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O ouro europeu do Brasil no handebol. Alguma novidade?
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Erich Beting

A inédita conquista do ouro pela seleção feminina de handebol no Brasil é europeia. Não há mal algum em constatar o fato e, mais do que isso, não há qualquer problema em aprender com ele. O Brasil é o país campeão do mundo num esporte que sempre foi dominado pelos países nórdicos e/ou anglo-saxões. E o mérito disso é o fato de que o país foi para o exterior para conseguir virar essa potência mundial.

“A verdade é que ainda dependemos de atletas, como essas meninas, que vão para o exterior evoluir. Ainda estamos dez anos atrasados em relação à Europa”.

A frase é de Morten Soubak, o treinador do selecionado brasileiro. Dinamarquês que veio para um ano de estágio no Brasil, há quase 15 anos. Foi auxiliar no Clube Pinheiros, treinou times de faculdade, gostou do país e decidiu ficar. Com a seriedade de um dinamarquês, mas adaptado ao estilo brasileiro, ele conseguiu levar o país ao inimaginável. Agora, traz apenas o panorama real.

Para ser o melhor do mundo no handebol entre as mulheres, o Brasil precisou de um trabalho de planejamento. Levou atletas para o exterior, onde competem em alto nível, procurou participar ao máximo de competições e, também foi importante, há dois anos o país recebeu o Mundial da modalidade. Em casa, mesmo que para pouca torcida, as meninas já haviam chegado até o quinto lugar. A experiência serviu para em Londres, nos Jogos Olímpicos, o time evoluir mais um pouco. E, agora, o resultado máximo apareceu.

Só que a frase de Soubak sobre a conquista é a que mais deve ser levada em conta se o país quiser ser também do handebol, como é do voleibol e do judô e que já foi do futebol e do basquetebol. Sim, é isso mesmo. Só somos o país do vôlei e do judô. Nas outras modalidades, hoje, estamos atrasados em relação ao jogo que é jogado lá fora.

O alerta de Soubak é também o alerta para o futebol, para o basquete, para o handebol, para a peteca, a bola de gude e o que mais quisermos pensar em termos de competição. À exceção do vôlei e do judô, em que as confederações montaram um sistema de aperfeiçoamento técnico que nos equiparou aos melhores do mundo, não há uma gestão que pense estrategicamente no desenvolvimento dos atletas.

Talvez o rúgbi em cerca de dez anos consiga isso, mas o abismo que hoje separa o Brasil das demais nações ainda é muito grande.

Nos demais esportes, e o futebol está incluído nessa conta, o Brasil precisa ir para fora para começar a extrair bons resultados. Nossas ligas estão enfraquecidas, nossa capacidade técnica de formação de talentos parou no tempo, nossa condição para treinamento e desenvolvimento de atletas é precária.

Teoricamente as confederações, no Brasil, têm tanto ou mais dinheiro que as principais entidades do mundo todo. O problema é muito mais de conseguir elevar o padrão do esporte como um todo. O ouro do handebol evidencia isso. Um grupo de atletas que abdicou de morar em seu país para poder ter rendimento e levar o Brasil ao topo. É a prova de que talento existe, mas ele precisa de muita lapidação para poder chegar ao melhor.

O futebol no Brasil vive, hoje, o mesmo problema do handebol ou do basquete. Não temos mais um campeonato forte, que faça com que nossos atletas atinjam níveis altos de competitividade. Para evoluir, é preciso expatriar o talento, o que enfraquece as competições locais, diminui o interesse da imprensa e, naturalmente, o do torcedor.

O ouro do Brasil no handebol é europeu. Assim como a vitória do futebol na Copa das Confederações tem o DNA do Velho Continente.

O Brasil é campeão do mundo de handebol, sim. Mas precisa começar a importar qualidade se quiser manter-se no patamar mais alto dentro da modalidade. Do contrário, será como em várias outras histórias, de vitórias conquistadas por conta de grupos talentosos de atletas que se formaram, e não por um trabalho constante e eficiente de formação de talentos.

Visão estratégica da CBHb e da comissão técnica brasileira que foram buscar, lá fora, o que não se tem aqui. Mas é necessidade de o país usar essa conquista para solidificar as próximas. Ser patriota, afinal, não é bradar que aqui temos o melhor handebol do mundo, mas saber olhar o porquê de essa conquista ter precisado deixar o país para acontecer.


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