Negócios do Esporte

Arquivo : Marcelo Campos Pinto

TV virou refém do sistema que ela própria criou
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Erich Beting

Quando o Clube dos 13 foi implodido, há questão de cinco anos, um dos principais articuladores da mudança do sistema de pagamento aos clubes pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro foi Marcelo Campos Pinto, então diretor de esportes da Globo.

Hábil negociador, Campos Pinto sabia que, naquele momento, a implosão do sistema de negociação individual dos clubes era bom para ele e para a emissora que trabalhava.

A situação, naquela época, era a seguinte. O Clube dos 13, pela primeira vez na história, havia criado um modelo de venda de direitos muito similar ao que acontece na NFL, a liga que mais fatura em direitos de transmissão no mundo. Em vez de buscar as emissoras para transmitir com exclusividade a competição, a NFL entrega jogos exclusivos para todas elas.

A lógica de mercado é simples. Em vez de ganhar muito de uma fonte só, a liga espalha entre diversas empresas seus diferentes produtos, criando valores distintos para cada um deles. O modelo, que começou lá nos anos 70 a ser implementado pelos americanos, beneficiou-se de um mercado aquecido de direitos de mídia. Hoje, por ano, a NFL ganha quase US$ 8 bilhões. As emissoras disputam, com valores estratosféricos, direitos sobre uma conferência, sobre o jogo do domingo à tarde, da segunda-feira à noite, da quinta-feira, do sábado, etc.

O Clube dos 13 estava, há cinco anos, tentando ainda de forma embrionária buscar esse modelo. Como havia uma disputa mais acirrada na TV aberta (Record e Rede TV! sinalizavam interesse em participar da concorrência), a ideia era os clubes faturarem mais da TV, mesmo que no final das contas terminasse com uma única empresa ganhando a disputa.

O que aconteceu, porém, foi um embate gigantesco por poder político entre um grupo liderado por Kleber Leite e Andrés Sanchez, tendo como mentor e incentivador Ricardo Teixeira, e o outro pelos líderes do Clube dos 13, então personificados em Fábio Koff e Ataíde Gil Guerreiro.

Guerreiro era o maior articulador do novo modelo de negociação da TV. A ideia era de realizar concorrência a cada três anos, abrindo cada vez mais espaço para jogos exclusivos para quem se interessasse pelos direitos. Além disso, ele traria para os clubes a geração de imagem das partidas, conceito que é premissa básica em qualquer evento, mas que ainda está muito, mas muito distante, de ser implementado no Brasil, que ainda tem na Globo não só a detentora dos direitos de transmissão, mas também a responsável por gerar as imagens.

Em meio a essa ideia, veio a briga pelo poder. Sem vencer as eleições, o grupo Teixeira-Leite-Sanchez decidiu, então, implodir o contrato de televisão. Puxados pelo Corinthians, os clubes sondaram Campos Pinto para a negociação individual.

Para a Globo, o negócio, naquele momento, era vantajoso.

O contrato individual acabaria com o projeto de trazer mais para a mão do C13 o controle sobre a distribuição das imagens do Brasileirão e, logicamente, a divisão por diferentes emissoras da transmissão do campeonato.

Agora, cinco anos depois, o feitiço começa a virar contra o feiticeiro. O que teoricamente Campos Pinto deixou como legado para a emissora hoje é um Frankstein. Exatamente pelo fato de cada clube negociar individualmente seus contratos que houve brecha para que o Esporte Interativo iniciasse as conversas para comprar os direitos do Brasileirão na TV paga com alguns clubes.

Hoje, com a negociação na base do “cada um por si”, quem quer comprar tem um trabalho 20 vezes maior, pelo menos, para adquirir os direitos de transmissão. Em vez de sentar com um único interlocutor e conseguir um acordo pela principal competição do país, é preciso ir a cada clube e conversar individualmente com eles. Isso deixa o processo muito mais demorado e, mais do que isso, incerto.

É só ver a bagunça em que se transformou a negociação dos direitos do Brasileirão na TV paga para o período 2019-2024. Se o formato de disputa não se alterar, o torneio terá 20 clubes, mas Globosat e Esporte Interativo já fecharam acordo com pelo menos 30 agremiações.

No final das contas, a TV virou refém do próprio sistema que ela ajudou a criar. E, ao que tudo indica, pelo menos até 2024 não há previsão de que os clubes se organizem para voltar à negociação coletiva dos direitos.


O que representa o fim da Era Campos Pinto para o futebol
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Erich Beting

Marcelo Campos Pinto já estava sendo colocado para escanteio na Globo há algum tempo. Desde que foi determinado o fim do adiantamento de cotas de TV para os clubes, meio que sem alarde, durante a Copa do Mundo, que o chefão do futebol da Globo nos últimos 20 anos começou a perder seu grande poder dentro da Globo.

Com os escândalos recentes no futebol, e a sempre próxima relação do executivo com as figuras centrais dos episódios que têm furado diversas cartolas mundo adentro, a situação de Campos Pinto ficou ainda mais complicada. Para “piorar”, o grande interesse de Roberto Marinho Neto pelo tema esporte e direitos de transmissão ajudaram a aumentar a ingerência da Família Marinho sobre aquele campo que praticamente tinha dono único na emissora.

Campos Pinto talvez tenha sido, na última década, uma das figuras mais poderosas do futebol brasileiro. Seu crescimento na Globo veio na vitória pelos direitos da Copa do Mundo de 2002, após a conturbada negociação com a ISL, quando a emissora adiantou parte da verba pelos direitos, viu a agência falir envolvida num megaesquema de corrupção e livrou a empresa de um enrosco ainda maior.

A partir dali, ele passou a ditar as negociações. E, usando-se do artifício do adiantamento de cotas, passou a reger todo o destino sobre os direitos de TV no país. Em 2003, quando os clubes tentaram um levante para migrar para o SBT com o Brasileirão por pontos corridos, Campos Pinto usou o adiantamento de mais de R$ 50 milhões para manter os clubes sob contrato. Depois, em 2011, quando o Clube dos 13 começou a ruir, foi ele quem renegociou os contratos com os clubes, passando os direitos, antes negociados coletivamente, para os acordos individuais.

Ao que tudo indica, a Globo adotará uma nova postura na negociação de direitos. Campos Pinto sempre foi muito próximo dos dirigentes de clubes, vivia dando expediente na CBF e costumava ter liberdade para falar em nome da emissora. Centralizador, não deixava de liderar qualquer negociação que envolvesse o futebol.

Nas últimas semanas, o executivo vinha abrindo negociações com os clubes para tentar ampliar, de 2018 para 2020, os direitos de transmissão do Brasileirão com os clubes. Agora, com uma negociação menos centralizada, o projeto pode acabar sendo colocado em segundo plano pela própria Globo.

A saída de Campos Pinto do lado do principal financiador do futebol pode representar uma grande ruptura do modelo que foi criado em 1997, quando a emissora passou a querer exclusividade sobre o esporte, e gerar uma nova relação entre os dirigentes e a emissora.

No momento em que os clubes começam a ter cada vez mais interesse em assumir a gestão de campeonatos, a saída de quem negociava os direitos de transmissão da Globo é o primeiro passo para que um novo modelo comece a querer sair da inércia.

A Globo não deverá deixar de ter os direitos sobre os principais campeonatos do país. Mas ela perderá a influência que o principal executivo destacado para o futebol exercia sobre os dirigentes. E isso poderá, no médio prazo, significar um novo tipo de relação entre o futebol e a Globo.

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