Negócios do Esporte

A monstruosa diferença entre duas medalhas

Erich Beting

''Vocês vão ter de me engolir''. ''Treinar para quê?''. ''É a malandragem do futebol brasileiro''. Pesquei aqui, no calor da emoção, três das frases que mais me irritam quando queremos estereotipar o esporte mais popular do país.

Quando o assunto é o futebol, o brasileiro torna-se o torcedor mais soberbo que existe. Nunca há, na concepção da torcida, um time mais capaz do que o Brasil. Afinal, é a seleção do talento, da inventividade, da criatividade, do talento individual que faz a diferença.

Acabamos de acompanhar aquela que talvez tenha sido a conquista mais bonita do esporte coletivo brasileiro em Jogos Olímpicos. O bicampeonato do vôlei feminino de quadra é exatamente a antítese do pensamento que infelizmente corrói o futebol no Brasil. A vitória sobre o time dos Estados Unidos, de forma aniquilante, foi daquelas de contar para filhos, netos, bisnetos e encher os olhos de lágrimas.

E é por isso que há um abismo entre o ouro do vôlei e a prata do futebol.

O ouro do vôlei é a vitória do trabalho, do planejamento, da gestão de equipe, da mudança de rumo no meio do caminho para ajustar as coisas, da conquista vinda a partir do estabelecimento de metas e esforço para cumpri-las. O talento ajudou, como em pelo menos três lances fabulosos de Sheila, mas a vitória só veio porque houve trabalho, e sério, para isso.

José Roberto Guimarães é a síntese de que, trabalhando, alcançamos nossos resultados. É inconcebível, sinceramente, aceitar a frase pré-Olimpíadas de Mano Menezes de que o México foi o time que mais bem se preparou para os Jogos. Ora, por que não foi o Brasil? Ou será que na criatividade de um Neymar ou de um Oscar resolveríamos os nossos problemas?

O abismo é gigantesco. Zé Roberto treinou, mudou o posicionamento de jogadoras, cortou a Mari, reformulou o time a poucas semanas da competição e conseguiu alcançar o objetivo. Não dá para imaginá-lo dizer que ''os Estados Unidos se prepararam melhor para os Jogos''. Assumir uma atitude dessas, em qualquer profissão, é inaceitável. Ainda mais no esporte, em que o treino e a preparação são fundamentais para gerarem resultados.

Quando muito discutimos por aqui o Brasil dos megaeventos, sempre surge a crítica de que não temos capacidade para realizar essas competições, de que haverá roubalheira, de que tudo será no ''jeitinho'' e assim por diante.

O tricampeonato olímpico de Zé Roberto poderia servir de exemplo para aprendermos que ''jeitinho'' pode ser visto não como uma forma de improvisar e mesmo assim obter resultado, mas que é mudar o rumo quando percebemos que aquilo não vai dar certo (como no caso dos cortes pré-Londres ou na saída de Paula Pequeno do time titular durante o jogo com a China).

O maior ensinamento que tiro até agora dos Jogos de Londres e da experiência prévia na Copa da Alemanha em 2006 é de que, para o país ser bem-sucedido nos megaeventos, temos de ser mais Zé Roberto. Planejar, executar, trabalhar. Achar que ''no final dá certo'' é abrir margem para que o improviso absorva toda capacidade de geração de benefícios com Copa e Olimpíada no Brasil.

O relógio já está correndo faz tempo. Precisaríamos, agora, não de um Zé qualquer na cabeça desses desafios. Pena que ainda achamos que o talento é capaz de solucionar nossos problemas.

Seria uma importante mudança cultural para um país que tem a certeza de que pode ser protagonista mundial.