A nova tentativa de mudar as datas do futebol
Erich Beting
Duas notícias de destaque no UOL desde a última segunda-feira dão bem a tônica de que o futebol na América do Sul vai tentar começar a discutir uma necessária mudança de calendário para os próximos anos. A primeira foi a enquete com os mais de 100 jogadores em atuação no país. Nela, com o benefício do anonimato, boa parte dos atletas critica a discrepância do calendário de jogos do Brasil, considerando que há muito mais partidas do que na Europa. A outra é a declaração do novo presidente da Conmebol, Eugênio Figueiredo, de que pensa em enxugar as datas da Copa Bridgestone Libertadores, que atualmente tem 138 jogos.
As duas ideias são muito boas, mas não conseguirão ser implementadas. Pelo menos não do jeito como está estruturado o futebol na América do Sul.
Sim, temos um calendário extenuante para o atleta. Ao todo, um time como o Corinthians pode, neste ano de 2013, vir a fazer 85 jogos oficiais de competição. Só para comparar, o Barcelona, que tem um dos calendários mais puxados entre os grandes da Europa, faria no máximo 65 partidas oficiais, se chegasse a todas as finais dos torneios que faria.
A redução de jogos da Libertadores ocupa um máximo de 16 datas dos clubes. São dois jogos da fase preliminar, seis da de grupos e mais oito numa eventual corrida até o título. Na Conmebol, a redução do número de jogos representaria uma mudança na geração de receita da entidade. Acredito que, quando tiver de sentar à mesa para conversar com os patrocinadores e televisão, Eugênio Figueiredo perceberá que será prejudicial para ele modificar muita coisa na competição.
Pronto, o problema está resolvido!
Seria aparentemente simples, não fosse por um ''detalhe''. Não só a estruturação política do futebol no Brasil dá poder às federações como a distribuição de renda pelos clubes impede que os Estaduais acabem.
Hoje, os grandes de São Paulo e do Rio de Janeiro recebem um caminhão de dinheiro da TV pela disputa do Estadual. No caso dos times paulistas, só para entrar no campeonato são R$ 10 milhões. Considerando a incapacidade atual de os clubes dependerem menos da verba de televisão, essa é uma verba difícil de ser simplesmente evaporada das mãos dos clubes. O cenário tem melhorado sensivelmente e é bem possível que em cinco anos, no máximo, a TV deixe de ser tão fundamental na vida dos times grandes.
Aí entra o outro porém de mexer nas competições locais.
A equipe pequena tem hoje a sua sobrevida pelos Estaduais. O fim dos torneios, ou mesmo uma reordenação do calendário para que os grandes joguem menos, significaria uma perda substancial de receita para os menores, sendo que alguns deles não teriam outra coisa a fazer a não ser fechar as portas, o que desbalancearia toda a cadeia do futebol. Sem os times maiores, naturalmente o interesse da TV e dos patrocinadores diminuiria. E, para jogar, os grandes vão exigir dinheiro. É assim que a cadeia funciona.
Em breve deveremos rediscutir a quantidade de jogos no futebol brasileiro. Até pela redução do interesse do público nos Estaduais, é natural que tenhamos esse debate. Mas essa nova tentativa de mudar as datas esbarra numa realidade completamente distinta vivida pelo futebol no Brasil. Com uma dimensão continental e uma razoável quantidade de clubes por estado, é difícil imaginar a supressão dos torneios estaduais. Mas com os clubes maiores menos dependentes da receita dessas competições, é inviável também mantê-las no formato atual.
O Brasil não poderá ter um calendário baseado apenas nos clubes grandes como é na Europa. Mas é bem possível que os clubes grandes passem a relegar os Estaduais a times reservas, como já acontece em alguns estados. Enquanto a TV pagar a maior parte da conta e as federações definirem os caminhos políticos da bola, é impossível tentar mudar radicalmente a distribuição das datas no país.
Do contrário, criaríamos um enorme problema para o futebol brasileiro.