Um passo maior que as pernas
Erich Beting
Ricardo Teixeira e Carlos Arthur Nuzman não são os melhores amigos, mas com certeza compartilham de muitos hábitos parecidos. O principal deles talvez seja a vontade de permanecer no poder. Na década passada, os dois principais dirigentes do esporte brasileiro nunca haviam tocado tão de perto o céu quanto poderiam algum dia ter sonhado.
Quer dizer. Pela sede de poder que ambos sempre demonstraram ter, talvez realmente algum dia eles tinham imaginado algo similar, talvez até mais poderoso como ser o presidente da Fifa (no caso de Teixeira) e do COI (no caso de Nuzman). Se o projeto de internacionalização não havia vingado ainda, pelo menos o de extrema concentração de poder nacional era uma realidade.
Em novembro de 2007 Teixeira tornou-se soberano como jamais visto no futebol. A CBF, entidade que presidia, era a instituição esportiva de maior faturamento no país e, além disso, o dirigente havia sido responsabilizado pelo feito de trazer a organização da Copa do Mundo para o Brasil após 64 anos. A jogada de mestre se deu nos bastidores, ao unir todas as confederações da América do Sul em prol da campanha brasileira para ser sede do Mundial de 2014.
Em outubro de 2009 foi a vez de Nuzman atingir esse patamar, ao trazer, pela primeira vez na história, uma edição de Jogos Olímpicos para a América do Sul. Não, claro, não foi só ele quem conseguiu o feito. Mas, assim como Teixeira, o cartolão do COB foi apontado como o grande artífice da vitória brasileira.
E por incrível que pareça foi exatamente ao atingirem tal patamar que os dois mais poderosos dirigentes esportivos do Brasil nas últimas duas décadas começaram a perder força. Ou melhor, a não conseguir concentrar tanto poder em suas mãos.
Teixeira, saído pela plataforma de embarque dos fundos para Miami, não conseguiu comandar a CBF e o COL (Comitê Organizador Local da Copa) ao mesmo tempo. De tão concentrado que ficou o poder em suas mãos, ele esvaiu-se após sucessivos escândalos até menos absurdos daqueles de dez anos antes, revelados pelas CPIs na Câmara e no Senado e que viraram pizza sepultada ainda mais pela escolha do Brasil como sede do Mundial.
Agora é a vez de Nuzman começar a sofrer pelo excesso de poder nas mãos. Assim como Teixeira, o chefão do COB quis também ser o manda-chuva do Rio-2016. E o primeiro escândalo já o coloca na berlinda. O download ilegal de documentos do Comitê Organizador de Londres-2012 pode até passar por ingenuidade, mas do jeito que repercutiu entre os britânicos, deixou ainda mais queimado o filme de Nuzman, que já sofre restrições por ser o primeiro presidente de uma confederação nacional a querer também comandar um comitê organizador de Olimpíada.
O destino de Nuzman talvez não seja o mesmo de Teixeira, apesar de ter muita gente torcendo para que seja. Mas o fato é que, após quase duas décadas de concentração de poder nas mãos, os dois chefões do esporte brasileiro tiveram de começar a abrir a mão de tanta centralização. É o famoso passo maior que as pernas que, ao que tudo indica, os dois dirigentes deram.
No caso do futebol, a saída de Teixeira reabriu algumas importantes discussões e, aparentemente, causou nos clubes aquela ''coceira'' para que eles tenham mais poder e, consequentemente, melhorem o nível técnico dentro do país. Já no caso dos outros esportes brasileiros, o enfraquecimento da dinastia Nuzman pode causar um rompimento nunca antes visto.
Momento melhor para isso não há, já que a realização das Olimpíadas no Rio em 2016 abriu uma enorme condição para que toda a cadeia produtiva do esporte dependesse menos da verba sempre concentrada nas mãos do COB e passassem a viver de dinheiro que passou a ser investido sem antes passar pelo aval da entidade nacional.
O fato é que podemos viver o começo de mais uma mudança. Que parecerá gigantesca num primeiro momento, pequena num segundo e, se estivermos preparados, significativa no longo prazo. Como sempre mostrou a história, ter muito poder não significa poder fazer o que bem quiser. Pelo contrário. A concentração de poder geralmente causa, mais para a frente, o acúmulo de inimigos querendo mudar o jogo.
Curiosamente foi justamente na hora em que mais poderosos ficaram Teixeira e Nuzman, mais fragilizados eles se tornaram…