Para variar, a relação torcida-clube subverte a lógica
Erich Beting
''Uma torcida que tem um time, e não um time que tem uma torcida''.
A frase é usada sistematicamente para fazer referência ao Corinthians e ao fanatismo de seus torcedores. No passado, quando o termo passou a ser empregado, sem dúvida era uma forma diferente de exaltar o apreço que o corintiano tinha pelo clube e não deixava de ser uma homenagem ao torcedor do Timão.
Hoje, porém, a frase parece não ter mais sentido. Nem tanto pela paixão do corintiano, que segue em alta, mas pelo fato de que é difícil imaginar qual clube no Brasil pode se gabar de dizer que tem uma torcida, e não o contrário.
As recentes e lamentáveis cenas de briga de torcedores em Brasília nos jogos Flamengo x São Paulo e Vasco x Corinthians mostram que a cultura dentro do estádio de futebol continua a mesma.
A tese de que a ''elitização'' dos estádios traria um novo tipo de público para eles e afastaria a violência é tão preconceituosa e furada que em menos de dois meses do término da Copa das Confederações ficou provado que mau torcedor continuará a existir independentemente de local, valor ou acesso ao estádio.
O que precisa mudar, claramente, é a relação que existe entre o poder público e o torcedor-transgressor. A começar pela aceitação de que isso é um problema de fato dentro do futebol brasileiro. A violência ligada ao esporte só gera afastamento de público, e a maior prova disso é que, hoje, os estádios vazios também são um reflexo da onda de violência que impregnou o futebol nos anos 80 e 90, juntamente com o fortalecimento dos corpos organizados.
Não necessariamente a torcida organizada está na origem das brigas ou dos torcedores brigões.
Antes delas já havia disputa entre torcedores. Desde pequeno me acostumei a ouvir as histórias do Tio Nico. O folclore da minha família reza que ele decidia ir aos jogos do Palmeiras na torcida do Corinthians e berrar Palestra até arranjar a primeira briga. Saía do estádio geralmente ensanguentado, mas feliz por ter conseguido acertar um ou outro ''maledeto'' corintiano.
A diferença é que, hoje, a violência tomou outra proporção, não só no estádio de futebol, mas no nosso cotidiano, na nossa sociedade. Tudo está muito mais brutal, cruel e chocante.
Para resolver a violência, é preciso investir em educação, é urgente aumentar a pena aos contraventores, é preciso fiscalizar e punir de forma correta e ágil. Esse é um problema do país. Não só do futebol. Apenas quando houver punição justa e exemplar as pessoas terão receio de cometer um delito. Se não for assim, seguiremos a brigar por um ''ideal'' e a escapar impune disso.
O problema da violência nos estádios não é a torcida organizada, mas a falta de segurança que acomete o brasileiro.
Mas o problema dos clubes é, sim, a torcida organizada. Ela é, hoje, muito mais nociva a eles do que se pensa. A maior prova está no recente acordo fechado pelo Paraná Clube com a Torcida Fúria Independente. No próximo final de semana, mais uma vez o Paraná entrará em campo pela Série B do Brasileiro com as iniciais da torcida na camisa do time. A aparição é fruto de um patrocínio que a TFI fez ao clube (detalhes podem ser lidos aqui). A partir do momento em que a torcida tem dinheiro para investir no clube, está tudo absolutamente errado.
Ao angariar sócios e vender produtos sempre baseados no time de futebol, a torcida tira dinheiro da entidade pelo qual seus associados ''torcem''. A receita que move essas torcidas deveria, num cenário correto, pertencer ao clube, que empresta sua imagem para a ''torcida'' faturar, mas que deveria ser remunerado por esse empréstimo.
A violência não é exclusividade dos organizados e, muito menos, do futebol.
Hoje, o maior dano que uma torcida organizada causa a um clube é econômico. Se a lógica dessa realidade for invertida, naturalmente os clubes voltarão a ser ''donos'' da torcida, e não o contrário.