outros possíveis ganhos de médio e longo prazo por se tornar o homem mais rápido da mais tradicional prova do atletismo.

Nos últimos cinco anos, a maratona assiste a uma quebra relativamente constante do recorde mundial. Em 2008, Hale Gebrselassie se tornou o primeiro homem a correr a distância abaixo de 2h04min. Em seis anos, a marca baixou em mais de um minuto. Parece pouco, mas quando se fala de esporte profissional, é algo muito absurdo. Ainda mais por não ser a tecnologia tão responsável por isso, como foi no passado com os supermaiôs na natação, por exemplo.

O que move essa quebra constante de marcas é, de uma forma ou de outra, dinheiro. Desde 2006, o circuito das seis Majors, como são apelidadas as principais maratonas do mundo (Berlim, Boston, Chicago, Londres, Nova York e Tóquio), passou a distribuir um prêmio de US$ 500 mil aos atletas que obtiverem os melhores resultados nessas corridas. A ideia era fazer com que isso gerasse o interesse dos principais maratonistas do mundo para essas provas.

O tiro foi certeiro. A premiação quase sem igual no atletismo gerou, literalmente, uma corrida para essas seis provas (detalhes aqui). Com isso, aos poucos, os atletas começaram a buscar percorrer a maratona em vez de distâncias mais curtas. O esporte ganhou com essa profissionalização. A partir da distribuição de melhores prêmios, elevou-se o nível das provas. Da mesma forma, para o torcedor, melhora o nível do evento.

Não é errado ganhar dinheiro com o esporte. Isso, aliás, é o que permite a um atleta não fazer outra coisa a não ser se dedicar a essa profissão. Com isso, melhora a qualidade do espetáculo e quem ganha na ponta final é o torcedor, que assiste a um evento melhor. A paixão tem de ser o combustível de quem consome o esporte. Mas, para quem trabalha com ele, o importante é ele remunerar bem as pessoas. Só assim dá para se ter alta qualidade.


Judô mostra que TV, patrocinador e esporte podem conviver
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Erich Beting

O Desafio Internacional de Judô realizado no último domingo em São Paulo é a prova de que, se houver um mínimo de diálogo, TV, patrocinador e esporte podem conviver em ótima harmonia. E, o que é melhor, quem sai ganhando é o público.

Não havia nenhum grande “craque” dos tatames no desafio do domingo. A atração, porém, foi toda a atmosfera criada para o evento.

Graças à ousadia de CBJ, Bradesco e Globo, o evento se tornou um espetáculo para quem foi até o teatro e, também, para quem estava em casa sem muito a fazer no domingo de manhã.

A escolha de um teatro para abrigar o desafio já foi interessante. Mais ainda foi a CBJ abrir mão da “pureza” do esporte para fazer um espetáculo que fosse atrativo para a TV. O judô quase nunca tem lutas num domingo pela manhã. Além disso, os árbitros usaram câmeras para dar um outro ângulo para quem está em casa vendo a luta.

Por fim, os patrocinadores também entenderam a parte deles. Aceitaram que um lado do tatame não fosse cercado pelas placas de publicidade. Justamente para que a TV pudesse mostrar que os judocas estavam dentro de um teatro, filmando a maior parte do tempo a plateia, e não quem pagava a conta…

O saldo de tudo isso é que o torcedor, seja ele o que foi ao teatro ou o que curtiu o evento dentro de casa, teve uma experiência diferente para ver o judô. A menos de dois anos das Olimpíadas, isso pode ser um tremendo diferencial da modalidade no país.

Além disso, a mídia acaba, dentro de um evento pensado previamente para ela, dando mais destaque à atração. Isso ajuda a promover o esporte e dá, para o público, maior contato com uma modalidade.

Desde muito tempo atrás, os Estados Unidos entendeu que, para crescer, o esporte precisava se ver como ramo do entretenimento. Uma das melhores exemplificações desse modo de pensar está no UFC. Tudo é pensado para promover ao máximo o evento, inclusive os duelos a serem feitos, que não necessariamente preservam a lógica esportiva de reunir os melhores tecnicamente.

O judô deu uma sinalização de que é possível pensar no esporte como entretenimento no Brasil. E, no fim das contas, todos ganham com isso.


O outro lado do sucesso da rodada dos clássicos
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Erich Beting

A “rodada dos clássicos” no Campeonato Brasileiro serviu para comprovar o óbvio. Quando há motivo para acompanhar futebol, o público comparece. O saldo da 23ª rodada do Brasileirão é a maior média de torcedores no estádio e os maiores índices de audiência no Rio de Janeiro e em São Paulo na transmissão pela TV (detalhes aqui).

Mas aí entra o segundo ponto de questionamento. Por que fazer todos os clássicos numa mesma rodada? E, mais ainda, por que todos os jogos no mesmo horário?

Cruzeiro x Atlético-MG tinha tanta história para contar quanto Corinthians x São Paulo ou Flamengo x Fluminense. O Ba-Vi com os dois times na degola, também. Mas a CBF, mais uma vez, atuou sem pensar no todo, procurando resolver algo de forma pontual e localizada, atendendo parte dos interesses da TV e não da competição.

O torcedor que gosta de futebol teve de optar por apenas uma das opções de clássico no final de semana. Na televisão, a mesma história. Um bom evento local ao mesmo tempo, sem possibilidade de maiores ganhos na transmissão do pay-per-view, por exemplo. Ajudou a TV aberta, que é quem paga a maior parte da conta. Mas não resolve o problema de interesse do público no campeonato.

Faltam novas ideias para que o futebol consiga atrair cada vez mais público. Ao marcar os principais clássicos regionais para o mesmo final de semana, no mesmo horário, a CBF perde uma ótima oportunidade de gerar mais interesse para o torcedor. O público não abandonou o futebol.

Mas é preciso levar um pouco mais de inovação para a gestão do evento para transformar esse interesse num aumento constante de receita. Foi um sucesso a rodada dos clássicos. Mas, se houvesse interesse na CBF e em quem transmite o Brasileirão de pensar a todo instante em soluções para ter mais gente nos estádios, o sucesso poderia ser muito mais duradouro…


Legado da Copa: Olimpíada já começa a dar as caras
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Erich Beting

Não deixa de ser uma espécie de legado da Copa do Mundo algumas situações que acontecem pré-Jogos Olímpicos. Aos poucos, os patrocinadores olímpicos começam a dar as caras e as cartas para ações de aquecimento do evento que acontece em dois anos.

No próximo dia 28, o judô fará um duelo contra o Japão. São lutas sem qualquer validade para ranking, mas que têm um importante significado. Ajudam a aproximar o espectador da modalidade e, também, dá exposição aos patrocinadores da Confederação Brasileira de Judô. Uma mostra clara disso é que o evento acontece no Teatro Bradesco, em São Paulo. O banco, logicamente, é um dos patrocinadores da CBJ.

Nesta sexta-feira, já como aquecimento do evento, haverá uma exibição de uma luta de judô na praça da Liberdade, em São Paulo. Se alguém conseguir dar um ippon no judoca que lá estará, receberá convites para o evento do dia 28 (detalhes aqui).

As duas iniciativas seguem um modelo adotado com bastante frequência nos Estados Unidos. Só para se ter uma ideia, na última semana o Comitê Olímpico dos EUA (Usoc) fez uma viagem por vários estados americanos para promover o projeto olímpico da entidade. Anualmente, estão previstos pelo menos dez eventos, nos EUA, até os Jogos do Rio. Segundo o comitê, o objetivo é fazer com que o patrocinador tenha visibilidade e possa realizar ações com o público para reforçar o patrocínio.

É exatamente isso que faz agora a CBJ. E, também, como alguns parceiros do Rio-2016 começam a trabalhar. Recentemente, o Bradesco também apoiou um desafio de basquete. Outros eventos estão programados além dos eventos-testes que acontecerão no Rio.

Na Copa do Mundo, apenas a disputa da Copa das Confederações foi usada como termômetro para o evento. Os protestos que sacudiram o país deixou todo mundo apreensivo. O reflexo disso foi que a Copa do Mundo só foi “pegar”, de fato, no dia 12 de junho, quando o torcedor teve a certeza de que não haveria mais volta (nem grandes protestos) para o evento.

Agora, a situação é completamente distinta. Os protestos parece que ficaram naquele inverno quente de 2013. E o megaevento caiu nas graças das pessoas, apesar de todos os pesares do processo pré-Copa. Os próximos dois anos pré-Olimpíadas parecem que serão muito menos apreensivos e muito mais de aquecimento de um Brasil de vários esportes.

E os patrocinadores, ao que tudo indica, não vão ficar sentados esperando para ver o que pode acontecer. O legado da Copa está aí. O das Olimpíadas poderá ser ainda mais interessante.


Padronizar não significa pasteurizar
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Erich Beting

Nas últimas semanas, uma série de novas medidas está sendo implementada nos jogos do Campeonato Brasileiro. Capitaneadas pela CBF em parceria com a Globo, elas visam tornar mais padronizado o protocolo das partidas do Brasileirão. É uma atitude que faz parte do pacotão pedido pela emissora para melhorar a qualidade do futebol brasileiro. E é uma forma de começar a tentar colocar um pouco de ordem na casa.

Padronizar o protocolo de jogos é fundamental. Isso ajuda, e muito, a construir uma identidade para o Brasileirão. O problema é quando a padronização se confunde com a pasteurização dos eventos.

Esse é o erro que parece querer cair a CBF ao impedir o mundaréu de torcedores-mirins de entrarem em campo com os times. A norma, agora, é limitar a 22 torcedores a entrada dentro de campo com os atletas.

É uma tradição, no futebol brasileiro, os jogadores entrarem em campo com os garotos a tiracolo. Quem vai a estádio sabe que, ao ver as crianças na boca de entrada do túnel, o time está a caminho. É a hora que a respiração prende, que o grito fica mais forte, que você prepara para saudar (ou vaiar) o time que vai entrar.

Da mesma forma, os torcedores-mirins são o ponto de contato do ídolo com a torcida. As hordas de torcedores que se formam ao lado de Rogério Ceni e Robinho, ou que se formavam em torno de Ronaldo e Marcos, para ficar nos exemplos paulistas. Sim, para a televisão a imagem não é das melhores. Mas ela representava a essência do que é a paixão de uma criança pelo seu ídolo. Ela ajuda a entender a importância de se ter um ícone dentro de campo. E, mais do que isso, alimenta o amor pelo clube.

Padronizar a entrada em campo de torcedores é um erro quando ela acaba com uma tradição. Se fosse algo que atrapalhasse o andamento do protocolo de um jogo, era justificável, mas claramente não é isso que acontece.

A CBF acerta quando quer melhorar a qualidade do espetáculo criando alguns padrões. Mas erra ao querer embutir o padrão internacional, atropelando as origens e tradições do futebol brasileiro. Isso só ajuda a afastar o torcedor do futebol, justamente naquele que talvez seja o momento mais grave de crise de imagem que o esporte vive.


Futebol é religião, não é esporte. Mas e o restante?
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Erich Beting

A frase do título é uma espécie de mantra repetido por quem não trabalha com futebol. Quase sempre é usada essa “desculpa” de que é difícil trabalhar os outros esportes num país que tem o futebol como religião.

Mas a absurda ausência das camisas do basquete e do vôlei nas prateleiras em meio à disputa dos Mundiais das duas modalidades (leia os detalhes aqui) revela que a situação é ainda mais complicada.

Se o futebol está começando agora a descobrir o potencial da venda de produtos licenciados, é possível dizer que não existe uma indústria esportiva de fato no país. E a prova mais banal disso é que não existe qualquer vontade das próprias marcas em vender artigos de outras modalidades esportivas por aqui.

A situação é ainda mais absurda quando pensamos que, na semana passada, a mesma Nike que fabrica (mas não vende) as camisas do time de basquete do Brasil fez estardalhaço para anunciar que colocou à venda uniformes dos times de futebol americano no país.

Se um esporte que começa a ser consumido aqui via televisão já tem produtos à venda para o público, porque o basquete, que está entre as cinco modalidades mais consumidas no Brasil, não tem?

O problema não está apenas no fornecedor de material esportivo. Se o produto vendesse, fatalmente ele inundaria as prateleiras com ele. Falta, ao gestor do esporte, preparar sua modalidade para ser uma potência econômica. Pode ser pequena, mas precisa dar resultado financeiro.

O esporte precisa saber quem é seu consumidor e de que forma ele pode consumir aquela modalidade. Isso significa dar acesso à modalidade na televisão, permitir que se tenha acesso a diferentes produtos, ter um campeonato atraente, etc. Não é só montar um time competitivo para ter performance que vai garantir todo o restante. É preciso fazer com que tudo funcione em conjunto. Do contrário, o negócio não deslancha.

Enquanto os outros esportes se esconderem na desculpa de que o futebol é uma religião e de que nada mais do que isso funciona no país, continuarão a viver de sobressaltos, sem de fato construir uma gama de clientes interessados em consumir aquela modalidade.

Futebol é religião no Brasil porque o esporte se transformou em algo maior do que até mesmo ele tem capacidade de ser. Os outros esportes não podem, por outro lado, ficarem escondidos nessa desculpa para não buscarem o seu consumidor. Todo fã de esporte tem uma modalidade que acompanha religiosamente. A questão é quem comanda o esporte saber quem são essas pessoas e se preocupar em atrair novos consumidores.


O estádio virou o maior segregador do Brasil
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Erich Beting

Historicamente, um estádio de futebol é um dos locais mais democráticos do Brasil. País que tem nas praias e nos poucos parques os seus locais públicos de lazer, o Brasil encontrou, nos estádios, um local onde era possível unir diferentes classes sociais em torno de uma mesma causa. Nos últimos 30 anos, porém, os estádios brasileiros foram, aos poucos, tornando-se muito mais espaço de segregação do que união.

Desde que a polícia passou a pedir para separar torcedores em nome da ‘segurança’ nos estádios, passamos a vivenciar muito mais atos de selvageria do que quando a arquibancada era um local de convívio comum entre os diferentes. Logicamente que isso sempre gerava confusão, mas quase sempre o tumulto era causado por valentões/brigões que rapidamente eram contidos pela segurança local.

Na família é folclórica a história de Tio Nico, palestrino de menos de 1,60m de altura, que adorava ir no meio do grupo de corintianos no estádio e berrar “Palestra”, só para sair no tapa com os torcedores que se sentiam ofendidos. Ainda o Palmeiras se chamava Palestra Itália, e já haviam figuras toscas como o Tio Nico que viam graça na briga dentro do estádio.

O problema é que o tempo passou e a segregação foi ficando cada vez maior. Os brigões, cada vez mais organizados e unidos, passaram a representar uma ameaça para a paz. O espaço de convívio mútuo foi se transformando em local em que o mais forte prevalece. Opiniões contrárias, divergências e quetais foram, ao longo dos anos, sendo suprimidas em nome da força.

Chegamos, então, ao absurdo atual, em que o estádio é local pleno de segregação. Não há permissão para opiniões contrárias, para direito de torcer pelo outro sem risco à vida, para direito de expressar livremente a opinião.

O próprio episódio lamentável de racismo observado no Grêmio x Santos é uma prova disso. Hoje, no estádio, não há tolerância para o próximo. É regra, ali dentro, que você exclua o diferente. Os gritos de “macaco” proliferados por alguns e personificados em Patrícia Moreira da Silva revelam não apenas uma atitude preconceituosa daquela torcida ou daquela torcedora. É uma triste regra dentro de um estádio nos dias de hoje.

Do Oiapoque ao Chuí, somos intolerantes com o outro time, a outra torcida, o outro pensamento. Eles não são apenas adversários de um jogo. São inimigos bélicos. O mais engraçado é que crescemos ao lado de pessoas de todos os tipos, credos, cores, pensamentos e até times distintos de futebol! Convivemos pacificamente com elas. Dentro de um estádio, tudo isso é esquecido. Voltamos ao primitivismo.

Muito mais importante que crucificar um ou outro torcedor, punir um ou outro clube, é entender por que chegamos a tal ponto. A partir do momento em que saímos clamando por Justiça e punições sem parar e pensar nos motivos que levam ao erro, perdemos o sentido de Justiça.

O racismo no estádio é mais um dos sintomas de algo que se perdeu ao longo do tempo no futebol brasileiro. Estádio de futebol, hoje, é um elemento segregador de pessoas. Em vez de unir as pessoas, colocamo-nas em grupos. E, o que é pior, em selvagens e conflitantes grupos.

Enquanto pensamos e olhamos para os exemplos da Europa, esquecemos de procurar entender como o esporte é democrático nos Estados Unidos. Seja no preço cobrado para os ingressos, seja na busca por criar um espaço confortável e democrático de lazer. Enquanto não mudarmos esse pensamento básico, continuaremos a patinar em buscas de culpados, e não de soluções.

 


Palmeiras: de refém do centenário a refém de si próprio
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Erich Beting

“Não podemos ficar refém do centenário”. A frase foi quase um mantra de Paulo Nobre, presidente do Palmeiras, durante os primeiros meses de 2014. No ano em que festeja seus primeiros cem anos, o dirigente afirmava que não poderia nunca cometer loucuras para que o clube não entrasse num buraco ainda maior do que aquele no qual se meteu há algum tempo.

Realmente, Nobre não deixou o clube ser refém do centenário. Conseguiu uma proeza ainda maior. Fez do Palmeiras um refém de si próprio.

O Palmeiras que agora olha para a tabela e tenta se equilibrar na corda-bamba que o separa da Série B pela terceira vez na história está parado no tempo, perdido dentro de si mesmo, sem saber olhar para os lados, para a frente. Só olha para o próprio umbigo, ou para a própria pizza, ou para a história de campeão do século que ficou e que, possivelmente, não volta nunca mais ao futuro.

Nobre não quis cometer loucuras em sua gestão, o que era uma atitude louvável. Loucura, no olhar dele, era gastar o que não devia com contratações absurdas. Esse foi um mau que acometeu a gestão de Luiz Gonzaga Belluzzo, que quase levou o Palmeiras ao título nacional em 2009, mas que acabou destruindo as finanças do clube para mais uma boa década.

Mas Nobre caiu no erro de ficar tão preocupado com isso que não buscou alternativas. Começou errando ao permitir que Barcos, o único ídolo do time, fosse vendido para o Grêmio, numa transação para lá de estranha. Argumentou que não havia como pagar pelo atleta, mas gastou muito mais por menos de um ano de quatro jogadores e para contratar outro que não se compara ao argentino.

Ao perder o ídolo, Nobre perdeu também o ponto que unia a torcida ao time. Se a imagem de Barcos fosse bem trabalhada, ele seria capaz de ajudar a levar torcida ao estádio, vender camisas, deixar o torcedor feliz com o fato de ter um atleta que era desejado pelos outros clubes, mas que só vestia aquele uniforme.

Sem Barcos, o clube ficou refém da performance em campo para atrair o torcedor. Na primeira falha na Libertadores, a casa literalmente caiu, e o presidente rompeu veementemente com as torcidas organizadas, numa ruptura que ajudou, e muito, no sossego que os jogadores passariam a ter dali para a frente e numa certa independência para o trabalho dentro do clube, algo que é muito importante e que foi a chave do sucesso da mudança de patamar do futebol inglês nos anos 90. Não foi pensando nisso que Nobre agiu, mas poderia ter acertado mais uma vez se fizesse disso um ponto para a independência do clube em relação à torcida.

Com a Série B e o nível técnico mais baixo, o Palmeiras não teve dificuldades para subir. Em vez de preparar o terreno para voltar com força à elite, Nobre seguiu fiel ao mantra. Não saiu em busca de ideias para ter um centenário que ligasse o torcedor ao clube sem ser por conta apenas do passado. Foi melhor seguir sem “cometer loucuras”.

Veio o Paulistão, e a vaga nas semifinais deu um alento à torcida. Até ali, provava-se eficiente a política de gastos controlados utilizada pelo dirigente e idealizada por José Carlos Brunoro, que tal como o clube, havia sido brilhante no passado e evocava o espírito de profissionalização que precisa finalmente virar padrão no ambiente amador do futebol.

Mas a derrota para o Ituano voltou a colocar uma pá de cal na esperança alviverde. Sorte que logo depois começou o Brasileirão, e com ele a promessa de que era hora de voltar a brincar com os grandes em nível de igualdade. Gilson Kleina caiu (e a política de pés no chão fica onde nessa hora?), Gareca chegou, prometendo uma novidade dentro do paupérrimo futebol brasileiro. Até que o time não estava mal pré-argentino. Quem sabe seria possível sonhar com uma vaga na Libertadores, como presente do centenário.

Passou o mês da Copa. E, para não ficar refém do centenário, o Palmeiras desfez todo o time e moldou-o à luz do que pedia Ricardo Gareca. Contratou, contratou, contratou. Na lógica ilógica do dirigente, trocar técnico e jogador aos borbotões, desde que eles estejam dentro do plano financeiro do clube, é o mesmo que “não cometer loucuras”.

No fim das contas, Gareca já saiu, com um aproveitamento irrisório. A política de contrato por produtividade, que era mais uma das medidas inteligentes de Brunoro e Nobre, mostra-se inócua a partir do momento que não é todo grupo que faz parte dela. Pior. O seu jogador mais improdutivo é exatamente aquele que tem o melhor salário. E não perde dinheiro por conta disso.

Internamente, se o clube não expõe suas crises como sempre aconteceu. Mas externamente ele implode de forma cristalina.

Paulo Nobre ficou tão preocupado em não deixar o Palmeiras refém do centenário que tornou o clube refém dele mesmo. Dos erros do passado, das glórias do passado, do pensamento ultrapassado. Toda empresa, para não morrer, precisa de inovação. Preservar o que é tradicional, mas inovar na gestão. Se não houver capacidade de inovação, que pelo menos a empresa se adapte rapidamente ao que é novo. Saiba olhar a concorrência, o ambiente, se adapte a ele, mantenha clientes e conquiste novos.

Com o futebol, não é diferente. Mas Paulo Nobre ficou muito preocupado em não errar como os rivais do passado, que se perderam tentando conquistar feitos grandiosos justamente no ano do primeiro centenário. Erro dos outros, que não perceberam o básico. Torcedor vive de sentimento, e não de títulos. O orgulho da vitória ajuda, mas não é fundamental. O que mais afasta o torcedor de sua paixão é a frustração da derrota aliada ao sentimento de que está abandonado pelo seu grande amor.

Não dá para ganhar sempre, mas não se pode perder sempre.

Paulo Nobre tentou não fazer o Palmeiras refém da pressão pelo título no centenário. Acertou. Mas ao ficar tão preso nisso, não soube planejar o clube para viver do futuro.

O Palmeiras hoje é refém dos seus defeitos centenários. E parece que ainda não se deu conta disso.


Esporte como estilo de vida é saída para expansão de marcas
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Erich Beting

Quem não pode ir de Kevin Durant, contra-ataca com Gisele Bündchen. Essa é a primeira resposta dada pela Under Armour após não conseguir tirar da Nike o grande nome do mercado de basquete na atualidade. Na falta de um atleta de alta performance para ser um ícone da marca, cada vez mais as empresas de material esportivo têm utilizado celebridades como astros em propagandas. O acordo da Under Armour com Gisele Bündchen mostra exatamente isso.

O que leva a empresa a escolher uma celebridade em detrimento de um atleta é exatamente o fato de que é preciso ir além do esporte para a marca conseguir crescer. Não é mais apenas o esportista que representa uma marca. É possível, tranquilamente, que uma celebridade da moda, como é o caso de Bündchen, endosse e aumente as vendas de uma empresa que teoricamente só fabrica roupa para a prática de esportes.

A transformação do esporte em estilo de vida é o grande segredo do crescimento da Nike, da sobrevivência da Puma e do novo salto da Adidas. Agora é a vez de a Under Armour apostar nesse filão de mercado.

O estilo de vida é o grande objetivo das marcas esportivas nos dias de hoje. Ao investir nele, elas conseguem deixar de ser apenas empresas voltadas para um consumidor fanático pelo esporte. E, logicamente, ampliam o leque de faturamento consideravelmente. Sem Durant para ganhar o basquete, a Under Armour soube usar Bündchen para fazer sua marca chegar a um público maior.

A partir do momento que a marca consegue deixar de falar só com o esportista e passa a ganhar voz também entre o público que está além dele, obtém uma expansão que geralmente a coloca entre as grandes empresas do mundo em faturamento. Gisele Bündchen pode representar esse grande salto global da Under Armour.

Não por acaso, o uso da supermodelo na propaganda foi feito no dia em que volta ao cotidiano dos EUA a disputa da NFL, a liga de futebol americano, que tem em Tom Brady, marido de Gisele, um de seus principais jogadores. Brady, também não por acaso, é patrocinado pela Under Armour, inclusive tendo participação societária na empresa…


A resposta dada pelo beisebol ao racismo
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Erich Beting

Enquanto o Brasil começa a debater de forma mais profunda o racismo que se manifesta de forma mais contínua nos estádios de futebol, o beisebol americano encontrou um jeito interessante de encerrar a discussão sobre o tema. Desde 1997 que foi instituída a aposentadoria da camisa 42. De qualquer time que disputa a MLB, a liga local. O número foi usado por Jackie Robinson, atleta do Brooklyn Dodgers nos anos 40 e 50. Robinson foi o primeiro negro a vencer a barreira do preconceito e atuar pela MLB, esporte até então dominado pelos brancos.

Desde 2004, a liga foi além. E passou a adotar outra medida. Todo dia 15 de abril, todos os times vestem a camisa 42 nos jogos, para lembrar que todos são iguais. Em 15 de abril de 1947 Robinson estreou pelo Dodgers, passando a ser alvo de diversos tipos de preconceito durante as partidas da equipe.

Mas a atitude mais legal de todas talvez tenha partido do New York Mets. O time de Nova York, que foi fundado seis anos depois de Robinson parar de jogar, decidiu criar um memorial em homenagem ao atleta no Citi Field, seu novo estádio. Desde 2009, quando o local passou a funcionar, a Rotunda Jackie Robinson é um dos principais pontos de entrada para o Citi Field. Lá, um gigantesco número 42 está exposto, além de painéis gigantes com imagens do ex-atleta. Uma frase de Robinson também adorna o local, que serve como uma espécie de ponto de encontro até para ações de ativação de patrocinadores (veja algumas fotos aqui).

O local virou uma espécie de “santuário” do torcedor do beisebol para valorizar a cultura da igualdade e ensinar que todos somos iguais. Mais do que apenas punir ou apontar o dedo com os berros de “culpado” para quem cometeu um ato racista, é essencial que o futebol se una para ser exemplo e ensinar.

De nada adianta prender uma torcedora que foi preconceituosa. Isso não acaba com o racismo, apenas amedronta quem pensa dessa forma a não expor publicamente sua opinião para não ser preso. É preciso educar, mostrar que o legal é ser igual. Foi isso o que o beisebol fez para relembrar Jackie Robinson e todos os negros que conseguiram se inserir numa sociedade preconceituosa.

Punir é um caminho para criar responsabilidade às pessoas. Mas, muito mais importante do que isso, é educar.


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