O que fizemos com os Estaduais?
Erich Beting
O fim de semana foi de definição de mais alguns campeonatos estaduais pelo Brasil. E, dada a repercussão fugaz dos vencedores, a pergunta clara que se faz é: ''O que fizemos com os Estaduais?''.
Há questão de 15 anos, ser campeão estadual era, para os clubes, motivo de verdadeira comemoração. Torcida e mídia celebravam os campeões, produziam revistas especiais sobre a conquista, ocupavam semanas na TV para falar dos vencedores. No dia seguinte ao título, a cidade do vencedor era colorida pelas orgulhosas camisas de campeões, ou pelas faixas alusivas a mais um troféu.
O fim de semana em São Paulo foi até que relativamente silencioso para ser decisivo. Quase nenhum foguetório, nenhuma festa na Avenida Paulista ou num local para aglomeração do público. Nada disso. Só um ou outro rojão, uma buzina tocando aqui ou ali durante cerca de uma hora depois do jogo.
A festa que o torcedor faz pelos Estaduais já não tem a mesma graça de outros tempos. Ser campeão do ''Paulistinha'' é reduzido a isso, uma conquista menor, quase um prêmio de consolação para quem não obteve taças mais importantes de competições nacionais ou internacionais.
Foi assim em São Paulo, como provavelmente foi assim em outras cidades pelo Brasil. Em Belo Horizonte, o atleticano logicamente fez troça em cima do cruzeirense, mas está mais preocupado com a viagem para o México do que com o festejo do título mineiro. Afinal, de que adianta vencer o Cruzeiro mas perder do Tijuana pela Libertadores?
Para piorar, já no domingão entraremos em outra realidade, sem tempo de respiro, de repensar elenco, de reformar na cabeça o time titular. Começa logo o Brasileirão, aí sim competição ambicionada pelos 20 times que lá estão, com o torcedor preocupado em olhar a tabela e sonhar com o título ou, pelo menos, com uma vaga em Libertadores e, de preferência, o rebaixamento do maior rival para a Série B.
Daqui a pouco ainda engrenamos na Copa do Brasil e na Sul-Americana. Tudo isso tendo no meio de nos preocuparmos em tentar achar um time para o Brasil jogar a Copa das Confederações e nos jogar o clima de Copa do Mundo garganta adentro, no mais puro estilo ''vocês vão ter de me engolir''.
É tanta coisa que a overbola começa a pagar seu preço. Ser campeão estadual já não é tão legal. Parece mais consolo de quem não teve tudo para brigar por coisa maior do que, realmente, um sinal de superioridade sobre os demais adversários. A falta de empolgação do público é o primeiro sintoma de que as coisas precisam mudar urgentemente, ou então daqui a pouco só teremos torcedores de fato entusiasmados com o futebol em 10 a 20 datas das 70 separadas para o futebol no nosso calendário.
E é aí que entra o ponto de debate. Será que o Brasil precisa de tanto futebol assim? Para um país que em três anos abrigará os Jogos Olímpicos não seria mais interessante abrir espaço na mídia para outras modalidades? Por que em vez de ocuparmos tempo com as finais dos Estaduais não estamos debatendo, com grande destaque, a decisão do basquete nacional? Por que nos preocupamos em mostrar reportagem sobre a Liga dos Campeões da Europa no tempo técnico da decisão da Superliga feminina de vôlei?
O ocaso dos Estaduais para o grande público é o reflexo direto da falta de planejamento do calendário esportivo brasileiro. Temos totais condições de abrir espaço para outros esportes ganharem o interesse do público e da mídia em períodos nos quais o futebol pode ter um breve descanso. Para isso, porém, é preciso ter um entendimento inicial de que o esporte, no Brasil, não pode ser restrito ao futebol.
Um dos grandes segredos para os esportes nos Estados Unidos terem financiamento está no fato de que eles não se canibalizam dentro da mídia. Há espaço para todas as grandes ligas. A final de uma não interfere na da outra. Por aqui, assim como na Europa, o predomínio do futebol é prejudicial. Esporte mais popular do mundo, ele interfere de forma absurda na exposição das demais modalidades, que ficam relegadas a um segundo plano no número de seguidores e, com isso, na cobertura da mídia.
O baixo interesse dos torcedores em celebrar as conquistas estaduais é um reflexo dessa overdose de competições no futebol brasileiro. Hoje fizemos com que os Estaduais, que tanto foram importantes no passado, sejam meros coadjuvantes na cadeia de consumo do futebol. E isso vai significar, com o tempo, na morte da competição como produto.