Negócios do Esporte

Atletas olímpicos não estão na Grécia Antiga

Erich Beting

A polêmica do dia foi provocada mais uma vez via redes sociais. Raquel Endres, mulher de Gustavo Endres, jogador multicampeão pela seleção masculina de vôlei, fez um desabafo sobre o fato de que teve de comprar a tocha olímpica para Gustavo ter de relíquia após ter conduzido o artefato na passagem dele pelo Rio Grande do Sul, seu estado natal.

O desabafo de Raquel, publicado por Gustavo em seus perfis, tem sua lógica. O cara é um baita campeão, representou o Brasil e não teve o direito de receber o presente após a condução da tocha?

Na Grécia Antiga, quando surgiu o conceito das Olimpíadas, o grego que era um campeão olímpico era venerado por ser um semideus. Numa cultura que valorizava o físico, ser o melhor entre os atletas era um feito comparável ao de um deus grego.

Quando recriamos o conceito das Olimpíadas nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, reutilizamos aqueles conceitos de semideuses para valorizar a competição e ajudar a promovê-la. Só que isso criou uma cultura completamente equivocada, entre os atletas, de que chegar a uma Olimpíada é colocá-lo num patamar diferente em relação aos demais ''mortais''.

Mas o que diferencia Gustavo de Carlito Lima, um agricultor de Cratéus, interior do Ceará, que foi escolhido também para conduzir a tocha? Ou de Cardozinho, folclórico corredor de Juazeiro, na Bahia, que também foi indicado pela prefeitura de sua cidade pelo trabalho que ele faz e que ajuda a promover a prática de esporte? Assim como Gustavo, Carlito e Cardozinho não tiveram o prazer de ganhar a tocha de presente após ter conduzido-a pelas ruas de sua terra. Os governos de suas cidades não poderiam dispender dinheiro para fazer um mimo ao condutor. Eles têm lugares mais importantes para gastar sua verba.

Em diversas ocasiões, ex-atletas reclamaram que não foram chamados para conduzir a tocha, como se fosse obrigação que o momento fosse restrito a eles. O grande negócio do revezamento é que ele transforma os Jogos Olímpicos não num evento exclusivo de semideuses, mas em algo democrático, palpável e aberto a todos. Seja um produtor de mel, um corredor amador ou um campeão olímpico.

Os atletas olímpicos ainda acham que estão na Grécia Antiga e que, por isso, são semideuses com mais direitos do que os demais. Em vez de reclamar, deveriam aproveitar as histórias de condução da tocha olímpica para entender que o mundo é feito de todo tipo de gente, e que cada uma dela, a seu modo, tem algum feito que é valioso para uma outra pessoa.