Negócios do Esporte

Arquivo : COI

Descaso com Havelange mostra novo caminho do esporte
Comentários Comente

Erich Beting

João Havelange talvez seja o maior responsável pelo momento atual do esporte. O ex-dirigente, que morreu ontem aos 100 anos de idade, soube como ninguém explorar o crescimento da televisão e do investimento em marketing das grandes empresas nos anos 70 e 80. Fez isso com extrema habilidade, a mesma que demonstrou para, em 1970, ganhar a eleição para a presidência da Fifa, desbancando o status quo europeu.

Havelange foi o hábil negociador que o futebol precisava para se fortalecer. Seu modelo de negócios inspirou também o COI a construir o fenômeno das Olimpíadas. A força do ex-dirigente era tanta que, em 2009, mais de 10 anos após deixar a presidência da Fifa, Havelange costurou a candidatura do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos do até então longínquo 2016. Seu apoio nos bastidores foi importante para a Cidade Maravilhosa receber os Jogos.

Na celebração da vitória, Havelange prometeu tomar um champagne na sua festa de 100 anos, durante os Jogos.

No ano seguinte, porém, o status do todo poderoso dirigente ruiu. Condenado pela Justiça suíça de receber propina da antiga agência de marketing ISL junto com o genro Ricardo Teixeira, Havelange assumiu a culpa, devolveu parte da grana e, então, foi tirado dos cargos de presidente honorário da Fifa e do COI. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma Rousseff tirou dele o passaporte diplomático concedido décadas antes no Brasil.

A perda de prestígio e poder marcaram o início do fim de Havelange, até então um senhor de 94 anos ainda plenamente ativo, diariamente nadando na piscina e viajando pelo mundo em eventos da Fifa e do COI. Mais do que a idade avançada, o que lhe fez mal foi perder o status que havia adquirido ao se impor como grande dirigente mundial, influente a ponto de negociar contratos milionários e se reunir com chefes de estado estando sempre do lado mais forte da relação.

A forma como COI, Fifa e até CBF (o Brasil não enlutou para jogar ontem e hoje as semifinais do futebol) trataram a morte do grande dirigente, porém, mostra como as coisas estão mudando.

Havelange poderia ser referendado como o grande dirigente que levou os Jogos a serem esse colosso. No entanto, foi completamente ignorado durante o evento em que, sete anos atrás, projetava que seria a celebração de seus 100 anos de idade entre aqueles que sempre tiveram a seu lado.

Ao Havelange ser colocado no ostracismo, percebemos que o esporte começa a mudar sua configuração. Não cabe mais um dirigente corrupto entre os grandes do esporte.

Por mais que tenha sido grande responsável por toda a transformação do esporte como negócio, pode ser que Havelange tenha sido apenas o cara na hora certa. Com o apetite de investimento da mídia e das marcas nos anos 80 pelo esporte, era natural que ele se tornasse um grande negócio… O ocaso com que sua morte foi tratada pelos seus pares, porém, mostra que as coisas estão mudando.


COI tenta manter Olimpíada jovem com novos esportes
Comentários Comente

Erich Beting

Surfe, skate, escalada, caratê e beisebol serão as novidades do programa olímpico a partir de 2020. À exceção das duas últimas modalidades, incluídas muito também por conta do peso que possuem no Japão, país-sede do evento daqui a quatro anos, a escolha do Comitê Olímpico Internacional (COI) mostra muito a preocupação que existe para manter acesa – e jovem – a chama dos Jogos Olímpicos.

Desde Londres-2012 que o COI se preocupa em tentar entender como os Jogos podem se relacionar com o jovem. A invasão das redes sociais tumultuou todo o esquema de venda de direitos de transmissão do evento. As regras rígidas de controle sobre quem pode publicar o que não ajudam a trazer o jovem para perto dos Jogos. E, para piorar, a tradição de um evento centenário faz com que os mais novos estejam longe de achar que a Olimpíada é um evento para eles.

A escolha de surfe, escalada e skate fere o princípio olímpico. Como pode um maratonista ter o mesmo status de um skatista? Ou de alguém numa escalada? Pode. E terá, cada vez mais, uma função importante para a estratégia de comunicação com o público do COI.

Se não abrir os olhos para os esportes que surgiram e cresceram nos últimos 50 anos, o COI rapidamente cairá no mesmo erro de uma Fórmula 1, que cada vez mais se aproxima do nicho, sem renovar o seu consumidor.

A tarefa principal do COI é preservar o espírito olímpico que fez a fama dos Jogos e do próprio comitê. Para isso, não só a tradição tem de ser preservada. É preciso renovar, sempre, o interesse das pessoas pelas Olimpíadas. Ou, como afirmou Thomas Bach, presidente do comitê, ao justificar as escolhas:

“Queremos levar o esporte ao jovem. Com as diversas opções que os jovens têm, não podemos mais esperar que eles venham até nós. Temos de ir até eles”, afirmou.

A tendência, para o futuro, não é apenas a inclusão de outros esportes não-tradicionais nas Olimpíadas, mas também a exclusão de algumas modalidades que foram importantes, mas que hoje representam dispêndio de tempo e grana para os organizadores, sem gerar tanto envolvimento do público.

O COI precisa do jovem. E mostrou que pode romper um pouco a tradição para ir em busca dele. Falta, agora, o comitê ter o mesmo tipo de atitude em relação ao trabalho que faz com a mídia. Especialmente nas redes sociais.


Clima olímpico desembarca no Rio
Comentários Comente

Erich Beting

A cada ponto de ônibus, uma propaganda de um patrocinador. Nas ruas, voluntários, profissionais de mídia e até mesmo atletas transitam entre as pessoas. Se alguém tinha dúvidas se os Jogos Olímpicos aconteceriam, elas começaram a ser sanadas desde a segunda-feira, dia 1º.

A virada do mês representou também a chegada do clima olímpico ao Rio. Os transtornos do trânsito adaptado à faixa olímpica, o aumento da muvuca no metrô, a confusão de uma cidade ainda em construção quando deveria estar pronta para os Jogos.

Tudo isso começa a ser colocado para escanteio, à força, pela chegada do evento. Não tem mais o que fazer a não ser entrar no espírito olímpico. O evento acontecerá, apesar dos erros do Rio de Janeiro.

E é esse o ponto de virada que tomou conta do Rio desde segunda-feira. Há uma semana, quem vinha à cidade sentia que algo estava para acontecer, mas ainda era uma realidade distante. Agora, com a Olimpíada invadindo cada local de convívio do carioca, o caminho é sem volta.

Publicidade nos pontos de ônibus e até pista de atletismo no metrô dão o clima olímpico ao Rio

Publicidade nos pontos de ônibus e até pista de atletismo no metrô dão o clima olímpico ao Rio

Mas por que isso acontece?

A maior lição que um megaevento nos deixa é sobre a necessidade que existe de patrocinadores, parceiros de mídia, organizadores do evento e poder público se engajarem para fazer o evento “pegar”. A diferença que existe é gritante, especialmente num mercado ainda em desenvolvimento como a indústria do esporte brasileira.

Acostumamo-nos, por aqui, a apenas nos preocupar com o evento esportivo apenas no que se refere ao âmbito da competição entre atletas. Assim, negligenciamos toda a parte de promoção do evento, que fica quase sempre relegada ao deus-dará da mídia, que atua com o compromisso de ser fiel aos fatos, não ao negócio.

Quando chega um megaevento, em que o próprio país despeja um grande montante de investimento (em dinheiro e energia), a necessidade de fazer o evento pegar é enorme. Por isso, há uma cobrança forte por parte do Comitê Olímpico Internacional em cima de parceiros comerciais, de mídia e cidade-sede para que os Jogos aconteçam.

Se há um legado que os Jogos deixam é o da importância de se fazer um evento cair no gosto das pessoas para ser um sucesso. E que, para conseguir isso, é preciso trabalhar bastante.

Não existe mágica. Assim como a conquista de uma medalha, é preciso de muito esforço para que o evento seja percebido pelo público. Negligenciar a importância de criar um clima antes do evento é o primeiro erro. Demorou, mas o Rio mostra que essa primeira etapa foi vencida.


Procura por Rio 2016 dá motivo para “soberba” do COI
Comentários Comente

Erich Beting

Primeiro foi o Zika. Depois, a falência do Estado. Agora, as reclamações que sempre acontecem pré-Jogos com os primeiros a desembarcarem na Vila Olímpica (e que quase sempre estão corretas). Coloque mais alguns ingredientes nesse bolo. Um país com uma instabilidade política enorme, cercado por constantes protestos. A violência local flagrante. E o medo de um novo modelo de terrorismo, muito mais imprevisível e solitário. Tudo isso num ambiente que é completamente novo para os Jogos Olímpicos.

A lista de motivos para não ir ao Rio de Janeiro no próximo mês parece ser, a cada dia, mais extensa. No mesmo dia em que o Comitê Organizador do Rio 2016 colocou 100 mil ingressos à venda, o Ministério da Justiça brasileiro disse ter capturado dez pessoas que agiam de forma suspeita, planejando um ataque terrorista ao evento. Se havia mais um bom motivo para não sair de casa, ele apareceu ali, sem nem disfarçar sua cara de zombeteiro.

Mas, no final das contas, já são 75% dos ingressos vendidos para o Rio 2016. Sim, é possível usar o “já” na expressão. Afinal, esses Jogos são num país com baixíssima cultura poliesportiva e em meio a situações nem um pouco convidativas para acompanhá-los. E, mesmo assim, a meta de faturamento com a venda de ingressos já foi alcançada e pelo menos 3/4 das arenas estarão preenchidas.

A carga de 100 mil ingressos extras se esgotou, e os eventos “encalhados” são aqueles que não têm muito apelo nem para o público nacional, nem para o estrangeiro. É parte do jogo das Olimpíadas termos eventos de baixo interesse das pessoas. Em Londres, há quatro anos, as primeiras disputas aconteceram com clarões na arquibancada que coraram a família real. Depois de colocarem guardas do exército para preencher os espaços, o comitê optou pela decisão mais óbvia. Recolocou os ingressos à venda na bilheteria. E as arenas lotaram…

Outro dado que chama a atenção para o Rio é a venda de produtos licenciados. O Rio 2016 já fala em conseguir superar em 17% a estimativa inicial de venda. Sinal de que as pessoas têm procurado os produtos com a marca dos Jogos.

Em meio ao caos pré-olímpico, o Rio de Janeiro dá ainda mais motivo para o Comitê Olímpico Internacional (COI) poder dizer que os Jogos são o maior evento do planeta. Na falta de um, o Rio deu dezenas de motivos concretos para que as pessoas não se deslocassem até a cidade para acompanhar os Jogos. E, mesmo assim, o evento aparentemente vai ser um sucesso.

Aos 120 anos, os Jogos Olímpicos conseguem se descolar da realidade local e entregar para o público um evento de alto grau de interesse. E, para o COI, fica a certeza. A soberba apresentada quando se impõe uma série de condições para uma cidade ser candidata a receber uma Olimpíada tem a sua parcela de razão.


Que ano foi esse?
Comentários Comente

Erich Beting

É bem provável que, no fim de 2014, estávamos pensando no “ano mágico” que havíamos acabado de atravessar. Afinal, não só teve a Copa, mas que Copa memorável que tivemos no país! Um futebol bem jogado, uma festa bacana e muito aprendizado trazido para cá pelo maior evento do esporte mais popular do mundo.

Era natural, e essa era a minha ideia original, que viveríamos em 2015 um ano de ressaca. Poucas mudanças bruscas no futebol, a expectativa olímpica começando a aumentar a partir de agosto, as marcas começando a aquecer os tambores para 2016, sem grandes investimentos no esporte, os mesmos cartolas de sempre mandando e desmandando…

Até 27 de maio era mais ou menos esse o roteiro. O Brasileirão começava, as dúvidas sobre a performance técnica da seleção brasileira continuavam (que ano não foi assim desde que você se conhece por gente que acompanha futebol?), as marcas timidamente começavam a traçar seus projetos olímpicos…

Aí veio a prisão de José Maria Marin, a delação premiada de J. Hawilla nos Estados Unidos e o futebol virou de cabeça para baixo.

Sempre achamos, trabalhando ou não com futebol, que os dirigentes que estavam no comando do futebol no país tinham atitudes no mínimo suspeitas. Hoje, os três últimos presidentes da CBF são acusados formalmente pela Justiça dos Estados Unidos de práticas de crimes de corrupção. Um está preso, um sumiu faz três anos (Ricardo Teixeira sempre foi um homem de visão), o outro acaba de pedir licença do comando da entidade…

Joseph Blatter, o presidente da Fifa há quase 20 anos, foi tirado da cadeira máxima do futebol. Diversos outros dirigentes estão caindo, entre eles o até então ilibado Michel Platini, ex-craque de bola da França que trocou a fama conquistada pelos dólares desviados em acordos obscuros, ao que tudo indica.

O ano de 2015 pode vir a ser o começo do fim de um sistema mafioso que corroeu o futebol nos últimos 40 anos. As vísceras de um modelo de negócios que mais era um modelo de negociatas estão expostas, e a necessidade de mudança é enorme.

No final das contas, aquele que tinha tudo para ser um ano morno no esporte talvez tenha sido um dos mais importantes das últimas décadas. A ressaca pós-Copa foi acompanhada de um vendaval que rachou o status quo e colocou, sob nova perspectiva, o mercado do futebol.

Isso sem falar no que ainda vão se desenrolar as investigações sobre doping iniciadas na Rússia. Tal qual o castelo começou a ruir na América do Sul para o futebol, é muito provável que o esporte atinja novo patamar a partir do instante que combater, de forma sistemática, a burla de regras do doping, que envolve, como se vê no atletismo, pagamento de propinas a dirigentes para acobertarem as histórias.

No marasmo que geralmente caracteriza o ano em que não há Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, será impossível, na cronologia do esporte, deixar 2015 para lá. Dentro das quadras, piscinas e campos, tudo correu mais ou menos como sempre, sem grandes feitos.

Mas, fora das competições, nunca houve tanta evolução num mesmo ano como esse que passou!

Agora é virar a página e começar 2016 com o espírito olímpico em dia. Para, daqui a um ano, podermos dizer “e que Olimpíada tivemos”! O blog, naturalmente, volta a falar de esporte e negócios na próxima semana, após uma pausa para recarregar as energias!

Bom Ano Novo a todos!


O que o Rock In Rio ensina ao esporte. E o que precisa aprender
Comentários Comente

Erich Beting

O Rio de Janeiro viveu, na última semana, a euforia da realização de mais um Rock In Rio, festival de música que acontece bienalmente desde 2011 na Cidade Maravilhosa. Por algumas críticas que pude ver, o evento chamou a atenção dos analistas mais pela algazarra comercial em que se transformou do que pelo espetáculo em si (leia as opiniões de André Barcinski na Folha e de Alexandre Matias aqui no UOL).

Pelo que deu para ver neste fim de semana no Rio, pelas transmissões feitas pela TV e por um bocado de fotos espalhadas pelas redes sociais, realmente o Rock In Rio esteve mais para Everything In Rio. E os organizadores estão mais do que corretos em agir dessa forma.

Achar que o Rock In Rio deve se restringir aos shows de Rock, de preferência debaixo de chuva e pisando no barro, é ser nostálgico. É voltar a 1985 e achar que o jovem de 18 anos daquela época pensa da mesma forma e tem os mesmos anseios do jovem de hoje, com todas as transformações dos últimos 30 anos pelo caminho.

O que leva uma pessoa a um show (ou a um jogo de futebol, de basquete, de hóquei ou qualquer outra coisa) se não for pelos diferentes tipos de entretenimento disponíveis? Não basta ter um grande músico no palco, é preciso ter uma série de atrações que faça o cara desistir de acompanhar tudo online para decidir ir até lá compartilhar suas emoções online.

É preciso ter a tirolesa para tirar foto e mandar para os amigos. É preciso ter a loja oficial para comprar recordações (ok, a pretensa lama de 1985 passou do limite do bom senso). É preciso ter uma enorme praça de alimentação para que as pessoas se alimentem no local e continuem financiando uma reunião de diversos músicos, de diferentes estilos e gostos.

O Rock In Rio ensina para o esporte que, além do espetáculo, é preciso pensar na diversão de quem vai ao local. A maior revolução que tivemos de 1985 para cá é a de que a experiência de ver um show (ou uma competição qualquer) em casa, com todo o recurso tecnológico das transmissões, é muito mais rica do que estar no local ao vivo.

Sim, a emoção de poder dizer “eu fui” é muito mais valiosa do que esquentar a pipoca no microondas e tirar a cerveja da geladeira para ouvir uma música ou assistir a um jogo. Mas, por mais saudosistas que sejamos, é preciso entender que, para o público querer se deslocar e ver o evento ao vivo, é preciso oferecer muito mais do que o evento.

Há 30 anos, não havia como eu ver o Queen se não fosse indo ao show. Hoje, pelo celular, vejo todos os vídeos possíveis, os bastidores da gravação de um LP (naquela época era o “long play”), os erros e devaneios de um ensaio pré-show, etc. Por que, então, eu sair de casa para ver um show ao vivo?

Seja num estádio, ginásio ou espaço aberto como o do Rock In Rio, o evento de entretenimento precisa se transformar em vários eventos dentro de um só. Para atingir um público que vai além do fanático, para poder aumentar a receita com patrocínio, para poder dar retorno financeiro ao organizador.

No ano que vem o Rio passará pela experiência de receber os Jogos Olímpicos. De uma forma um pouco diferente, as Olimpíadas promovem diversas atrações para o torcedor que vão além do que só entrar na arena para acompanhar uma competição. São os espaços nos quais os patrocinadores podem fazer ações para o público e criar uma experiência exclusiva só para quem de fato foi ao Parque Olímpico.

Em todo o restante do espaço, a principal atração é a competição em si. Sem desvio de atenção, com a arena lotada e a preocupação de fazer do atleta o astro maior do evento. Se tem algo que o Rock In Rio pode aprender com as Olimpíadas é como fazer com que a sua marca e seus artistas sejam os principais elementos de uma grande festa para as pessoas.

O Rock In Rio pode ensinar muito para o esporte. Mas os organizadores também podem olhar com carinho como o COI trabalha a força da marca dos Jogos Olímpicos e dos seus atletas para fazer com que as lembranças de um dos maiores festivais de música do mundo sejam mais do que voltas numa montanha russa ou numa tirolesa…


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>