Ressaca olímpica
Erich Beting
Confesso que esperava menos tempo de ressaca. Nas duas últimas Copas do Mundo bastaram uns dois ou três dias para que voltasse à carga com o consumo de esporte depois de um megaevento. Mas já faz uma semana de volta à realidade brasileira e, a não ser por dever de ofício, voltei a acompanhar as novidades das diferentes modalidades no Brasil e no mundo.
A ressaca pós-grande evento é absolutamente natural. Mas sinceramente acho que desta vez ela é maior porque não tem mais o que fazer, discutir ou pensar. A partir de agora, a bola está no Brasil e o relógio faz um tic-tac cada vez mais apressado.
Estive em Londres dois anos e meio antes de as Olimpíadas começarem. O Parque Olímpico ainda tinha muito entulho, mas já era uma realidade palpável. As linhas de trem e metrô já chegavam a Stratford, o estádio Olímpico estava pela metade, o velódromo tinha acabado de ficar pronto, as vias de acesso ao público dentro da região do parque já estavam desenhadas e o projeto de entregar após os Jogos o maior parque da Europa em 150 anos era o que balizava todo o investimento de quase R$ 30 bilhões nas Olimpíadas.
Hoje, são menos de dois anos para a Copa do Mundo. Os aeroportos estão praticamente na mesma, a ampliação de meios públicos de transporte para os eventos é quase inexistente e ainda há muitas dúvidas sobre o futuro das instalações pós-evento. Em relação aos quatro anos pré-Jogos do Rio de Janeiro, o próprio Comitê Olímpico Internacional já disse que a Cidade Maravilhosa precisa urgentemente definir o orçamento para organizar o evento.
O abismo entre os dois mundos choca. Talvez essa seja a pior sensação pós-Londres. Até para um otimista incorrigível como sou, bate aquela incerteza sobre o que esperar do Brasil dos megaeventos. Afinal, ainda tratamos a organização de Copa do Mundo e de Jogos Olímpicos como organizar uma festa de Reveillón, uma etapa da Fórmula 1 ou um belo Carnaval. Só que na prática são eventos muito mais complexos e que necessitam de uma estrutura que, talvez, não estejamos preparados ainda para suportar.
Preparo técnico, nessas horas, sinceramente é o de menos. Será impossível para o Brasil ter apenas um dia de Olimpíada sem um medalhista em 2016 (como foi o Reino Unido este ano), ou então ficar entre os cinco primeiros do ranking (como geralmente se posicionam os países-sedes).
Isso não é motivo para termos vergonha, apenas para rediscutirmos a função do Comitê Olímpico Brasileiro enquanto capacitador dos formadores de atleta no Brasil e do próprio governo como facilitador da prática de atividade física.
O buraco está mais embaixo e, particularmente, não acho que envolva o esporte necessariamente. Precisamos mostrar que realmente somos uma nação preparada para ser protagonista mundial. Que é a quinta maior economia do mundo tendo excelência em serviço, atendimento ao cidadão, civilidade.
Como estão andando as coisas, faremos uma Copa e uma Olimpíada bem ao estilo que tanto marcou o Brasil nas últimas décadas. Com muita alegria e charme, mas sem o grau necessário de profissionalismo que eventos desse porte exigem. É nessas horas que qualquer comparação com Londres faz bater uma ressaca olímpica.
Espero, como cidadão brasileiro e profissional que atua com o esporte no país, queimar a minha língua de forma jamais vista. Mas uma semana depois de voltar de Londres, continuo com aquela sensação de que era melhor ter parado por ali antes de extrapolar na dose…