O atleta em primeiro lugar
Erich Beting
Quem vem antes, o atleta ou o patrocinador? Essa pergunta era aceitável no Brasil há cerca de 30 anos, quando o marketing esportivo ainda engatinhava e as empresas entendiam que, se pagavam a conta, tinham mais direitos do que deveres. Hoje, a coisa mudou, e muito. O marketing é importante ferramenta para alavancar o esporte e, principalmente, aquilo que é essencial, que é o atleta.
Mas eis que, na cerimônia de premiação da Meia Maratona de São Paulo, no último final de semana, voltamos aos primórdios. O atleta simplesmente foi colocado em último plano exatamente no momento máximo de coroação de sua performance, que é a cerimônia de premiação do evento. A Yescom, organizadora do evento, criou uma nova propriedade para o patrocinador da prova, que é uma espécie de ''front drop'', ou uma placa de publicidade à frente do atleta.
O detalhe, como é possível ver na foto divulgada pela assessoria de imprensa oficial do evento ao final do texto, é que essa propriedade simplesmente faz com que a marca do patrocinador pessoal do atleta seja ''cortada'' na maioria das imagens do pódio. Muitas vezes, é claro, o patrocinador do atleta conflita com o apoiador da prova, mas essa é a graça do marketing no esporte, que é permitir que diferentes marcas tenham diferentes propriedades dentro de um mesmo evento, mesmo sendo empresas que concorrem num mesmo mercado.
Mas aí é que entra o perigo dessa novidade da Yescom. Se a moda pega, o que será do atleta? Como será que ele vai conseguir batalhar por patrocínios pessoais se, em todos os eventos, o seu patrocinador pessoal for suprimido por ações dos organizadores do evento. A essência do esporte é o atleta. Sem ele, simplesmente não existe a competição e, também, não existe a promoção dos eventos. Ele está sempre em primeiro lugar, mesmo sendo a parte que menos fatura em toda a máquina do esporte.
Na Inglaterra, uma discussão semelhante toma conta dos atletas que vão disputar os Jogos Olímpicos agora em julho/agosto. O Comitê Olímpico Britânico quer fazer valer o contrato com a Adidas, que exige a todos os atletas vestirem a marca das três listras na cerimônia de pódio. O ponto de discórdia é exatamente o que os atletas irão calçar quando forem receber a medalha. Existe um movimento para fazer com que o britânico que não tiver o patrocínio da Adidas simplesmente entrar descalço no pódio.
Obviamente o patrocínio a atletas é uma forma de marcas concorrentes fazerem emboscada em eventos esportivos. Mas é, também, uma forma de o atleta conseguir aumentar seus rendimentos e, ainda, permitir que mais marcas estejam presentes na indústria do esporte.
O atleta está sempre em primeiro lugar. Afinal, se ninguém mais conseguir correr por falta de patrocínio, o que será da vida de um organizador de provas de corrida? Claro que a hipótese é estapafúrdia, mas a lógica que existe para permitir ao esportista ter o seu próprio patrocínio é exatamente esta. Não adianta pensar no esporte sem pensar, primeiro, no atleta.
O pódio na Meia Maratona de São Paulo com o ''front drop'' dos patrocinadores