Negócios do Esporte

As marcas no doping de Sharapova

Erich Beting

O texto era para ter sido escrito na segunda, não deu. Na terça já tinha novidade. E hoje, talvez com a poeira um pouco mais baixa, seja mais interessante tentar fazer uma avaliação do turbilhão de informações que tem sido o anúncio do doping de Maria Sharapova.

Vamos por partes.

A primeira, e mais importante, é tentar entender o impacto dessa informação. Sharapova é o grande nome do tênis feminino há quase 15 anos.

Os mais velhos devem se lembrar de Anna Kournikova. Foi a primeira grande musa global do tênis e talvez a atleta que até aquela ocasião mais faturou com publicidade. No final dos anos 90 e começo dos 2000, ela era o rosto do tênis feminino. Bonita, atraía a atenção dos fãs, da mídia e, por consequência, das marcas. Só faltava uma coisa para ela. Performance. Todos os dólares que caíam na conta de Anna pelo patrocínio teimavam em não cair por premiação de títulos. Ela simplesmente não ganhava nada.

Aí vem 2004. Tão bela quanto Anna. Tão midiática quanto Anna. Mas vitoriosa. Sharapova é campeã em Wimbledon e se torna, naturalmente, a versão aperfeiçoada de Kournikova. E, na última década, só deu ela. Não sempre pela performance, mas como uma das melhores dentro de quadra e, sem qualquer concorrência, a melhor fora delas.

Por isso, o doping de Sharapova é uma notícia que traz um grande impacto no mundo do tênis. Ela era o grande rosto do esporte na última década. Ajudou a promover a globalização do esporte, foi figura fundamental para popularizar as competições femininas, que sempre ficaram à margem das masculinas. Ela é capaz até de lançar uma linha de doces com seu nome, levando a imagem do tênis a todo tipo de público.

Aí vem a segunda parte.

O tratamento dado pela ITF na comunicação do doping foi muito mais cauteloso do que em outras situações. Afinal, Sharapova foi quem anunciou primeiro o caso, algo que é raríssimo de acontecer. Só depois a federação entrou na jogada, e mesmo assim ainda sem condenar de forma mais dura uma das maiores do esporte. A suspensão ainda será analisada pela entidade, que parece querer entender o que está acontecendo também.

E aí entramos no terceiro capítulo dessa história. Qual a reação dos patrocinadores?

Por contrato, a maioria deles tem o direito de romper o acordo. Foi o que Tag Heuer e Porsche fizeram. Num mundo em que os exemplos de pureza e jogo limpo são cada vez mais importantes, é natural que as marcas tirem o time de campo quando um patrocinado não representa mais esses valores. Já a Nike suspendeu o contrato. Não quer perder o poderoso ativo que tem em mãos, mas também não pode compactuar com uma trapaça.

E aí é onde se vê um batalhão de comentários divergentes sobre o tema.

Por que as marcas abandonam os patrocinados no seu momento de dificuldade? Isso é jogar limpo com eles? Ou é ser meramente oportunista? É bom para o marketing da empresa fazer isso?

Os casos de doping no esporte serão sempre controversos. Na letra fria de um contrato, a marca tem direito a romper qualquer vínculo com quem é flagrado num exame. Mas não pode existir uma regra única que dite o comportamento a ser tomado pela empresa nessas horas.

Sharapova pode apenas ter errado, como foi a sua argumentação no minucioso pronunciamento que deu ao anunciar o doping. Ela não negou o fato, mas deu uma versão completamente aceitável do que aconteceu. Logicamente que devemos questionar se a principal atleta do tênis na atualidade, carregando US$ 23 milhões em publicidade ao ano, seria amadora o suficiente para não ler a lista de substâncias proibidas divulgada em janeiro.

Para manter-se no mesmo esporte, quem leu a biografia de Guga deve ter se divertido no episódio em que ele conta que, de tão distraído, perdeu a carteira com dinheiro e documentos antes de uma temporada na Austrália e quase não tinha como jogar o torneio.

O atleta é, antes de tudo, um ser humano. E está sujeito a erros que nos parecem primários, mas que fazem parte. Ainda mais dentro de uma rotina de extrema concentração na bolinha como é o tênis.

Partindo desse princípio, um patrocinador pode ter se precipitado ao já condenar Sharapova assim que o doping foi revelado. Romper o contrato com ela por um erro cometido que resultou no doping tem a mesma lógica perversa de só patrocinar quem é campeão. É não aceitar o erro. É praticamente ser um amigo só para os bons momentos.

Mas (e sempre tem um) e se Sharapova for realmente culpada? Se essa história de que foi um erro não se provar verdadeira? Aí ela terá duplamente errado. E a saída inicial das marcas mostra que elas souberam tomar o rumo. Mas esse mas ainda é suposição, o caso ainda precisa se desenrolar.

Pela importância que Sharapova tem para o esporte, não é possível condená-la imediatamente. É preciso tomar muito cuidado para entender o que aconteceu e, então, julgar o que for necessário.

Um caso de doping deixa várias marcas. E as marcas precisam saber lidar com isso. Assim como fez a ITF, que suspendeu temporariamente Sharapova para ir mais a fundo na investigação do caso e, então, publicar um veredicto, as marcas poderiam tomar uma atitude semelhante. Seria mais prudente, mais humano e, principalmente, mostraria que a relação de patrocínio não é algo meramente comercial.