O ciclismo e as cidades. Há solução. Porém…
Erich Beting
Na última terça-feira diversos protestos foram feitos em algumas capitais do país contra a morte de ciclistas no trânsito. Na sexta-feira passada foram cinco mortos em cinco cidades diferentes. A CET, em São Paulo, registra a morte de um ciclista por semana (número que representa uma excelente melhora em comparação a 2009, quando eram dois ciclistas que perdiam a vida no trânsito semanalmente). E a discussão, para variar, vira uma gritaria geral de cada lado sem que seja feito de fato um trabalho para mudar a realidade nas grandes cidades brasileiras.
Recentemente fizemos na Máquina do Esporte um mapeamento do mercado de ciclismo no mundo e do Brasil. O estudo mostra que, cada vez mais, uma das alternativas para desengarrafar os trânsitos das grandes cidades é apostar na bicicleta como meio de transporte. E essa também é a grande tendência para marcas e empresas se associarem ao ciclismo. Com o esporte de competição manchado pela divulgação constante de casos de doping, o ciclismo virou uma excelente opção de investimento quando associado a um estilo de vida.
O processo começou em Lyon, na França, em 2004, e rapidamente se espalhou por outras grandes cidades. As prefeituras locais começaram, na marra, a abrir espaço para o uso da bicicleta. Na marra não significa, porém, sem planejamento. Em parceria com empresas privadas, foram traçadas rotas para serem usadas por ciclistas. A relação de ganho é evidente. A cidade cria uma alternativa para ter menos carro na rua, para ter mais gente praticando atividade física e sem precisar gastar dinheiro para isso, já que é a iniciativa privada quem paga a conta. Essa, por sua vez, se beneficia de apoiar uma causa ecologicamente correta, além de se relacionar com um tipo de público extremamente fiel às marcas que apoiam os ciclistas. E, por fim, a população se beneficia em ter meios alternativos para o trânsito e, também, para a prática livre da atividade física.
Esses conceitos, porém, só conseguem ser aplicados quando existe um mínimo de planejamento urbano. No Brasil que se vangloria em ser um dos cinco maiores mercados consumidores de carros no mundo, logicamente o espaço público é, há quase 60 anos, planejado apenas para o automóvel. Sempre a força propulsora da economia representada na figura do carro, com seus planos de 5 anos para pagar e taxas de juros especialíssimas, veio em primeiro lugar nos planos de urbanização.
Mas o próprio caso paulistano desta semana mostra o quão paradoxal é o mercado automobilístico hoje. Não há mais combustível nos postos numa estapafúrdia represália dos caminhões de abastecimento que não poderem entrar na cidade no horário ''normal'' exatamente por conta da saturação das vias públicas de transporte, abarrotadas de veículos.
É uma autofagia completa.
Uma das soluções seria começar a repensar como as cidades lidam com os meios de transporte. E aí São Paulo e o Brasil poderiam, por exemplo, olhar o exemplo de Bogotá, na Colômbia, que não dissipou todo o caos no trânsito, mas conseguiu implementar centenas de quilômetros de ciclovias em relevo tão acidentado quanto o de São Paulo, oferecendo alternativa para as pessoas.
O problema é que pensar em adotar o ciclismo nas cidades significa incomodar um pouco a indústria automobilística. Claro, o cidadão não é a preferência, mas sim os IPVAs, ICMS e afins que serão pagos em toda a cadeia de impostos ligados ao carro. Solução existe e exemplos em diversas cidades do mundo não faltam.
Porém, mais uma vez, falta cérebro e bom senso a quem tem de definir um plano urbanístico para as cidades. O melhor exemplo é a malfadada ciclofaixa de Moema, bairro da Zona Sul paulistana. Ela é a mostra de quão desleixada é a preocupação das prefeituras em resolver o problema do trânsito, ainda mais para quem não representa a maioria dos consumidores. Para quem quiser tentar entender um pouco do enrosco, segue um bom link para leitura (clique aqui).
Em tempo. O mercado esportivo tem hoje, na bicicleta, a sua maior movimentação de receita. O motivo? A adoção cada vez maior da bike como meio de transporte nas grandes cidades. Quase 15% de tudo o que movimenta a economia do esporte vem da bicicleta.
Já passou da hora de resolvermos esse problema.