A imagem que denigre o futebol aos poucos
Erich Beting
Aqui em São Paulo, a capa do diário ''Lance!'' desta quarta-feira, dia do decisivo jogo do São Paulo contra o Atlético-MG pela Copa Bridgestone Libertadores, evoca o personagem Jason, da famosa série de terror ''Sexta-Feira 13'', para fazer com que o Tricolor ''siga vivo'' na competição.
A ideia é ''ressuscitar'' uma brincadeira que deu certo em 2008, quando o São Paulo parecia que não conseguiria ser campeão brasileiro e conquistou o hexa. Mas o problema é exatamente esse. Ao mesmo tempo que apregoa uma brincadeira, ela incita, indiretamente, à violência.
Jason é um personagem agressivo. Nada parecido com o que sempre caracterizou o São Paulo. Historicamente, o Tricolor ficou conhecido como o ''Time da Fé'', aquele que consegue milagres e assim ganha títulos.
O símbolo usado para marcar essa ''fé'' foi o santo Paulo mesmo, simpático ''vovô'' com a camisa do clube. Ok, não é um personagem que hoje se aproxima do público jovem, mas também será que o Jason é o mais adequado? Afinal, a série de terror fez sucesso nos anos 80. Hoje, um jovem na faixa dos 20 anos de idade mal sabe o quão pavoroso era pensar em ''Sexta-Feira 13'' e Jason.
O fato é que a capa do jornal, em si, mostra o quanto os clubes de futebol abandonaram algo que sempre foi bem explorado no passado.
Por incrível que pareça, numa era em que o marketing está muito mais em voga dentro das instituições esportivas, o conceito de criação de identidade de uma marca e sua consequente exploração está completamente em desuso. Os clubes simplesmente não trabalham suas marcas e subprodutos com os torcedores.
Era até concebível que, nos anos 60 e 70, a mídia embutisse apelido aos times. Sem um departamento de marketing, tendo os veículos de comunicação como únicos formadores de opinião e meios de consumo da informação, era até natural que a mídia fizesse ''pegar'' alguma característica do clube.
Hoje, com os clubes tendo em seus sites oficiais mais audiência do que muito portal de notícias, com departamentos de marketing estruturados, com oportunidade de lançamento de produtos licenciados e mais uma infinidade de temas relacionados ao consumo e formação de torcedores, o clube não pode largar à deriva sua marca.
Do jeito que está hoje, com raríssimos movimentos de preocupação em trabalhar o conceito de marca dentro dos clubes brasileiros, o futebol no país deixa uma sensação de que poderá, em breve, perder muito com esse sentimento violento que mesmo de forma subliminar o acompanha.
Não são apenas horários esdrúxulos, dificuldade em acesso ou pouco conforto que tiram o torcedor dos estádios. O local que deveria ser de confraternização das pessoas foi se transformando ao longo dos anos em pequenos reprodutores de períodos de guerra. Torcidas separadas por policiais, segmentação de espaço, insegurança dentro e fora do estádio… Sim, muito já melhorou, mas o abalo de imagem já está feito, ainda mais quando temos relatos recentes como os que envolveram torcedores nos últimos meses.
O futebol precisa de um choque na gestão de sua imagem. Os clubes quase sempre se preocupam em saber quantos torcedores têm, sem querer entender melhor como essas pessoas enxergam suas instituições.
Foi isso que fez, por exemplo, o Manchester United deixar em segundo plano o conceito de ''Diabos Vermelhos'' para enfatizar o ''Teatro dos Sonhos'' de seu estádio Old Trafford. É uma imagem muito mais receptiva às pessoas. Sim, os Red Devils continuam a existir e a gerar negócios (um deles, ótimo, com o vinho chileno Casillero del Diablo). Mas não são mais a principal característica do Manchester, que com isso tirou a imagem de violência que ainda hoje afeta o futebol na Inglaterra.
O futebol no Brasil está chegando num limite de abandono de imagem. Precisa repensar, urgentemente, de que forma são tratadas as marcas do clube e do próprio futebol. Do contrário, o Jason ressurgirá e seguirá assassinando as pessoas de bem que só querem curtir um momento de lazer quando pensam em futebol.