Negócios do Esporte

Até quando?

Erich Beting

Hoje seria dia para falar sobre os erros e acertos de quem ganhou e perdeu no Brasileirão. Ou, então, de enfatizar o estágio ainda de semiprofissionalismo em que alguns times do futebol no país se encontram e que explicam, em parte, como o campeão de 2012 é rebaixado em 2013 no campeonato. Ou como um clube recém-promovido da Série B consegue chegar em terceiro lugar no ano seguinte apenas por fazer o dever de casa, enquanto os clubes, na sua maioria, enchem os cofres de dinheiro, mas os esvaziam com a rapidez e a irresponsabilidade de um estagiário em seu primeiro salário.

Mas, para variar, uma briga generalizada na arquibancada de uma partida tirou o brilho de um campeonato que teve a constelação cruzeirense campeã, mas que pouco, ou quase nada, brilhou.

Campeonato que ficou marcado pelos jogadores sentados nos chãos, de braços cruzados, trocando bola por quase um minuto, dando um recado mais do que sabido a quem (des)gerencia o futebol brasileiro.

Campeonato que teve como eclipse um jogo paralisado por mais de meia hora por conta de uma briga que terminou em feridos hospitalizados e cenas que chocaram quem ainda acha que futebol é algo para se divertir.

O problema não é essas imagens rodarem o mundo e colocarem mais uma vez em questão o que acontece com o país que abrigará a Copa do Mundo daqui a quase sete meses.

O problema é que essas imagens não são novidade há pelo menos 20 anos no país que se orgulha de ser ''do futebol'' e único pentacampeão do mundo.

Para quem é fanático pelo esporte, como sempre fui desde pequeno, não serve o rótulo de que ''é só futebol''. Mas para quem é fanático em trabalhar com esporte, como me tornei ao longo dos últimos 13 anos, não serve também o rótulo de que ''isso é o futebol''.

Em 2000, quando as arquibancadas de São Januário cederam na final da Copa João Havelange, parecia que aquele seria o início do fim.

Fim das gestões amadorísticas e popularescas personificadas na figura de Eurico Miranda.

Fim do descaso com o conforto e a segurança daquele que é o financiador do futebol, que é o torcedor.

Fim do ''diz-que-diz'' da mídia que posa de boa moça e paladinos da justiça quando essas brigas rolam pela arquibancada, mas que é a primeira a querer criar polêmicas vazias às vésperas de jogos só para ''dar audiência'', sem se preocupar com o peso das palavras, escritas ou faladas, que arrotam antes das decisões e criam o clima beligerante para quem vai ao jogo.

Fim do despreparo de quem vai trabalhar com a segurança de uma partida de futebol, seja ela pública ou privada, sempre tratando o torcedor como transgressor antes mesmo de uma pretensa infração à lei.

Fim dos torcedores que atuam em bando, transformando-se de garotos responsáveis em bárbaros sanguinários, no melhor estilo ''O Senhor das Moscas'', escrito em 1955 (!) por William Golding.

Mas já se vão 13 anos de São Januário e, ao que tudo indica, o futebol no Brasil continua parado no tempo. Sim, evoluímos consideravelmente em diversos aspectos, mas alguns princípios básicos de gestão continuam num Período Pré-Cambriano.

As receitas dos clubes infladas por novos acordos de televisão e material esportivo mascaram o que há de mais arcaico na gestão do futebol, que é o relacionamento com o torcedor. Ir a um estádio de futebol é, antes de um programa, uma aventura. Não há conforto, não há segurança, não há tratamento do torcedor como consumidor, mas como um operário dentro de uma fábrica inglesa do século XVIII, sem quaisquer condições humanas de tratamento.

Em 15 de abril de 1989 (!), a Inglaterra teve de assistir à morte de 96 torcedores por negligência policial e despreparo de relacionamento com o público para começar a mudar a realidade do tratamento com a torcida de futebol no país.

Reportagem de hoje do diário Lance! mostra que já são, desde 1988, 234 mortos em confrontos de torcedores no pretenso ''país do futebol'' (leia aqui). Já temos quase três tragédias de Hillsborough nos últimos 25 anos e nada, absolutamente nada, foi feito para melhorar e conter esses números.

Está claro que o problema não é só da torcida organizada. Hoje, a epopeia de um torcedor para conseguir chegar a um estádio de futebol para acompanhar seu time já dá motivos suficientes para ele adentrar a arquibancada com a cabeça cheia, querendo extravasar todo o mau trato sofrido pelo caminho. Dentro do estádio, nada é feito para melhorar o humor desse torcedor, que só tem a partida em si e o torcedor rival para descarregar a angústia, a frustração e o stress ao qual ele foi submetido nas horas anteriores.

O torcedor briguento não é vítima, mas também não é o único vilão nessa história.

Até quando teremos mortes e violência povoando um ambiente que pretensamente deveria ser de confraternização?

A história da evolução humana mostra que o esporte é um meio de representar, de forma civilizada, o que antes era manifestado em guerras e conquista de povos. Hoje parece que o meio não consegue mais absorver esse conceito.

A história da involução do futebol no Brasil mostra que o esporte é, cada vez mais, um reflexo do processo de desconstrução da vida em sociedade que boa parte do país vive. A intolerância ao outro que encontramos nas grandes cidades é refletida na arquibancada de um estádio.

O problema é que ela é transmitida ao vivo para milhões de pessoas, enquanto que nos faróis, no trânsito, no pedido de esmola, não há narração, comentários e mesas-redondas para debater os principais lances da barbárie.

A violência no futebol tem de acabar, mas é preciso, antes de mais nada, que o país passe a ser mais consciente de que a sociedade tem de dar um basta na violência.

No futebol, há 25 anos que mortes e confusões são parte de uma dura realidade. Para quem trabalha com isso, parece que é hora de dar um basta. Se não for pelo princípio básico de vida em sociedade, que seja pelo bem de quem quer continuar a trabalhar nessa indústria.