Negócios do Esporte

Bom senso

Erich Beting

Para uma parte da minha geração, dizer que algo era uma questão de ''bom senso'' soava como uma propaganda dos cigarros Free. O fato não acusa tanto a minha idade, afinal eu era moleque de uns 8 anos de idade quando via o comercial que terminava dizendo ''Free. Questão de bom senso''. Para falar a verdade, uma propaganda de cigarros disponível para criança assistir durante a programação da TV é que não era, exatamente, uma questão de bom senso.

Talvez esse seja o motivo para, nos últimos tempos, o bom senso ter sido cada vez mais deixado de lado no nosso cotidiano. No trânsito nas ruas, nas horas trabalhadas, nos preços cobrados por estacionamentos, bares, restaurantes e hotéis das grandes capitais do país, nos relacionamentos cada vez mais virtuais e menos reais, nas reações contrárias às opiniões dos outros, na intolerância com o erro (geralmente com o erro alheio), na abordagem de vários temas da nossa sociedade, em quase tudo o que está ligado ao esporte.

Por essa razão, o aparecimento do Bom Senso F.C., movimento liderado por alguns dos atletas mais expressivos do atual futebol brasileiro, é um tiro certeiro no que hoje parece ser o grande problema do esporte para os próximos anos. A exuberância dos gastos turbinada pela nova cota de televisão e por ilusórios acordos de patrocínio começa a deixar seus rastros.

Assim como os R$ 0,20 de junho não foram o único motivo para que as pessoas protestassem pelo país, agora não é só a proposta de calendário feita pela CBF que revoltou os jogadores. Ela foi aquela gota d'água que transbordou.

Na lista dos 75 primeiros signatários do manifesto, a maioria dos atletas havia jogado no exterior. É, mais ou menos, aquela história. O cara viajou, viveu outra realidade, voltou e, agora, percebeu que não dá mais para ser do jeito que está e que sempre foi.

Sim, o atleta é muitas vezes muito bem remunerado para jogar. Mas será que ele pode dizer que tem vida além do trabalho?

Um jogador de futebol, no Brasil, trabalha 350 dias por ano, no mínimo. Não há folga de final de semana, não há feriado prolongado, não há, praticamente, convívio com a família, graças à militarização imposta pelo ''regime de concentração pré-jogo''.

Por isso mesmo a proposta de um calendário mais enxuto nas datas, mas não nos compromissos, fez o copo transbordar.

As principais reivindicações, que são a mudança no calendário e a criação de um sistema mais justo de remuneração aos atletas, impondo limites aos clubes, são reflexo dessa falta de controle que sempre existiu no futebol brasileiro.

Assim como aconteceu no início dos anos 2000, quando acabou a farra do dinheiro injetado pelos grupos de investimento, chegou a vez de a grana que foi jorrada nos últimos anos ficar mais curta. E isso vai causar, naturalmente, atraso no pagamento de salários ou mesmo o calote para alguns atletas.

O bom senso que a turma do Bom Senso pede é mais uma prova das bizarrices que o esporte no Brasil é capaz de produzir. O empregado está pedindo ao patrão para pegar leve na falta de equilíbrio. Quando isso acontece parece que já passou, e muito, da hora de os clubes começarem a agir de forma mais racional.

É impossível achar que o movimento ''não dará em nada''. No mínimo uma geração de atletas mais questionadora do status quo apareceu. Isso é fundamental para que as mudanças sejam feitas.

Demorou, mas finalmente parece que o bom senso começou a chegar no futebol do Brasil…