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Arquivo : Jogos Olímpicos

A imensa construção de histórias das Olimpíadas
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Erich Beting

Os Jogos Olímpicos possuem uma capacidade enorme de geração de boas histórias. E de colocar em conflito constante o que acontece na disputa esportiva com aquilo que vivemos na vida real. Desde o início dos Jogos, criamos no Boletim Máquina do Esporte uma seção dedicada ao Personagem do Dia. Não é o campeão do dia, mas aquele que traz a maior história humana sobre o evento.

Historicamente, os Jogos são marcados por grandes histórias, mais do que grandes campeões. De vez em quando, muito raramente, as duas coisas ocorrem juntas. Ontem, nos 100m livre feminino da natação, essa união se deu de forma mágica.

Uma prova que teve duas campeãs empatadas em 52s70, novo recorde olímpico. Mas que também teve a primeira campeã olímpica nascida neste milênio, a canadense Penny Oleksiak. Mas que entrará para a história como a prova que coroou a primeira negra campeã da natação nas Olimpíadas, a americana Simone Manuel.

“Essa vitória ajuda a trazer esperança de mudança sobre algumas questões que estão acontecendo no momento. Eu só fui lá e nadei o mais rápido que eu podia, mas minha cor de pele vem com todo meu repertório para isso”, declarou Simone.

Por solicitação da TV americana, as provas da natação acontecem no fim do dia aqui no Rio. Tudo para que a audiência dos Jogos seja cada vez mais alta.

E, ontem, a piscina do Rio 2016 presenciou a construção de uma nova história olímpica. Os EUA vivem um período de intensa discussão sobre conflitos raciais, especialmente envolvendo policiais brancos contra americanos negros. Soma-se a isso uma preocupante escalada de Donald Trump e seus conceitos um tanto quanto radicais nas prévias eleitorais americanas.

Simone Manuel não é só a primeira negra a vencer a natação em Jogos Olímpicos. Mais do que isso, ela mesmo sabe que sua conquista acontece num momento emblemático de aumento dos conflitos raciais, étnicos e religiosos pelo mundo inteiro.

A vitória de Simone Manuel e Penny Oleksiak nos 100m livre feminino é a prova de que os Jogos Olímpicos são formados não por vencedores, mas por ótimas histórias. Às vezes, até em menos de um minuto de prova…


Qual Brasil queremos ser?
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Erich Beting

A pergunta, se não me falha a memória, já surgiu em outro post no longo dos sete anos de processo entre a escolha por candidatura única do Brasil a sede da Copa do Mundo e o Mundial em si. E, agora, ela é repetida, de forma ainda mais enfática, dada a situação do país como um todo.

Que país queremos ser?

Está chegando a hora de passarmos pelo nosso segundo megaevento. E, com ela, a cobrança que isso gera para o país. Podemos achar normal entregar uma obra ainda sem os arremates finais. Atrasar o cronograma em “alguns diazinhos”. Gastar com extras supérfluos dentro de algo grandioso.

Na cabeça do estrangeiro, isso não é normal. Por isso mesmo, as críticas aparecem de forma pesada. E tornam proporções mundiais.

O maior problema, porém, é que simplesmente não sabemos aceitar essa crítica.

O “chute no traseiro” de Jérôme Valcke e o “canguru” australiano foram prontamente rebatidos com veemência pelos nossos políticos. E da pior forma possível. Tratamos as críticas como algo que fere a soberania nacional, sem fazermos o serviço de autocrítica de como nos comportamos ao longo de 6 anos e meio de preparação para os Jogos Olímpicos.

 

Pior ainda é ver como Eduardo Paes tenta desmerecer as críticas que o Rio recebe, ou tenta ironizá-las, sem ao menos fazer a mea culpa e reconhecer que o erro é todo nosso. Imagino qual seria a reação do digníssimo prefeito do Rio se ele chegasse a um hotel em Maricá que estivesse sujo. Se é que ele aceitaria se hospedar em Maricá…

O exercício que Copa do Mundo e Jogos Olímpicos deveriam ter gerado para nós, brasileiros, era o de exame da consciência. Os megaeventos servem para apresentar nosso país ao mundo. Que imagem queremos deixar? A de um país encantador, mas cheio de defeitos? Ou a de um país encantador, que batalha e se esforça para ser de primeiro nível?

A Copa já havia mostrado para o estrangeiro que, apesar dos pesares, fizemos um evento espetacular. As Olimpíadas, como expus aqui outro dia, também nos deixarão a mesma impressão. “No final dá certo”, mas qual o preço que se paga por isso?

Quando nossos políticos se comportam como crianças birrentas diante de um puxão de orelha ao rebater as críticas que são recebidas, nós colocamos a perder a grande chance que havia com os megaeventos. Eles poderiam ajudar a mostrar ao mundo que o brasileiro é um povo muito mais do que apenas cativante. Somos preparados, dedicados, batalhadores.

Bilhões de reais estão sendo investidos por empresas privadas nos Jogos Olímpicos para ajudar a transformar a imagem do país para o estrangeiro. Empresas que têm investido bastante para tentar promover o evento e fazer com que ele seja realmente transformador, de alguma forma, da nossa realidade. 

Quando ironiza as críticas sobre as falhas da organização do evento, Eduardo Paes joga contra não apenas a própria imagem, mas também a do Brasil como um país que cresceu e chegou à fase adulta. O Brasil que queremos ser ficou, mais uma vez, deitado eternamente em berço esplêndido…


Procura por Rio 2016 dá motivo para “soberba” do COI
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Erich Beting

Primeiro foi o Zika. Depois, a falência do Estado. Agora, as reclamações que sempre acontecem pré-Jogos com os primeiros a desembarcarem na Vila Olímpica (e que quase sempre estão corretas). Coloque mais alguns ingredientes nesse bolo. Um país com uma instabilidade política enorme, cercado por constantes protestos. A violência local flagrante. E o medo de um novo modelo de terrorismo, muito mais imprevisível e solitário. Tudo isso num ambiente que é completamente novo para os Jogos Olímpicos.

A lista de motivos para não ir ao Rio de Janeiro no próximo mês parece ser, a cada dia, mais extensa. No mesmo dia em que o Comitê Organizador do Rio 2016 colocou 100 mil ingressos à venda, o Ministério da Justiça brasileiro disse ter capturado dez pessoas que agiam de forma suspeita, planejando um ataque terrorista ao evento. Se havia mais um bom motivo para não sair de casa, ele apareceu ali, sem nem disfarçar sua cara de zombeteiro.

Mas, no final das contas, já são 75% dos ingressos vendidos para o Rio 2016. Sim, é possível usar o “já” na expressão. Afinal, esses Jogos são num país com baixíssima cultura poliesportiva e em meio a situações nem um pouco convidativas para acompanhá-los. E, mesmo assim, a meta de faturamento com a venda de ingressos já foi alcançada e pelo menos 3/4 das arenas estarão preenchidas.

A carga de 100 mil ingressos extras se esgotou, e os eventos “encalhados” são aqueles que não têm muito apelo nem para o público nacional, nem para o estrangeiro. É parte do jogo das Olimpíadas termos eventos de baixo interesse das pessoas. Em Londres, há quatro anos, as primeiras disputas aconteceram com clarões na arquibancada que coraram a família real. Depois de colocarem guardas do exército para preencher os espaços, o comitê optou pela decisão mais óbvia. Recolocou os ingressos à venda na bilheteria. E as arenas lotaram…

Outro dado que chama a atenção para o Rio é a venda de produtos licenciados. O Rio 2016 já fala em conseguir superar em 17% a estimativa inicial de venda. Sinal de que as pessoas têm procurado os produtos com a marca dos Jogos.

Em meio ao caos pré-olímpico, o Rio de Janeiro dá ainda mais motivo para o Comitê Olímpico Internacional (COI) poder dizer que os Jogos são o maior evento do planeta. Na falta de um, o Rio deu dezenas de motivos concretos para que as pessoas não se deslocassem até a cidade para acompanhar os Jogos. E, mesmo assim, o evento aparentemente vai ser um sucesso.

Aos 120 anos, os Jogos Olímpicos conseguem se descolar da realidade local e entregar para o público um evento de alto grau de interesse. E, para o COI, fica a certeza. A soberba apresentada quando se impõe uma série de condições para uma cidade ser candidata a receber uma Olimpíada tem a sua parcela de razão.


Revezamento da Tocha dá temperatura sobre os Jogos
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Erich Beting

Há oito meses que, semanalmente, vou ao Rio de Janeiro. O trajeto entre o aeroporto e a Barra da Tijuca serve para, a cada semana, ficar com aquela pulga atrás da orelha se vamos conseguir realizar os Jogos Olímpicos. De dois meses para cá aumenta um pouco mais a certeza de que faremos, bem ao nosso estilo, o evento acontecer. Haverá falhas, não seremos quase impecáveis como foi Londres em 2012, mas conseguiremos.

A dúvida que ficava, porém, era em relação a nossa reação com o evento. Mais do que entregar a estrutura, nós seremos capazes de entrar “no clima” dos Jogos?

A festa em Londres foi espetacular, mas de certa forma demorou a acontecer. Cheguei por lá no dia da cerimônia de abertura. A sempre ácida mídia britânica batia bastante na falha da organização pela ausência de torcedores em vários eventos. A torcida, de fato, parecia não se empolgar. Depois, a crítica passou a ser a falta de desempenho do time britânico. Após o primeiro ouro, com quatro dias de Jogos, a festa começou para valer, as arenas lotaram e o evento foi um sucesso, transbordando em cada esquina da cidade.

Ontem, essa dúvida em relação ao Rio começou a ser sanada. Fui condutor da chama olímpica na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. E o evento que acontece para o revezamento da tocha é, em tese, o resumo de como serão os Jogos Olímpicos daqui a 17 dias.

O comboio da tocha vai abrindo espaço pelas ruas da cidade. Você, nessa hora, é colocado num ponto de encontro no meio da rua. O comércio está aberto, nada é modificado pela passagem da tocha, a não ser o trânsito. Há algumas pessoas ao seu redor, que estão ali esperando para ver o que vai acontecer. De repente, chegam os caminhões dos patrocinadores, tocando música, distribuindo brindes, chamando o povo a participar. E, quando chega a sua hora de conduzir a tocha, você entende o que a chama olímpica representa no imaginário das pessoas.

Ao acender o fogo, o público começa a vibrar. As pessoas vão correndo ao seu lado, passam a aplaudir, sacar os telefones celulares e tirar foto. A chama, com o perdão do trocadilho, ilumina a cabeça do público, que sente uma indescritível alegria de poder compartilhar aquele momento e fazer parte dele. Assim, transformam o que antes era uma rua parada numa grande celebração.

Depois que a caravana passa, as pessoas vão se recolhendo nas ruas, vão voltando para a sua rotina, provavelmente usando as redes sociais para repassarem a seus conhecidos as imagens que conseguiram registrar daquele momento.

O Rio de Janeiro, hoje, vive mais ou menos a mesma sensação que tive quando estava naqueles cinco minutos esperando outro condutor chegar com a chama olímpica para repassá-la a mim. O evento está chegando. Quando ele começar, as pessoas vão irradiar alegria de fazer parte daquilo.

O que, sem dúvida, está longe do ideal, é o que aconteceu antes dos Jogos e o que ficará depois deles. Mas o problema, nesse caso, não são as Olimpíadas. É o jeito brasileiro de levar a vida que precisa mudar. Os Jogos podem nos ajudar a cobrar isso no nosso cotidiano. Seria um inesperado (e indigesto para muitos) legado olímpico…


Atletas olímpicos não estão na Grécia Antiga
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Erich Beting

A polêmica do dia foi provocada mais uma vez via redes sociais. Raquel Endres, mulher de Gustavo Endres, jogador multicampeão pela seleção masculina de vôlei, fez um desabafo sobre o fato de que teve de comprar a tocha olímpica para Gustavo ter de relíquia após ter conduzido o artefato na passagem dele pelo Rio Grande do Sul, seu estado natal.

O desabafo de Raquel, publicado por Gustavo em seus perfis, tem sua lógica. O cara é um baita campeão, representou o Brasil e não teve o direito de receber o presente após a condução da tocha?

Na Grécia Antiga, quando surgiu o conceito das Olimpíadas, o grego que era um campeão olímpico era venerado por ser um semideus. Numa cultura que valorizava o físico, ser o melhor entre os atletas era um feito comparável ao de um deus grego.

Quando recriamos o conceito das Olimpíadas nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, reutilizamos aqueles conceitos de semideuses para valorizar a competição e ajudar a promovê-la. Só que isso criou uma cultura completamente equivocada, entre os atletas, de que chegar a uma Olimpíada é colocá-lo num patamar diferente em relação aos demais “mortais”.

Mas o que diferencia Gustavo de Carlito Lima, um agricultor de Cratéus, interior do Ceará, que foi escolhido também para conduzir a tocha? Ou de Cardozinho, folclórico corredor de Juazeiro, na Bahia, que também foi indicado pela prefeitura de sua cidade pelo trabalho que ele faz e que ajuda a promover a prática de esporte? Assim como Gustavo, Carlito e Cardozinho não tiveram o prazer de ganhar a tocha de presente após ter conduzido-a pelas ruas de sua terra. Os governos de suas cidades não poderiam dispender dinheiro para fazer um mimo ao condutor. Eles têm lugares mais importantes para gastar sua verba.

Em diversas ocasiões, ex-atletas reclamaram que não foram chamados para conduzir a tocha, como se fosse obrigação que o momento fosse restrito a eles. O grande negócio do revezamento é que ele transforma os Jogos Olímpicos não num evento exclusivo de semideuses, mas em algo democrático, palpável e aberto a todos. Seja um produtor de mel, um corredor amador ou um campeão olímpico.

Os atletas olímpicos ainda acham que estão na Grécia Antiga e que, por isso, são semideuses com mais direitos do que os demais. Em vez de reclamar, deveriam aproveitar as histórias de condução da tocha olímpica para entender que o mundo é feito de todo tipo de gente, e que cada uma dela, a seu modo, tem algum feito que é valioso para uma outra pessoa.


Tocha é evento mais para o patrocinador do que para o Rio
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Erich Beting

Entrando hoje em seu 50º dia, o revezamento da tocha é o evento que pretende levar o espírito dos Jogos Olímpicos para todo o Brasil. E, de fato, a festa que acontece nas cidades por onde a chama olímpica passa ajuda a trazer mais para perto das pessoas o megaevento do qual apenas uma ínfima parcela da população fará parte.

Mas, mais do que um evento que beneficia o Rio de Janeiro, o Revezamento da Tocha é a oportunidade mais clara que os patrocinadores têm de se aproximar do público. Prova disso foi o que aconteceu ontem, quando a chama olímpica esteve no encontro dos Rios Negro e Solimões, no Amazonas.

O Bradesco, um dos três patrocinadores do revezamento, usou a sua agência flutuante para levar a chama por sobre o famoso encontro das águas dos dois rios. A situação mostra, de forma cristalina, como para a marca é importante poder fazer esse tipo de ativação antes dos Jogos.

Durante a competição, apenas os aneis olímpicos estarão expostos nas arenas de competição. As marcas terão de usar estratégias de mídia e relações públicas para poder se aproveitarem dos Jogos. Pior do que isso, tendo como “concorrência” praticamente uma centena de outras marcas que também vão se atrelar ao evento.

Como no revezamento apenas Bradesco, Coca-Cola e Nissan aparecem, todo o esforço que essas empresas têm concentrado nesses cem dias de passagem da chama olímpica pelo país se justifica. É só ver a foto abaixo.

Está claro que, com a tocha, as marcas brilham bem mais do que o espírito olímpico…

Chama_Bradesco


Mundo virtual não supera o real nas ativações
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Erich Beting

Estive a trabalho durante todo o dia de ontem no Rio, justamente quando a cidade entrava na contagem regressiva para os 100 dias de início dos Jogos Olímpicos. Entre a ida do aeroporto até o estúdio do Sportv, dá para passar por boa parte dos locais de maior aglomeração turística da cidade.

E, nesse tempo todo, o que mais me lembrava que a Olimpíada está chegando são as obras que tentam aliviar o trânsito até a Barra da Tijuca, mas que atualmente só complicam o já caótico trânsito no Rio.

Onde estavam as marcas que não fizeram qualquer menção sobre o estreitamento da contagem regressiva?

Nas redes sociais e no e-mail, porém, parecia que nunca os Jogos estiveram tão presentes em nossa realidade. Tudo o que é patrocinador anunciando alguma ação. Todas, sem exceção, no mundo virtual…

A crise nos leva a apostar, de maneira lógica, em redução de investimentos. Isso afeta, diretamente, as ações de ativação de marca mais caras.

Só que isso também tem servido de muleta para que as empresas acreditem, cegamente, que o meio digital seria suficiente para assegurar eficiência na estratégia de comunicação de um patrocínio. O que muitos têm achado atualmente é que o digital/virtual é o fim, e não o meio de um trabalho de ativação de marca. 

Considerando que os códigos alfanuméricos das redes sociais deixam cada vez mais direcionado o consumo de conteúdo das pessoas, e o consumo de TV é cada vez mais fragmentado, acabamos passando praticamente batidos no Rio de Janeiro naquele que tinha tudo para ser dia importante para as estratégias da marca dentro de seu patrocínio no esporte.

Ativar um patrocínio dá trabalho e custa caro. Se as marcas começarem a apostar só no mundo virtual para realizar as ações, perderão o bonde e, mais uma vez, vão achar que não dá retorno investir em esporte…


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