Interlagos e o drama do esporte privado no Brasil
Erich Beting
A Confederação Brasileira de Automobilismo anunciou na última quinta-feira que fará uma reunião com a São Paulo Turismo para discutir o que o meio automobilístico tem considerado um ''aumento abusivo'' nos preços para a locação do autódromo de Interlagos, em São Paulo.
A questão revela um problema recorrente do esporte no Brasil, que é a cultura que temos de sempre querer pagar pouco, ou quase nada, para organizar um evento esportivo no país.
O acesso gratuito ao esporte foi uma prática recorrente desde o governo Vargas, quando investiu-se pela primeira vez na massificação do culto às atividades esportivas. Depois, na era militar, essa tornou-se ainda mais recorrente fazer do acesso ao esporte um dever de Estado.
Hoje, porém, o conceito de esporte profissional é completamente diferente daquele que tem de ser oferecido gratuitamente pelo governo. Sim, é função dos governantes garantirem o acesso da população à prática esportiva, mas não quando é para consumirmos o esporte de alto rendimento.
O aumento das taxas para locação de Interlagos tem um propósito claro. A cidade de São Paulo não quer mais ter de perder dinheiro com a gestão do autódromo. Ele precisa ser uma unidade lucrativa. Não há nada de mal nisso, até porque Interlagos é hoje um dos pouquíssimos autódromos existentes no país e em boas condições para a organização de um evento de automobilismo.
E o ponto é exatamente esse. Para que consiga ser bom, o autódromo tem de fazer manutenção, ter melhorias, investir em reformas, etc. Como isso pode ser feito sem que a taxa seja cobrada de quem utiliza esse espaço?
Aí que entra o problema cultural do esporte brasileiro. Não nos conformamos em ter de pagar para consumir esporte. Acostumamo-nos a ter tudo de graça, ou quase isso. E aí quando há uma mudança que vai encarecer a organização de um evento, começa a haver uma gritaria geral de que quem aumenta os valores só pensa em lucro.
Gritar contra a Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos é fácil e correto. Mas como podemos de fato mudar alguma coisa se ainda continuamos a achar que, tirando esses grandes eventos, o governo tem de arcar com os custos de qualquer outro esporte?
Será que dá para pensar hoje em gestão do esporte sem fazer a conta fechar no final do mês? Em todo o mundo já se vão 30 anos, pelo menos, que a resposta para essa pergunta está bem clara.