Zé Love e o planejamento de carreira no esporte
Erich Beting
“Eu já joguei em clube pequeno, já precisei me sujeitar a um tipo de situação como essa de ter que espera resposta de clube. Mas meu pai me ensinou que eu tinha que ter dignidade. Eu não posso ficar esperando no hotel. Eu tenho contrato de quatro anos com um grande clube. Não preciso esperar em hotel”.
Dessa forma o atacante Zé Love, ex-Santos e atual Genoa, da Itália, explica o motivo de ter desistido de esperar uma semana para ser ou não contratado pelo Milan (a matéria completa de José Ricardo Leite está disponível aqui).
Ok, cada um sabe onde o calo aperta, mas o caso de Zé Love é a típica mostra de como falta planejamento de carreira para a maioria dos atletas, especialmente no Brasil, país em que o tema começa, timidamente, a ser debatido agora.
Muitas vezes o atleta não tem a menor preocupação em saber como será sua vida dali a dez anos. Quase sempre, sua preocupação é com o momento, com o próximo jogo, com o salário que vai cair no final do mês. A maneira como ele se comporta fora de campo, os negócios que ele faz quando não está jogando ou até mesmo o que ele fará quando o ápice físico terminar são sempre deixados para escanteio, meio que naquela sensação de que é só ''fazer um gol e está tudo resolvido''.
E a dúvida que perdura é a seguinte: entre ser o atacante da Genoa ou mais um atacante do Milan, o que você escolheria? A preocupação que você tem de ter é com o agora ou com o futuro? Será que passou pela cabeça de Zé Love estudar um pouco a história do clube milanês e perceber que ele poderá, ali, criar um plano de carreira num dos cinco clubes mais vitoriosos do mundo? Basta ver o histórico do Milan com atletas brasileiros e, mais do que isso, com jogadores com idade mais avançada e que permanecem vinculados ao clube, durante e depois de encerrar a carreira de atleta.
O maior entrave para uma profissionalização maior do esportista no Brasil é exatamente a forma como eles ainda trabalham o seu relacionamento com o empregador e, mais do que isso, a forma como o atleta se vê. Com o assédio enorme de terceiros, o esportista quase sempre se fecha num círculo íntimo para cuidar dos compromissos fora de seu ramo de atuação.
São os pais, os parentes ou os amigos de infância geralmente que tratam dos negócios do atleta. Ou, às vezes, um empresário que está mais de olho na lucratividade de uma transferência do que em olhar para o futuro da pessoa depois que a carreira tiver fim. Ao jogador, fica restrito o trabalho para obter a melhor performance esportiva possível.
Isso impede que, no Brasil, tenhamos uma indústria formada para trabalhar o planejamento de carreira para esportistas. E o maior entrave é exatamente pelo fato de, quase sempre, os amigos e familiares de atletas simplesmente não conseguirem enxergar (ou aceitar) queda no rendimento esportivo e, consequentemente, desvalorização dele no mercado. A emoção geralmente fala mais alto, e o passado sempre é levado em conta, sem olhar para o presente e, mais ainda, o futuro da pessoa.
Quando apareceu no mercado, a 9ine parecia que poderia assumir essa condição de percussora do trabalho de gestão e planejamento de carreira dos atletas. Mas, aos poucos, a empresa se posicionou mais para a área de planejamento de exposição do atleta na mídia e, assim, com aumento de geração de receitas a partir desse aumento de presença na mídia (Anderson Silva é o melhor exemplo disso).
Com essas e outras, continuamos carentes, no Brasil, de um serviço que mostre ao atleta a importância de ele olhar o futuro, e não o dinheiro do presente. Recusar o Milan por ter de esperar uma semana para saber se seria contratado ou não pelo clube é fechar uma porta que possivelmente não vai se reabrir para Zé Love. Daqui a 20 anos, ser um ex-jogador do Genoa possivelmente não causará o mesmo impacto do que ter sido um atleta do Milan.
A dignidade, invariavelmente, atrapalha e muito num planejamento mais longo de carreira. Zé Love, infelizmente, que o diga.