Negócios do Esporte

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Ligas de todo o Brasil, uni-vos!
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Erich Beting

A notícia não poderia ser melhor para o mercado esportivo nacional. As principais ligas esportivas, à exceção do futebol, decidiram sentar numa mesma mesa e começaram a planejar como fazer para que elas deixem de se canibalizar e passem a, racionalmente, dividir calendário, despesas e gerar receitas em conjunto (detalhes aqui).

Enxergar a existência das ligas como negócio é fundamental para que elas possam crescer. Diferentemente do mercado americano, em que há uma concorrência maior entre os diferentes esportes, por aqui o esquema é outro. Como o futebol é tão forte e concentra tanta verba, um plano tático conjunto de basquete, futsal, handebol e vôlei pode ser extremamente eficiente para que essas modalidades cresçam.

O mercado brasileiro é extremamente peculiar no que diz respeito à indústria do esporte. Ainda temos pouca capacidade geração de riqueza. Não há ligas nacionais fortes e constituídas. Da mesma forma, temos baixa exposição na mídia e menor aderência de público para os esportes além do futebol.

Tudo isso leva a um cenário que, durante décadas, foi deteriorado por vaidade de dirigentes que queriam se autoproclamar o primeiro esporte do país, já que o futebol é religião. E aí o que vimos foi, aos poucos, o vôlei matando o basquete, que matou o handebol, que matou o futsal, que matou o vôlei, que matou…

Os esportes passaram a, de forma agressiva, tentar ganhar uma fatia de mercado em detrimento da outra modalidade. Se havia uma marca no vôlei, o basquete ia atrás para ter uma proposta dela. O calendário, muitas vezes, encavalava as decisões de um esporte com a do outro. E o resultado, claro, era a deterioração de ambos como produto. Não só para a TV, mas para torcida, atletas, dirigentes e, claro, patrocinadores.

É um alento saber que as quatro modalidades coletivas com maior potencial de geração de receita no país decidiram se unir para conversar. Não precisa nem sair negócio. Mas o fato de já debaterem alguns temas de interesse mútuo sinaliza claramente que há caminho para todos.

O futebol andou para trás no Brasil quando perdeu a capacidade de enxergar nos clubes um ponto de união, e não de concorrência. As ligas, ao entenderem isso, começam a dar um primeiro passo para conseguirem se tornar modalidades sustentáveis (e atrativas) para todos os atores da indústria do esporte.

A união das ligas talvez seja uma das melhores notícias do esporte brasileiro dos últimos tempos.


Que Brasil queremos ser?
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Erich Beting

O final de semana prometia. As atuais campeãs e vice-campeãs mundiais estariam em Brasília para a disputa de um torneio amistoso de handebol. Desde o Mundial de 2011, esse talvez tenha sido o maior evento de handebol no país.

O Quatro Nações reuniu Brasil (campeão de 2013), Sérvia (vice), Argentina (campeã do Pan-Americano) e Eslovênia. O evento é um exemplo de como os gestores esportivos no país têm sido mais ambiciosos nos últimos anos. Não só eles têm se arriscado a realizar eventos maiores e mais atrativos para o público, mas têm feito algo com alto nível técnico, como prometia ser o último evento pré-Mundial da Dinamarca.

O esforço da confederação em trazer os países para jogar tinha sua compensação. Transmissão ao vivo pelo Sportv dos duelos, presença de público assegurada e, ainda, ações de ativação dos patrocinadores da CBHb, que conseguiam, assim, pegar carona pré-Mundial. O roteiro foi bem desenhado a ponto de o time brasileiro se encontrar com Dilma Rousseff durante a semana, entregar uma camisa para a presidente e ainda anunciar dois anos de renovação do patrocínio com os Correios.

Apesar de ainda depender de verba estatal, o handebol passou um recado de seriedade, de preocupação com o público, com os patrocinadores e com os atletas, que teriam a chance de estar “em casa” pré-Mundial, junto da família e num momento de celebração.

Mas…

Choveu em Brasília, e o ginásio Nilson Nelson, palco dos jogos, ficou encharcado. Sim, um ginásio que há sete anos recebeu R$ 15 milhões para reforma. Mas que, sem manutenção, tinha algumas goteiras que molharam a quadra. O jogo de abertura do Quatro Nações, na sexta-feira à noite, foi adiado para o dia seguinte, com o público recebendo o pedido de desculpas feito pelas jogadoras, ali na quadra.

Ou seja, as atletas tiveram de assumir a bronca pela falha grotesca no ginásio pago com dinheiro do torcedor e, com selfies, autógrafos e afagos, acalmaram os ânimos de torcedores mais exaltados (o ingresso para o jogo era 1kg de alimento não-perecível).

No sábado, novamente com as jogadoras em quadra, as goteiras foram contidas, mas a umidade no ginásio era tanta que, para manter a segurança das atletas, decidiu-se paralisar o Brasil x Eslovênia com 19 minutos jogados. Os jogos foram transferidos para um ginásio fechado e sem condições de abrigar câmeras para a transmissão pela TV.

No final das contas, o Quatro Nações, que tinha tudo para ser o torneio de promoção do handebol brasileiro, se transformou num amistoso fechado para as seleções, sem presença de público, sem transmissão da TV.

O descaso com o ginásio Nilson Nelson não é novidade. Em 2011, um Mundial de patinação foi suspenso pelo mesmo problema. Naquela época, eram só três anos que haviam se passado desde a reforma de 2008, feita para o Mundial de futsal realizado na cidade.

O ponto, porém, é que o problema não é só no Distrito Federal. Hoje, há menos de cinco ginásios em condições de receber eventos esportivos de alto nível no país. E, na lista, quase sempre ficam como opções Maracanãzinho, HSBC Arena e Ibirapuera, todos no concorrido eixo Rio-São Paulo de eventos.

O Brasil é capaz de pensar grande e realizar grandes feitos, como a realização de um torneio amistoso que envolve campeão e vice-mundial de uma modalidade. Mas o Brasil também é capaz de, por descaso, permitir que esse evento acabe simplesmente porque existem goteiras (!!!!) no principal ginásio da capital federal.

Qual o Brasil que queremos ser?

Aquele capaz de grandes feitos ou o Brasil de pequenos defeitos que insistem em nos colocar para baixo?


O ouro europeu do Brasil no handebol. Alguma novidade?
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Erich Beting

A inédita conquista do ouro pela seleção feminina de handebol no Brasil é europeia. Não há mal algum em constatar o fato e, mais do que isso, não há qualquer problema em aprender com ele. O Brasil é o país campeão do mundo num esporte que sempre foi dominado pelos países nórdicos e/ou anglo-saxões. E o mérito disso é o fato de que o país foi para o exterior para conseguir virar essa potência mundial.

“A verdade é que ainda dependemos de atletas, como essas meninas, que vão para o exterior evoluir. Ainda estamos dez anos atrasados em relação à Europa”.

A frase é de Morten Soubak, o treinador do selecionado brasileiro. Dinamarquês que veio para um ano de estágio no Brasil, há quase 15 anos. Foi auxiliar no Clube Pinheiros, treinou times de faculdade, gostou do país e decidiu ficar. Com a seriedade de um dinamarquês, mas adaptado ao estilo brasileiro, ele conseguiu levar o país ao inimaginável. Agora, traz apenas o panorama real.

Para ser o melhor do mundo no handebol entre as mulheres, o Brasil precisou de um trabalho de planejamento. Levou atletas para o exterior, onde competem em alto nível, procurou participar ao máximo de competições e, também foi importante, há dois anos o país recebeu o Mundial da modalidade. Em casa, mesmo que para pouca torcida, as meninas já haviam chegado até o quinto lugar. A experiência serviu para em Londres, nos Jogos Olímpicos, o time evoluir mais um pouco. E, agora, o resultado máximo apareceu.

Só que a frase de Soubak sobre a conquista é a que mais deve ser levada em conta se o país quiser ser também do handebol, como é do voleibol e do judô e que já foi do futebol e do basquetebol. Sim, é isso mesmo. Só somos o país do vôlei e do judô. Nas outras modalidades, hoje, estamos atrasados em relação ao jogo que é jogado lá fora.

O alerta de Soubak é também o alerta para o futebol, para o basquete, para o handebol, para a peteca, a bola de gude e o que mais quisermos pensar em termos de competição. À exceção do vôlei e do judô, em que as confederações montaram um sistema de aperfeiçoamento técnico que nos equiparou aos melhores do mundo, não há uma gestão que pense estrategicamente no desenvolvimento dos atletas.

Talvez o rúgbi em cerca de dez anos consiga isso, mas o abismo que hoje separa o Brasil das demais nações ainda é muito grande.

Nos demais esportes, e o futebol está incluído nessa conta, o Brasil precisa ir para fora para começar a extrair bons resultados. Nossas ligas estão enfraquecidas, nossa capacidade técnica de formação de talentos parou no tempo, nossa condição para treinamento e desenvolvimento de atletas é precária.

Teoricamente as confederações, no Brasil, têm tanto ou mais dinheiro que as principais entidades do mundo todo. O problema é muito mais de conseguir elevar o padrão do esporte como um todo. O ouro do handebol evidencia isso. Um grupo de atletas que abdicou de morar em seu país para poder ter rendimento e levar o Brasil ao topo. É a prova de que talento existe, mas ele precisa de muita lapidação para poder chegar ao melhor.

O futebol no Brasil vive, hoje, o mesmo problema do handebol ou do basquete. Não temos mais um campeonato forte, que faça com que nossos atletas atinjam níveis altos de competitividade. Para evoluir, é preciso expatriar o talento, o que enfraquece as competições locais, diminui o interesse da imprensa e, naturalmente, o do torcedor.

O ouro do Brasil no handebol é europeu. Assim como a vitória do futebol na Copa das Confederações tem o DNA do Velho Continente.

O Brasil é campeão do mundo de handebol, sim. Mas precisa começar a importar qualidade se quiser manter-se no patamar mais alto dentro da modalidade. Do contrário, será como em várias outras histórias, de vitórias conquistadas por conta de grupos talentosos de atletas que se formaram, e não por um trabalho constante e eficiente de formação de talentos.

Visão estratégica da CBHb e da comissão técnica brasileira que foram buscar, lá fora, o que não se tem aqui. Mas é necessidade de o país usar essa conquista para solidificar as próximas. Ser patriota, afinal, não é bradar que aqui temos o melhor handebol do mundo, mas saber olhar o porquê de essa conquista ter precisado deixar o país para acontecer.


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