O futebol e a política sempre se misturam
Erich Beting
Estádio da Amizade, no Gabão. Durante o jogo entre Costa do Marfim e Zâmbia, o gigantesco telão no lado norte do estádio mostrava imagens de algumas personalidades presentes à decisão. Em êxtase, o público que lotou a arquibancada celebrava a cada diferente astro que aparecia no estádio.
Até que, num determinado momento, a câmera focalizou o casal Ali e Sylvia Bongo Odimba, respectivamente presidente e primeira dama do Gabão. Assobios, palmas e uma celebração ecoou em boa parte do estádio (como dito aqui ontem, só Pelé e Eto’o tiveram ovação maior).
O fato é que o povo credita a Bongo boa parte da alegria gabonesa de receber a final da CAN e ainda por cima num belíssimo e moderno estádio.
A expressão “Sim, nós podemos”, que virou moda ao promover a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, foi mais uma vez usada no Gabão para conseguir organizar ao lado de Guiné Equatorial a Copa Africana. Em todo lugar que aparecia, Ali Bongo reforçava a tese de que, ao fazer de forma boa e organizada a CAN, o Gabão mostraria ser capaz de mudar a sua história e ser um “Gabão Emergente”.
O discurso contagiou a população, e o reflexo pode ser visto quando seu rosto apareceu no estádio. A Copa Africana foi usada por Bongo, de apenas 53 anos, para tentar mudar um pouco a expectativa dos gaboneses com relação a seu país. Há dois anos e meio no poder após a morte de seu pai (a família comanda o país há 40 anos), Ali Bongo buscou investimentos estrangeiros para melhorar a infraestrutura de Libreville, capital do país, e teve a “sorte” de ter o principal campeonato de futebol do continente bem no meio do caminho.
Em vez de questionar o meio bilhão de dólares gasto para fazer o estádio para o torneio, enquanto boa parte vive em casas de madeira, a população local engajou-se na ideia da importância de ter o evento para construir o futuro da nação. Enquanto a arena esportiva para 40 mil pessoas ficou pronta em agosto passado, o hospital na mesma região só deve ser completamente aberto para a população daqui a um mês. Próximo a ele, também serão entregue milhares de casas e um bairro planejado, inédito na história de Libreville.
O futebol é só o chamariz popular para que Bongo consiga convencer a população de que é possível ser melhor e não correr o risco de perder o controle da população. Futebol e política sempre andam juntos. Ainda mais em lugares onde a política do pão e circo contribui, e muito, para aliviar o sofrimento de uma população abandonada pelos governantes.
Por isso mesmo a ida dos megaeventos para os países emergentes dos últimos anos mostra claramente que o político já percebeu o poder de manipulação que o esporte tem. Na Europa e nos EUA, com crise econômica e perda de pode aquisitivo da população, a realização de grandes eventos esportivos encontra cada vez mais resistência. Enquanto isso, América do Sul, Oriente Médio, África e Leste Europeu, que sempre ficaram à margem dos grandes acontecimentos, celebram a chance de ser parte do “primeiro mundo”.