Negócios do Esporte

Bolt e o enorme risco do atletismo no mundo

Erich Beting

Eram mais ou menos 11h da manhã do domingo quando, ao dar uma olhada no Twitter pelo celular, deparei-me com uma enxurrada de comentários sobre a espetacular vitória de Usain Bolt no Mundial de Atletismo, em Pequim. Estava fora de casa, então as redes sociais foram a melhor maneira de acompanhar os 10 segundos mais emocionantes do atletismo e, talvez, do esporte.

A comoção das pessoas, muitas delas jornalistas, ao comentar a vitória de Bolt teria sido proporcional, se naquela época já existisse o compartilhamento de opiniões pela rede, ao que foi a vitória de Lance Armstrong na Volta da França após ter sido desenganado pelos médicos por um câncer no testículo.

Bolt é, hoje, o que Armstrong foi para o ciclismo no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000. O jamaicano é, hoje, a figura mais midiática de uma modalidade que sempre foi tradicional, mas que raramente caiu no gosto popular. Armstrong, ao vencer pela primeira vez o Tour de France, em 1999, ajudou o ciclismo a ganhar mídia.

Hoje, Bolt faz o mesmo com o atletismo. A diferença, claro, é que a história de superação é muito diferente. Bolt é um ídolo da pequenina Jamaica, que ele ajuda a projetar quando parte, imbatível e veloz como um raio, para terminar em primeiros os 100m e os 200m. Armstrong era o cara que superou um câncer para ser um campeão.

O problema é que, depois de Armstrong, o ciclismo começou a conviver com um incômodo histórico de casos de doping, que se tornaram em grande escândalo há três anos, quando ficou comprovado que o herói americano era de plástico, ao ter competido dopado, mesmo tendo negado que havia feito uso do doping.

Hoje, o atletismo vive uma onda de péssimas notícias. É um escândalo de doping atrás do outro, como nunca antes visto na modalidade e comparável apenas ao que aconteceu, na última década, mais ou menos, com o ciclismo. Mo Farah, o herói britânico em Londres-2012, está ainda limpo numa história que até agora envolve seu técnico, Alberto Salazar, acusado de dopar diversos atletas.

Bolt, até hoje, não passou por qualquer suspeita de doping. O jamaicano, ao contrário de quase todos os outros oponentes que tentam lhe fazer frente, sempre passou livre dos exames. Com um carisma monstruoso e performance igualmente fantástica, Usain Bolt é hoje o grande nome mundial do esporte. As pessoas querem vê-lo, tal qual mostrou a comoção pelo Twitter na final dos 100 m do atletismo.

Armstrong não conseguiu, nunca, ser do tamanho de Bolt. Mas foi importante para promover uma modalidade e torná-la mais conhecida do público. O conto de fadas do ciclismo virou pó com a mancha do doping e foi sepultado quando o mocinho se transformou no maior vilão.

No atletismo, esporte que é a base de todos os esportes, nunca foi tão difícil empunhar a bandeira do jogo limpo. Bolt é um dos poucos que consegue não apenas levantá-la, como inspirar milhões de pessoas a ser iguais a eles. E é esse, por incrível que pareça, o maior risco do atletismo nos dias de hoje.

Ele é tão dependente de Usain Bolt que, se qualquer escândalo manchar a imagem do grande divulgador da modalidade, ela estará fadada ao descrédito mundial. Bolt é a única lufada de boas novas para o atletismo. Mas isso é um enorme perigo para a modalidade.