Negócios do Esporte

Arquivo : outubro 2015

Grana começa a impor mudanças no esporte
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Erich Beting

Na última quarta-feira foi apresentado o “Pacto Pelo Esporte” num evento em São Paulo. Pela primeira vez, empresas concorrentes decidiram se unir para exigir, do esporte, melhores práticas de gestão. Basicamente as marcas decidiram dar um “basta” na maneira como o esporte é gerenciado no país e passaram a pedir melhores condutas para poderem gastar dinheiro numa estratégia de patrocínio.

Entre os principais patrocinadores do esporte brasileiro, faltaram na assinatura do documento Ambev, Caixa e Petrobras. Os outros grandes investidores estão lá, iniciando um movimento que, se vingar, tem tudo para ser um divisor de águas dentro do que conhecemos como esporte no país.

O curioso é ver como o esporte, no Brasil, não consegue mudar por pernas próprias. Tivemos diversas alterações no cenário do país e, via de regra, o modelo segue antiquado. Foi-se a onda dos megainvestidores do futebol nos anos 90 (Parmalat, Hicks Muse, Nations Bank, ISL, etc.), veio a era do fomento ao esporte olímpico com a Lei Piva, nos anos 2000, estamos agora no momento dos megaeventos.

Fontes de financiamento para o esporte no Brasil sempre existiram, mas o mau uso dessa enorme verba aportada é que causa problemas estruturais no país.

Só em incentivo fiscal o esporte arrecadou R$ 1,5 bilhão em 9 anos (média de R$ 160 mi ao ano). Nos recursos da loteria, são cerca de R$ 100 milhões anualmente. Em patrocínios, privado e estatal, os valores são ainda maiores.

Com a Olimpíada chegando, os investidores decidiram dar uma espécie de ultimato às entidades. Com a verba cada vez mais vigiada dentro das empresas, cada centavo empregado no esporte conta. Por isso, as marcas passaram a exigir mais de seus parceiros comerciais.

E isso passa, necessariamente, pela melhoria na gestão do esporte. A força da grana pode erguer um belo legado para o esporte no país. Resta saber se o interesse de médio/longo prazo será mais forte do que a resposta imediata que a empresa precisa dar para seus acionistas/donos.

No Pacto Pelo Esporte, as entidades terão dois anos para se adaptarem e cumprirem as exigências feitas pelas empresas de transparência, boa governança e, no fim das contas, resultados. Mas será que a marca, vencido este prazo, apertada pela concorrência, terá a frieza de apostar no Pacto em vez de uma boa ação de marketing que traga, mesmo com uma entidade não tão boa, resultado financeiro para a empresa no curto prazo?

Os patrocinadores nunca cobraram tanto do esporte melhor uso de seu dinheiro. Mas o esporte é cada vez mais eficiente para estratégias diferentes das marcas. A grana começa a impor mudanças no esporte. Resta saber se o interesse monetário não falará mais alto e teremos, pela terceira vez, mais uma boa oportunidade perdida na história recente da gestão no esporte brasileiro.


YouTube entra na briga pelos direitos de transmissão. E agora?
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Erich Beting

O Brasil começa hoje a entrar numa nova era no que diz respeito aos direitos de transmissão no futebol. O YouTube passará a transmitir a Copa del Rey, da Espanha, também para os lados de cá. A primeira partida que será exibida é a do Barcelona (detalhes aqui).

O negócio representa um ponto de virada importante na questão dos direitos de mídia esportivos. Repare bem que não dá mais para usar a expressão “direitos de TV”, uma vez que não temos, hoje, o mesmo cenário que havia há dez anos, quando as principais emissoras de televisão do mundo começavam a entrar em colisão com o YouTube.

Naquela época, a briga era pelo direito de exibir melhores momentos dos principais eventos esportivos praticamente de forma instantânea. Sabe aquele touchdown fantástico que só a Fox havia transmitido no Superbowl? Pois é. Dali a 10 ou 15 minutos alguém já tinha copiado o sinal de TV e subido o lance para todo mundo ver, em qualquer lugar, sem que os “direitos” fossem preservados.

Hoje, pensar que alguém queria ir contra o YouTube há dez anos parece um contrassenso. Não era. De fato, até aquela época, as imagens em tempo real de um evento eram restritas a quem havia pago, bem caro, por isso. Mas aí a banda de internet nas casas foi-se alargando, as emissoras perceberam que elas precisariam fornecer vídeos em seus sites e o negócio foi crescendo a tal ponto que o detentor do direito de mídia de um evento arranjou um jeito de conquistar o fã do esporte sem precisar se preocupar se o YouTube estava ou não violando suas propriedades exclusivas.

O YouTube, com isso, perdeu espaço. Até então, ele funcionava praticamente como a plataforma para tudo o que circunda o meio esportivo, à exceção do evento em si. Eles não transmitiam ao vivo, mas conseguiam mostrar todo o restante. É só ver o quanto conseguem de exposição os canais oficiais de clubes de futebol. Não é o esporte em si, mas a paixão pelo esporte que o YouTube compartilha e viraliza para todo o mundo.

O ponto, porém, é que o YouTube começa a se mostrar uma plataforma mais eficiente do que a própria TV. O site do Google tem toda a capacidade de criar algo que dispense ter ou não a operadora x ou y, estar ou não à frente de uma TV, etc.

O que o YouTube representa, no lugar do modelo tradicional de transmissão em vídeo pela TV, é a mesma possibilidade que as emissoras temiam em 2005. Ele ganha o mundo. Tanto que, quando a liga espanhola anunciou o acordo com a Mediapro para transmitir para 17 países via YouTube a Copa do Rei, a perspectiva é de que isso leve a competição para 2 bilhões de pessoas, no acumulado de toda a mídia, considerando também os acordos de TV.

No ano passado já foi possível acompanhar o título mundial de Gabriel Medina por lá. Agora, chegando ao futebol, a tendência é que o YouTube provoque um movimento praticamente irreversível na questão de vermos, via internet, jogos ao vivo. Sem precisar, para isso, apelar aos sites piratas…


Efeito cascata provocado pela Fifa vai mudar o futebol
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Erich Beting

O efeito é cascata. Começou lá no 27 de maio com a prisão dos dirigentes e vai se ramificando mundo adentro. O fato é que, depois que ficou provada uma parte do esquema de corrupção que assola o futebol desde que TV e empresas passaram a pagar alto para ter os principais eventos, começou uma grande investigação sobre os negócios da bola em todo o mundo.

O escândalo da vez é na Itália. Por lá, a procuradoria descobriu que as empresas de mídia vinham fazendo vários adiantamentos aos clubes para que eles pudessem terminar o ano com o balanço financeiro no azul e, assim, continuar a disputar a Série A no ano seguinte. Em troca, os clubes favoreciam as empresas que faziam os pagamentos na discussão sobre a renovação dos direitos de TV (detalhes aqui).

Isso, aliás, poderá abortar de vez o já amalucado projeto da Liga dos Campeões das Américas trazido por aqui pela agência MP&Silva, envolvida no escândalo de futebol na Itália.

modus operandi não é muito segredo, mas agora os italianos conseguiram descobrir quem paga, quem recebe e tudo mais. É, a grosso modo, o mesmo que aconteceu com J. Hawilla e Traffic no começo do ano. Sabia-se como era o negócio, mas ninguém conseguia comprovar. A partir do momento em que o fio do novelo de lã começou a ser desenrolado…

O interessante é observar que a crise de imagem que atravessa o futebol será, no fim das contas, benéfica para o negócio. Antes, a Fifa dava o exemplo, para o mau, de como gerenciar as coisas. Pouca transparência, bastante arrogância e nenhuma preocupação de fato com o desenvolvimento do futebol eram alguns dos princípios básicos que regiam a entidade máxima do futebol.

Se o topo da pirâmide era assim, porque seria diferente nos outros lugares?

Isso gerou um modelo de negócios amplamente favorável à corrupção. Dirigentes remunerados por debaixo dos panos, empresas pagando mais por direitos que teriam menor valor, adiantamentos de verba para cobrir rombos em troca de favores. O modelo do futebol é ditado pela força econômica. Quem paga mais, leva.

Agora, porém, o sistema sofre uma mudança. O escândalo deflagrado nos EUA mostrou para outros países que há muito dinheiro desviado e sonegado por debaixo de alguns negócios da bola. Isso tem feito com que o futebol, como nunca antes aconteceu, comece a ser alvo de investigações mais severas por parte dos países.

A Itália é só mais um exemplo de como isso tem acontecido com maior frequência. E, caso os italianos consigam mostrar que, além dos contratos de patrocínio, os direitos de TV ainda representam uma caixa preta no universo da bola, fatalmente a faxina começará a ficar mais severa.

Imagine então o dia que as transações de jogadores no futebol passarem a ser o alvo das investigações?

A Fifa abriu a porta para que o futebol inicie uma faxina sem precedentes na história do esporte. Invariavelmente, toda crise traz melhorias para o ambiente de negócios. Com o futebol, não será diferente.


Futuro do patrocínio é o fim da exclusividade
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Erich Beting

Principal consultoria de patrocínio no mundo, a americana IEG divulgou recentemente um estudo sobre o patrocínio das marcas de cerveja no mercado americano. O abrangente estudo envolve todos os tipos de plataformas passíveis de investimento, não apenas o esporte. Mas um detalhe nesse levantamento mostra que há uma tendência que começa a se consolidar nos EUA e que, por isso mesmo, deve virar regra num futuro um pouco distante ainda.

No esporte americano, na categoria de cervejas, começa a cair a exclusividade do patrocínio. Por se tratar de um bem de consumo das pessoas, as marcas têm começado a desistir de ter direitos únicos sobre uma propriedade para não ter de pagar, sozinha, uma conta que fica a cada dia mais pesada. Por outro lado, os clubes e eventos que abrem para mais marcas o patrocínio conseguem ampliar também o leque de produtos oferecidos a seus consumidores.

Pode-se concluir que, em breve, o mercado americano começará a colocar mais em prática o conceito de patrocínio não-exclusivo. Visto como erro no passado, ele tende a ser o caminho no futuro. É uma forma de dar mais opção para o cliente e, também, de deixar o custo do patrocínio menor.

Esse processo foi, de uma maneira um pouco diferente, o mesmo que aconteceu com os direitos de transmissão. É cada vez mais raro termos a exclusividade sobre uma determinada competição. No mercado americano, isso já é praticamente uma regra. Na Europa, está cada vez mais dividido e, por aqui, aos poucos, começa a ser assim.

Com o patrocínio, ainda dá para imaginar um cenário um tanto quanto longo até chegarmos a esse nível de maturidade e compreensão, tanto do esporte quanto das marcas, que é possível conviver lado a lado e, ao mesmo tempo, criar situações interessantes para o consumidor mesmo assim.

A profissionalização do esporte e o aumento do grau de exigência do fã tornam a conta de um evento esportivo muito mais alta a cada dia que passa. Se a solução, antes, era ter poucos patrocinadores pagando alto pela conta, esse modelo começa a ser cada vez mais difícil de ser implementado. É mais fácil dividir em diversas pequenas propriedades exclusivas o patrocínio e achar várias marcas, concorrentes ou não, para pagar a conta, do que tentar seguir com um modelo que funcionou nos últimos 30 a 40 anos, quando o esporte caminhava para a profissionalização que assistimos atualmente.

O futuro do patrocínio no esporte é deixar de ser exclusivo. Isso vai exigir, dos departamentos de marketing das marcas e das propriedades patrocinadas, muito mais criatividade para aproveitar bem o patrocínio.


Filial da Inter no Brasil é um recado ao futebol do país
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Erich Beting

A Internazionale vai abrir uma filial no Brasil (a notícia está aqui). Mas por que o clube italiano montaria uma estrutura para abrigar uma equipe de futebol por aqui se, até hoje, os times europeus descobriram um negócio muito mais simples, rentável e que gera um excelente retorno de marca para eles, que é a formação de escolinhas e acampamentos de férias?

Esse é o recado assustador que está embutido por trás do movimento feito pelos italianos.

Desde os anos 80, o Brasil era visto como um bom exportador de pé-de-obra para o mercado europeu. Sem conseguir ter o talento e capacidade de improviso dos brasileiros, os europeus buscavam aqui os jogadores que viriam a ser os maiores protagonistas do futebol mundial. Zico, Careca, Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká foram alguns desses jogadores que abriram mercado para os brazucas nas maiores potências do esporte.

De uns anos para cá, porém, o jogador brasileiro protagonista começou a rarear. Diversos potenciais craques se mostraram apostas furadas no Velho Continente. Adriano foi o que mais se aproximou do estrelato, mas já num futebol italiano em início de decadência. Pato talvez tenha sido o melhor exemplo de como supervalorizaram um ótimo jogador. Vários outros foram e não valeram o investimento. Ou, então, nem chegaram à terceira base, estacionando nos países periféricos do Leste Europeu ou em Portugal.

Oscar e William talvez sejam hoje os dois nomes mais reluzentes, além, é claro, de Neymar.

O problema é que, enquanto o futebol na Europa atingiu o máximo de profissionalização nas duas últimas décadas, por aqui continuamos estacionados num período um pouco melhor do que a realidade dos anos 80 e 90. Nossos dirigentes pensam e agem quase que da mesma forma. E isso contamina toda a cadeia.

As categorias de base não funcionam para montar times competitivos e com um sistema de jogo integrado ao profissional. Os empresários atravessam ou são coagidos a atravessar negócios para que o jogador movimente o máximo de dinheiro possível no menor intervalo de tempo existente.

Os treinadores também são pressionados a trazerem resultados desde os campeonatos sub-feto, o que cria atletas que não pensam em como jogar, mas apenas em como ganhar.

Tudo isso gerou um abismo.

O atleta, na Europa, faz parte de um sistema absolutamente profissional de relação. Ele é a principal peça de uma engrenagem complexa e quase sempre compreende a importância desse seu papel. Que o digam Cristiano Ronaldo e Messi, os dois melhores exemplos de como o atleta precisa ser, antes de tudo, uma empresa.

Geralmente, os clubes da Europa sempre olharam o Brasil como um mercado para explorar a paixão e idolatria que temos pelo futebol europeu e, de quebra, ficar de olho em talentos da bola para levar para fora. Enquanto isso, na África, nos Estados Unidos, na Ásia e no Oriente Médio, os planos eram outros. Franquias, redes de formação de talentos e até filiais de clubes são montadas para explorar não apenas o consumidor, mas formar o atleta.

Ao decidir criar um time de futebol no Brasil, a Inter mostra que não está satisfeita com a formação que estamos dando a nossos jogadores. A partir do momento em que o clube percebe que há uma falha na formação de jogadores do país, ele decide não apenas trabalhar com ações de marketing, mas garimpar, desde jovem, o talento brasileiro.

A Internazionale montar uma filial no Brasil não é meramente mostra de confiança no poder de consumo do brasileiro pelo futebol do clube, mas um recado de que, hoje, é mais interessante vir aqui implementar a metodologia de formação de atletas do clube do que ensinar isso a um bom jogador brasileiro no futuro…


Redução do futebol na TV pode ajudar os clubes
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Erich Beting

A análise parte de duas notícias do dia de hoje. A primeira, no UOL, de que a Globo estuda transmitir apenas uma partida por semana na TV aberta a partir de 2020 (aqui). A outra, na Máquina do Esporte, com a audiência cada vez mais crescente da Band na Liga dos Campeões da Europa (aqui).

Uma se relaciona à outra de formas distintas. E elas mostram que, ao contrário dos outros esportes, o futebol pode se beneficiar de uma menor exposição na TV para aumentar o consumo em seus diferentes níveis.

As maiores críticas dirigidas à Globo estão ligadas ao fato de ela “esconder” os outros esportes na TV, dando ênfase para o futebol na sua grade de programação. Hoje, na prática, a emissora dedica a manhã de domingo para todos os esportes, enquanto o futebol tem toda quarta e domingo espaço nobre na TV.

E, acredite ou não, isso faz mal para a promoção do esporte. Hoje há uma “overbola”. É muito futebol, às vezes de baixa atratividade, disponível para o telespectador. E, para piorar, desde que os contratos com a TV passaram a ser individuais, o privilégio de aparecer na TV aberta é concedido a poucos times, o que faz aumentar ainda mais a exposição constante das mesmas equipes, reduzindo também o interesse do consumidor.

Daí chegamos à questão do aumento de audiência na Band.

Até o ano passado, a Liga dos Campeões era transmitida no Brasil da seguinte forma: na terça-feira, os jogos estavam na ESPN e Sports+ pela TV paga e no Esporte Interativo pela parabólica. Na quarta, era dia de ESPN e Sports+ na TV paga e Band/Globo na TV aberta.

O alcance da competição era muito grande, considerando que a ESPN faz parte de todos os pacotes de programadoras e havia dois dias de transmissões em canais abertos.

Neste ano, com a migração para o Esporte Interativo, que ainda está em menos de 30% dos lares com TV paga do Brasil, a Liga dos Campeões perdeu muita exposição na TV. Se, antes, a grande variedade de canais permitia que o torneio fosse bastante consumido pelo torcedor, nos mais diferentes meios, ele agora concentra o consumo.

É isso o que tem impulsionado a audiência da Band a cada rodada. Ontem, mais alguns pontinhos foram ganhos pela emissora. Num jogo que envolvia um time midiático (o Real Madrid), mas que ao mesmo tempo ficou no 0 a 0, a Band conseguiu a melhor audiência para uma primeira fase de Liga dos Campeões, que ela transmite há quase dez anos.

Transpondo a situação para o futebol brasileiro, os clubes só têm a ganhar quando a Globo reduz a exposição da bola na TV aberta. Para dar ainda mais valor ao Campeonato Brasileiro, melhor seria se, em vez de exibir partidas por região (Flamengo para o Rio, Corinthians para São Paulo, Cruzeiro para Minas Gerais, Inter para Rio Grande do Sul, etc.), a emissora transmitisse apenas o jogo de maior interesse da rodada.

Isso ajudaria a aumentar o interesse do torcedor geral pelo campeonato e até ajudaria a promover mais outros produtos, como o pay-per-view, que naturalmente abraça o mais fanático, que busca acompanhar toda a competição.

Ao contrário dos outros esportes, que precisam da exposição na TV para crescer, no Brasil o futebol precisa da redução de exposição na TV aberta para aumentar o consumo. No fim das contas, poderá ser bom para os clubes essa mudança de estratégia da Globo para a transmissão de jogos. Resta saber como estará o cenário de televisão ficará até 2020.


Liga Sul-Minas já começa a perder negócio para a política
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Erich Beting

A declaração midiática de Alexandre Kalil anunciando o rompimento da Liga Sul-Minas com a “Casa do 7 a 1”, como divertidamente definiu a CBF, é o início do fim da liga como entidade que promete revolucionar o futebol brasileiro e criar um campeonato que seja realmente profissional e bem administrado.

Kalil está coberto de razão ao não ceder à pressão das federações estaduais, que preocupadas com o futuro de suas competições, foram à entidade-mãe pedir auxilio.

O erro da Sul-Minas é estratégico.

Acreditando na fragilidade do centro do poder da CBF, que talvez por conta da alta do dólar tenha desistido de fazer tantas viagens internacionais, os clubes decidiram partir para o ataque. Fizeram a Sul-Minas como um “protesto” contra o status quo, acreditando-se mais capazes de organizar um campeonato do que a CBF.

O problema é que os clubes perderam o timing para qualquer revolução quando abriram mão de exigir uma liga nacional na primeira reunião pós-27 de maio, a data em que o mundo encantado do futebol começou a ruir. Ali, quando aceitaram cadeiras num conselho de clubes e aumento do colégio eleitoral, eles deixaram de ter força para apenas comunicar à CBF que, a partir do ano que vem, deixariam a entidade preocupada só com a cotação do dólar e passariam a fazer eles mesmos as séries A, B, C e D do Nacional.

A Sul-Minas, já em seu discurso de “Primeira Liga”, tentou mostrar que estava ali para retomar esse projeto, num passo mais cadenciado. Isso colocou em alerta as federações, que ainda possuem maior força dentro da CBF. Como a preocupação com a cotação do dólar é maior do que qualquer outra coisa nos corredores da entidade, o tormento das federações traria outro problema à “Casa do 7 a 1”.

O não-reconhecimento da CBF para a competição é praticamente o início do fim da Sul-Minas. Quando anunciaram o torneio, os clubes disseram que, com cinco datas, gastariam cerca de R$ 1,3 milhão para fazer o campeonato. Nesse cenário estão apenas custos de deslocamento e taxas de arbitragem.

Numa hipótese de fazer o torneio nas mesmas 19 datas dos Estaduais, a conta começa a ficar mais salgada do que parece… Além disso, os clubes terão de encontrar árbitros dispostos a peitar a CBF e trabalharem numa liga “clandestina” e precisarão buscar um acordo de TV de quem não tenha, de certo modo, negócios com a CBF. Nesse cenário, precisarão achar, com menor exposição na TV, patrocinadores que queiram assumir o risco de bancar a competição.

Em 2005, um movimento parecido foi feito pelo basquete. A Nossa Liga de Basquetebol (NLB) surgiu com esse intuito de romper com os desmandos da CBB. O torneio aconteceu à parte do Nacional. Durou três anos até que, em 2008, chegou-se a um acordo político para que se fundasse o Novo Basquete Brasil (NBB), campeonato que conta com a chancela da CBB e que, sete anos depois, passou a ter a NBA como parceiro comercial estratégico.

O intuito da Sul-Minas era, no futuro, se transformar num torneio nacional, abrangendo as principais divisões do país. O problema dela, na partida, é conseguir fazer com que o negócio se sobreponha à briga política.

Após o “Casa do 7 a 1”, o cenário parece nebuloso nesse sentido. Se, como negócio, já era difícil sustentar a Sul-Minas em meio a um calendário já inchado, sem apoio político para ela acontecer é ainda mais complexo…


Por que a NBA quer fazer uma liga júnior no Brasil?
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Erich Beting

A NBA vai investir dinheiro nos próximos meses para desenvolver uma liga de basquete júnior (detalhes aqui). Mas por que a NBA vai se preocupar com isso? Ela não é a liga de basquete mais poderosa do mundo? Ela precisa mesmo se preocupar com o Brasil?

O pensamento da NBA é justamente o contrário. Por ser a liga de basquete mais poderosa do mundo, ela precisa se preocupar com a forma como o jogo se desenvolve em todo o mundo. A preocupação é exatamente para garantir que o esporte cresça e tenha na NBA o modelo a ser seguido.

Isso é uma atitude de líder do mercado. Para que a NBA amplie a base de consumidores, é preciso promover ao máximo o basquete pelo mundo. Durante décadas, essa era uma preocupação que não envolvia o esporte. Ficava, a grosso modo, cada um no seu quadrado, em seu país, no máximo em um ou outro país vizinho.

Curiosamente, as ligas americanas tiveram de aprender com esportes como o futebol e o tênis, que viram na popularização além-fronteiras a sua principal plataforma de crescimento. Só que foi apenas nos anos 90, com a mesma NBA, que os americanos perceberam que havia um bom potencial de consumo fora de seu território.

Se a exportação do basquete via Michael Jordan nos anos 90 foi um marco, o que a NBA faz agora ganha um novo patamar. O basquete não tem o mesmo nível de desenvolvimento pelo mundo. Por meio de seu canal por assinatura online, a NBA tem a capacidade de mapear quais países têm mais interesse pelo jogo. E, assim, a liga pode projetar um plano de expansão que envolva as diferentes praças.

O Brasil vinha no radar da liga há alguns anos, mas só agora passou a ocupar espaço de protagonista, como já foi no passado com a China. O basquete no Brasil precisa crescer para que a NBA siga na cabeça dos torcedores daqui.

Os passos que a liga deu pelas bandas de cá nos últimos anos indicam isso. Primeiro foram oferecidos melhores serviços para o torcedor, como o site oficial em português. Depois, houve uma aproximação por meio de torneios menores, promovidos pela liga, com a presença de alguns ídolos do passado e do presente. Nos últimos três anos, o Brasil foi inserido no NBA Global Games, os jogos de pré-temporada da liga. Em 2014, acordos de TV ampliaram o alcance do basquete para mais canais.

Neste ano, dois movimentos importantes foram feitos. O primeiro foi a oficialização do acordo de parceria com a Liga Nacional de Basquete, oferecendo expertise comercial e de promoção para o Novo Basquete Brasil. E, agora, o projeto é ajudar a desenvolver o basquete de base, uma das maiores carências do esporte.

A NBA precisa do mercado brasileiro. E só vai ter mercado por aqui se colocar mais gente para jogar basquete. A lógica é simples, mas precisa sempre de estudo e preparo para que seja desenvolvida de maneira correta.

Enquanto isso, no plano olímpico, o Comitê Olímpico do Brasil se preocupa em alcançar o maior número de medalhas na história em 2016, sem ter a visão de que é preciso, primeiro, buscar o aumento da prática de esporte pelo país para, da quantidade, encontrar a qualidade do atleta vencedor…


Os dois lados do acordo Santos e Kappa
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Erich Beting

Foram quase oito meses de negociação. Desde o início do ano, quando a SPR montou a estratégia para a volta da marca Kappa com força ao Brasil, que existe uma negociação com o Santos para que a empresa seja a nova fornecedora de material esportivo do clube, num modelo de negócios que pode vir a transformar o mercado no país.

A assinatura do contrato, ontem pela manhã, representa uma nova realidade dentro do ambiente de negócios dos contratos para fornecimento de material esportivo no futebol.

Até hoje, geralmente o modelo foi ditado pelas grandes marcas e pelos grandes clubes. A lógica é a seguinte. Uma marca paga um valor fixo para ter o direito de colocar seu logotipo na camisa para o clube. Além disso, ela é quem fica responsável por produzir e distribuir a camisa. Conforme forem acontecendo as vendas, a marca repassa um valor para o clube relativo ao sucesso do negócio.

O risco, num negócio desses, é quase que integralmente da marca esportiva. Se o clube não tiver boas vendas, ela simplesmente perde dinheiro com ele. O valor investido no negócio só compensa pela exposição que a marca consegue.

Por essa razão, esse é um modelo que atende bem os grandes clubes, que tem uma boa capacidade de vendas, e as grandes marcas, que tem mais fôlego para investir. É o que consagra times como Corinthians, Flamengo e Palmeiras, que conseguem vender entre 500 e 800 mil camisas por ano, mas que derruba outras marcas, que investem pesado sem ter o mesmo retorno em comercialização de peças, tornando o negócio deficitário na maioria das vezes.

Nos últimos anos, porém, o mercado inchou. Os valores pagos aos clubes tornaram-se maiores do que a capacidade deles em gerar vendas. Foi o que provocou grande mudança no cenário de um tempos para cá.

Os clubes basicamente passaram a comprar da empresa o material para jogo. Em troca, passaram a ter um percentual maior sobre as vendas realizadas. Isso gera um risco muito maior para o clube, que passa a depender do parceiro comercial para obter sucesso nas vendas.

O negócio entre Santos e Kappa pretende ser uma evolução dessas duas situações de mercado. E, se for bem realizado, poderá ser um grande divisor de águas no modelo praticado até hoje no mercado brasileiro.

No modelo fechado nesta quinta-feira, o Santos é o “dono” do negócio. É o clube quem, literalmente, detém todo o processo de fabricação, utilização e venda de camisa. Em tese, o Santos é quem negocia compra de tecido, fábrica que irá confeccionar as peças e, posteriormente, a negociação com as lojas para colocar o material no ponto de venda.

Como o Santos é um clube de futebol, não uma marca produtora de uniformes, a SPR Confecções, que é quem detém a licença de uso da Kappa no Brasil, auxilia o clube em todo esse processo. O ponto-chave disso é a palavra “auxilia”. Antes, o clube entregava toda essa gestão para o fornecedor. Agora, o Santos atua lado a lado da empresa nisso.

A receita será integralmente do Santos, assim como as despesas de produção do material. A SPR/Kappa, como intermediação do negócio, terá sua remuneração. A empresa, porém, investirá R$ 1,5 milhão ao ano para promover os lançamentos de camisa, aumentar vendas, etc.

E é isso o que pode vir a mudar muito a cara do mercado. Com um contrato de três anos, o Santos terá de profissionalizar o departamento que ficará responsável pela gestão desse negócio. Não dá mais para, a cada troca de presidência, mudarem as pessoas que gerenciam a produção e distribuição de material esportivo.

Da mesma forma, se o processo for bem implementado, com o clube entendendo melhor toda a cadeia que envolve planejamento, produção e venda de camisas, rapidamente os demais clubes e marcas vão querer alterar o modelo que vigora, seja ele o que gera maior risco para um ou para outro.

Esse é o copo meio cheio de toda a história.

O meio vazio é o que pode levar a um grande fracasso a iniciativa. O Santos ir mal dentro de campo, as peças encalharem nas lojas (o que pode ser agravado em tempos de crise e grana curta) e o resultado financeiro ser desastroso. Isso faria com que o mercado rejeitasse o novo modelo e tudo permanecesse como está, com apenas quem tem alta performance em vendas recebendo dinheiro, ou com os demais trocando de fornecedor a cada ano num negócio que geralmente faz com que o torcedor seja prejudicado, já que não encontra a camisa do time à venda em lojas.

O negócio é inédito e precisa de muito profissionalismo para prosperar. Não por acaso, clube e empresa levaram quase um ano para fechar o acordo. Mas a disposição em fazer esse negócio já é um passo inovador dentro do mercado. Resta saber se o mercado já está maduro o suficiente para assimilar essa inovação.

Para entender um pouco mais:
Com modelos distintos, Santos e Palmeiras fecham fornecedores de uniforme


A oportunidade única que o São Paulo tem de retomar a fama
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Erich Beting

O São Paulo tem pela frente uma oportunidade única.

O clube, que nos anos 80 construiu a fama de ser o mais organizado do país, considerado exemplo de gestão e sinônimo de conquistas, caiu na vala comum do futebol engolido pelo meio corrupto. Longe de achar que o Tricolor viveu alheio a desvios e desmandos tão típicos dos maus tratos que o universo da bola tem sofrido desde que começamos a envolver dinheiro na brincadeira entre amigos.

Mas, se havia uma coisa que o São Paulo sabia fazer melhor do que qualquer outro clube no país, era colocar sempre os interesses da instituição à frente dos desejos pessoais de dirigentes. Foi esse diferencial político que o clube perdeu na última década e que o arrastou para o patamar onde está o sarrafo de competência gerencial do futebol nacional.

Agora, porém, a oportunidade bate à porta. O São Paulo tem dois caminhos a escolher. Faz, como aparentemente parece ser a solução no Congresso Nacional. Com receio do poder de quem está acuado, ignora o passado sujo, passa a borracha e tenta seguir adiante.

Não investigar as denúncias que pesam sobre Carlos Miguel Aidar é agir completamente contra o que mais tem se apregoado no mundo. Ainda mais tendo o exemplo da Fifa para seguir, o São Paulo pode dar o primeiro passo e ser de novo um vanguardista, não só abrindo as suas contas publicamente como colocando o dedo na ferida e mostrando que, no clube, a transparência é o que norteia seus princípios.

O grupo que vier a assumir o poder no São Paulo não tem qualquer comprometimento com os desmandos de antes. Isso lhe dá a oportunidade de tomar uma atitude inédita no futebol, mas que naturalmente virá a ser regra, que é a de escancarar as contas, mostrar onde estão os abusos e tornar, a partir de agora, completamente transparente os negócios envolvendo, pelo menos, o futebol do São Paulo.

Nunca um clube ousou ter a transparência como princípio ético de atuação. Revelar os termos de contratos com atletas, as condições de contratações, quem são os intermediários de negócios e em quais condições eles atuam seria uma atitude que só uma instituição sem medo de ser honesta poderia tomar.

Pelo bem do futuro da indústria, o futebol precisa mudar radicalmente sua gestão. O São Paulo tem a chance de ser o primeiro a fazer isso. O quanto isso impacta nos negócios do clube no médio e longo prazo? Com certeza num primeiro instante o São Paulo sofreria, especialmente na questão de contratação de jogadores. Mas, em cinco anos, no máximo, o clube estaria muito à frente da concorrência.

A Fifa deve, na semana que vem, anunciar uma série de mudanças na conduta da entidade. E, com certeza, ela passará a exigir isso do universo do futebol. Assim como a Lei Bosman, de 1995, foi acabar com a figura do passe cinco anos depois no futebol brasileiro, as novas regras de gestão da Fifa deverão impactar no médio prazo todo o universo do futebol.

O São Paulo tem uma chance única de ser mais adiantado até de quem comanda o futebol no mundo.