Negócios do Esporte

A marca Brasil que não sabemos explorar

Erich Beting

Em 20 jogos, foram marcados 60 gols. Em apenas 10% das partidas disputadas até agora não saiu nenhum gol. Em apenas uma ocasião só foi marcado um gol na partida. Por sete vezes, pelo menos quatro gols foram feitos no jogo. A Copa do Mundo no Brasil tem sido, nessa primeira semana, realmente a Copa das Copas. Pelo menos na era em que o futebol começou a ser mais equilibrado, nos anos 70, que não víamos um Mundial tão festivo quanto o de 2014.

Nem tanto pelo fora de campo, mas especialmente pelo que rola dentro dele.

Curiosamente, no momento em que mais o futebol é maltratado para além das quatro linhas, com diversas suspeitas e comprovações de corrupção, com dirigentes arcaicos e pouco interessados na melhoria do esporte, é que os jogadores dão, dentro de campo, a mostra de que há esperança de melhoria. Se não for na gestão administrativa, que seja na área técnica, pelo menos.

Aí a Copa do Mundo desembarca no Brasil, ainda com receio de se saber o que esperar e como num passe de mágica, os gols começam a brotar, o futebol ofensivo e bem jogado aparece, os estádios enchem, os turistas festejam, as pessoas reduzem os protestos e, como geralmente acontece bem por aqui, transformamos tudo numa grande festa (agora sim dá para imaginá-la e vivenciá-la, Brahma, mas não há dois anos!)

O que mais surpreende nessa história toda não é nem tanto a farra da Copa fora de campo, mas o alto nível dentro dele. A que se pode atribuir isso?

A sensação que dá é que os times vieram para o Brasil dispostos a jogar como ficamos mundialmente conhecidos. Na dúvida, entre se acovardar na defesa ou partir com força para o ataque, ficamos sempre com a segunda opção. É mais genuíno, mais a nossa cara, mais sangue latino.

Esperar isso de um Brasil, Argentina ou Chile é normal. Agora, ver a Alemanha, a Suíça e a Itália atacando, trocando passes, fazendo jogadas ofensivas e se mandando para o ataque sem pensar na defesa, buscando a vitória e a ampliação do placar mesmo quando não precisa. Isso é novidade!

E talvez a vontade desses times seja exatamente essa. Ser um pouco Brasil. Ter a sede de vencer e convencer. De não jogar ''por uma bola'', mas para encher a bola. De sair do jogo de cabeça limpa pelo futebol bem jogado, mais do que pelo título alcançado.

O único 0 a 0 acovardado desta Copa foi em Irã x Nigéria. Não por acaso, os dois times saíram devidamente vaiados da Arena da Baixada. Foi o único não-jogo do Mundial até agora. Todos os outros, bem ou mal, tiveram times dispostos a vencer.

A Copa do Mundo de 2014 viu na quarta-feira o fim de uma era de grande campeão da Espanha. Particularmente, nunca fui fã de um futebol que não deixa o adversário jogar por não lhe dar o direito de ter a bola nos pés. Mas foi uma ruptura na forma como se jogava o esporte nos últimos anos. O jogo coletivo no lugar dos espasmos individuais.

O que se vê nessa Copa tem muito dessa vontade de vencer que o Brasil criou há meio século e que a Espanha ajudou a ressuscitar nos últimos anos. Curiosamente, perdemos esse gene de nosso DNA na busca desesperada por um novo Mundial após 1970.

Chegou a hora de resgatar esse espírito. E, definitivamente, de criar uma marca Brasil para ser explorada. É ela quem vai permitir que tenhamos, de volta, um futebol interno que encha os olhos tanto quanto o que se joga desde o dia 12 de junho nos estádios brasileiros. Mas que não é produzido por nós.

A cada quatro anos, geralmente o futebol apresenta uma certa reciclagem proporcionada pela Copa do Mundo. O recesso dos times brasileiros bem que poderia estar sendo usado para que treinadores e jogadores vissem o Mundial pensando em resgatar esse DNA do nosso futebol.

Essa é uma ''marca Brasil'' que perdemos no tempo, que deixamos de explorar. Se voltarmos a procurá-la em nosso dia-a-dia. Nas categorias de base, nos times principais, na qualificação dos treinadores, certamente será mais fácil atrair mais receita para o futebol.

A Copa prova que gente interessada em consumir esse tipo de futebol não falta. Resta voltarmos a ser o melhor produtor dele.