Negócios do Esporte

O estádio virou o maior segregador do Brasil

Erich Beting

Historicamente, um estádio de futebol é um dos locais mais democráticos do Brasil. País que tem nas praias e nos poucos parques os seus locais públicos de lazer, o Brasil encontrou, nos estádios, um local onde era possível unir diferentes classes sociais em torno de uma mesma causa. Nos últimos 30 anos, porém, os estádios brasileiros foram, aos poucos, tornando-se muito mais espaço de segregação do que união.

Desde que a polícia passou a pedir para separar torcedores em nome da 'segurança' nos estádios, passamos a vivenciar muito mais atos de selvageria do que quando a arquibancada era um local de convívio comum entre os diferentes. Logicamente que isso sempre gerava confusão, mas quase sempre o tumulto era causado por valentões/brigões que rapidamente eram contidos pela segurança local.

Na família é folclórica a história de Tio Nico, palestrino de menos de 1,60m de altura, que adorava ir no meio do grupo de corintianos no estádio e berrar ''Palestra'', só para sair no tapa com os torcedores que se sentiam ofendidos. Ainda o Palmeiras se chamava Palestra Itália, e já haviam figuras toscas como o Tio Nico que viam graça na briga dentro do estádio.

O problema é que o tempo passou e a segregação foi ficando cada vez maior. Os brigões, cada vez mais organizados e unidos, passaram a representar uma ameaça para a paz. O espaço de convívio mútuo foi se transformando em local em que o mais forte prevalece. Opiniões contrárias, divergências e quetais foram, ao longo dos anos, sendo suprimidas em nome da força.

Chegamos, então, ao absurdo atual, em que o estádio é local pleno de segregação. Não há permissão para opiniões contrárias, para direito de torcer pelo outro sem risco à vida, para direito de expressar livremente a opinião.

O próprio episódio lamentável de racismo observado no Grêmio x Santos é uma prova disso. Hoje, no estádio, não há tolerância para o próximo. É regra, ali dentro, que você exclua o diferente. Os gritos de ''macaco'' proliferados por alguns e personificados em Patrícia Moreira da Silva revelam não apenas uma atitude preconceituosa daquela torcida ou daquela torcedora. É uma triste regra dentro de um estádio nos dias de hoje.

Do Oiapoque ao Chuí, somos intolerantes com o outro time, a outra torcida, o outro pensamento. Eles não são apenas adversários de um jogo. São inimigos bélicos. O mais engraçado é que crescemos ao lado de pessoas de todos os tipos, credos, cores, pensamentos e até times distintos de futebol! Convivemos pacificamente com elas. Dentro de um estádio, tudo isso é esquecido. Voltamos ao primitivismo.

Muito mais importante que crucificar um ou outro torcedor, punir um ou outro clube, é entender por que chegamos a tal ponto. A partir do momento em que saímos clamando por Justiça e punições sem parar e pensar nos motivos que levam ao erro, perdemos o sentido de Justiça.

O racismo no estádio é mais um dos sintomas de algo que se perdeu ao longo do tempo no futebol brasileiro. Estádio de futebol, hoje, é um elemento segregador de pessoas. Em vez de unir as pessoas, colocamo-nas em grupos. E, o que é pior, em selvagens e conflitantes grupos.

Enquanto pensamos e olhamos para os exemplos da Europa, esquecemos de procurar entender como o esporte é democrático nos Estados Unidos. Seja no preço cobrado para os ingressos, seja na busca por criar um espaço confortável e democrático de lazer. Enquanto não mudarmos esse pensamento básico, continuaremos a patinar em buscas de culpados, e não de soluções.