O balanço do Pan na Record – parte II
Erich Beting
Dando sequência ao balanção das transmissões do Pan na Record, hoje abordamos o ponto de vista do consumidor. Será que apenas a emissora ter sido a detentora dos direitos de exibir a competição foi bom para ele?
A meu ver, o saldo não foi tão favorável assim. Claramente a falta de maior experiência da Record na transmissão pesou, e tivemos de engolir alguns sapos, especialmente nos primeiros dias de transmissões.
Começamos o Pan em meio a um ufanismo que tentasse justificar o slogan “Está com a Record, está com o Brasil”, utilizado em toda a cobertura do evento. Isso causou algumas aberrações durante as transmissões, além de uma tentativa de manipular a informação, com a exibição de reprises como se fossem eventos ao vivo para “manter a emoção”, tática que desde os anos 80 é facilmente desmascarada e condenada pelo consumidor.
Pelo menos esse cenário durou apenas alguns dias da primeira semana de transmissão. Depois disso, as narrações ficaram menos ufanistas e um pouco mais informativas, e toda vez que tínhamos uma imagem gravada sendo exibida, o narrador informava imediatamente ao telespectador.
O maior problema, porém, foi que o Pan teve, efetivamente, muito pouco de informação esportiva. A transmissão do evento foi muito mais uma espécie de reprodução apenas do “Brasil que dá certo”, sem retratar o que de fato vinha acontecendo nas disputas. Até mesmo alguns fiascos nacionais eram relegados a segundo plano para mostrar aquilo que daria uma medalha verde e amarela. Reprises de ginástica artística tornaram-se o hit dos primeiros dias, numa tentativa de ser o novo “curling”, esporte que ganhou fama nos Jogos de Inverno do ano passado.
Mas acontece que o Pan tem muito mais Brasil em disputa e, mais do que isso, uma série de modalidades que são próximas do cotidiano do torcedor. Sendo assim, foi um absurdo ter de engolir as reprises da ginástica apenas porque os índices de audiência estavam sendo mantidos nas alturas.
No final das contas, quem viu o evento pela Record ficou com a impressão de que só o Brasil competia. Os ouros dos americanos, por exemplo, passaram desapercebidos para quem só tinha a TV aberta como opção. Foi até difícil entender como os americanos tiveram mais de cem conquistas ao longo da competição, já que em raras exceções vimos uma vitória dos EUA na TV aberta.
Mas esse é um “mal” causado pelo formato de transmissão na TV aberta. Acostumamos a mostrar não mais o evento, mas apenas o desempenho brasileiro na competição. Esse é o maior problema que há para quem não tem o canal a cabo à disposição. Sim, uma grade de TV aberta tem de ser preenchida pelos mais diferentes programas, atendendo aos diferentes perfis de públicos que passam por ela.
Só que uma das grandes críticas que fazemos à Globo é exatamente por manipular as transmissões esportivas apenas para atender a seus interesses. Ficou claro que, infelizmente, o “padrão Globo de qualidade” também foi adotado pela Record. Poderíamos ter uma excelente oportunidade para desenvolvermos ainda mais uma cultura esportiva na população, mas novamente confundimos evento esportivo com o Brasil que ganha, de olho apenas na audiência e não no compromisso com a informação.
Tivemos também coisas boas durante as transmissões. As narrações foram, aos poucos, tornando-se menos ufanistas e mais realistas, atingindo um ponto de equilíbrio que, se repetido em Londres-2012, será excelente. Da mesma forma, pudemos, enquanto consumidores, ter a liberdade de poder comparar o trabalho de um canal com outro, o que já é um enorme avanço.
Sim, a Globo ainda é soberana no quesito qualidade de transmissão de evento. Mas foi bom poder ter tido essa certeza tendo outra alternativa para acompanhar na telinha.
Amanhã vamos debater aqui a questão que considero o exercício mais difícil de ser feito na hora de mensurar o retorno da transmissão de um evento esportivo. Vamos nos colocar na posição de diretores de marketing da Odepa. E aí, será que foi positivo termos apostado na Record?