Vergonha de quê?
Erich Beting
''Vergonhaaaaa, vergonhaaaaa, vergonha, time sem vergonha''…
Assim parte da torcida do Palmeiras ''celebrou'' o regresso do clube à Série A do Campeonato Brasileiro, em 2014.
Sim, é verdade que quem entoou esse coro foi o grupo da Mancha Alviverde, a mesma torcida que usa o nome e a marca do clube sem dar absolutamente nada em troca para isso, e que o grito foi rapidamente sufocado por vaias do restante dos mais de 30 mil presentes no estádio do Pacaembu. É verdade, também, que, se não tivesse havido o racha entre a torcida organizada e a diretoria, no começo do ano, possivelmente ela só cantaria e vibraria pelo alviverde inteiro.
Mas ficou um quê de vergonha para o torcedor palmeirense neste ano de 2013, não há dúvida.
Vergonha de ver o time ter de jogar a Segundona pela segunda vez.
Vergonha de não conseguir duelar com ''a elite'' no Paulistão, na Libertadores e na Copa do Brasil.
Vergonha de ver os rivais celebrarem as vitórias enquanto só restava ao torcedor palmeirense ficar ligado no pay-per-view ou nas raras ocasiões em que a TV aberta decidia abrir espaço para o outrora alviverde imponente.
Vergonha criada, principalmente, pela vergonha da diretoria palmeirense em assumir a fraqueza e transformá-la em virtude.
Há dez anos, Palmeiras e Botafogo inauguraram a era de que ''time grande cai'' no futebol brasileiro. Depois das mesas viradas e subidas-relâmpago, a CBF tomou o mínimo de juízo e decidiu impedir que mesas tombassem em detrimento da moral já abalada do futebol tupiniquim. Naquela ocasião, em que tudo era novidade, inclusive o comportamento do torcedor diante da hecatombe, era justificável que o clube centrasse os esforços no retorno à elite.
Em cinco anos, porém, essa história mudou. Depois de o Atlético-MG ter feito algum estardalhaço com a euforia do torcedor no regresso à elite em 2006, foi a vez de o Corinthians fazer do limão da Série B uma boa limonada. O ''Bando de Loucos'' que embalou o time desde então foi formado ali, no doído rebaixamento na última rodada do Brasileirão de 2007. Surgiu o conceito do ''Eu nunca vou te abandonar'', que impulsionou as vitórias e as vendas corintianas até ''O Portão'' tocar em alto e bom som num Pacaembu lotado e orgulhoso do retorno de um gigante para a Série A.
O Palmeiras, porém, abandonou o marketing em 2013. Não era de se esperar que a gestão de Arnaldo Tirone fizesse algo quando o time caiu, em novembro de 2012. Mas um belo texto publicado naquele fatídico 18 de novembro, no site oficial do clube, tinha tudo para se transformar no mote da subida. O término dele era emblemático.
''Palmeiras, um amor sem divisão''.
Não há vergonha no amor. Ou pelo menos não deve haver. No dia seguinte, na praia do Leblon, no Rio de Janeiro, o presidente Tirone resumia o óbvio. ''Curtir'' o luto do rebaixamento com banho de mar era tudo o que uma dor de amor partido não precisava. E o ''amor sem divisão'' foi sendo colocado para escanteio pelo departamento de marketing do Palmeiras.
Era impossível condenar qualquer clube em 2002 que não fizesse nada pelo torcedor quando o time fosse rebaixado. É impossível, hoje, esquecer daquele que é o mais apaixonado por ele tão logo acontece uma queda, independentemente do tamanho dela.
Mas o Palmeiras esqueceu que o amor não tem divisão.
A tal ponto que, nem na nova diretoria, que prometia sempre pensar pelo bem da instituição tão maltratada nos últimos anos, o torcedor foi colocado em primeiro plano. Talvez por vergonha de admitir que a realidade era aquela, a da Série B. Talvez por não entender que é preciso alimentar a paixão para ser ainda melhor.
A vergonha, afinal, é de ver o time na Série B? E qual é o problema disso? O grande barato da paixão clubística é exatamente o fato de ela nunca dividir, mas sempre multiplicar, para usar a espetacular definição de Mauro Beting.
O que mais alimenta o marketing esportivo é a paixão do torcedor pelo clube, pelo atleta, pelo esporte. As marcas no esporte são fortes como nenhuma outra consegue ser. Só com muito descaso pelo torcedor que o sentimento de vergonha suplanta o do amor.
O maior erro do Palmeiras não foi ter caído, mas foi não ter aproveitado a queda para fazer ressurgir a paixão de seu torcedor pelo alviverde inteiro. Um clube que se orgulha de ter milhões de torcedores não soube olhar por eles.
Se, no dia da volta, quando o palmeirense pode finalmente olhar nos olhos dos torcedores rivais sem aquele sorriso amarelo, surgem vaias e gritos de ''time sem vergonha'' no estádio, o que será dali para a frente?
Pelo menos o ano do primeiro centenário palmeirense será celebrado junto dos maiores rivais. Resta saber se a diretoria deixará de ter vergonha do amor que existe pelo clube. Independentemente da divisão.