Carta para Peter Siemsen
Erich Beting
Caro presidente Peter Siemsen, espero que, de alguma forma, esse texto chegue até você.
Não nos conhecemos pessoalmente, porém admiro muito sua coragem. Ao assumir a presidência do Fluminense, o senhor começou um trabalho árduo para tentar reduzir a dependência que o clube sempre teve da Unimed. Seria impossível romper logo de cara com o ''parceiro'', mas nos últimos dois anos o senhor tem tentado dar a tão sonhada independência perdida lá em 1999, quando o clube precisou dos milhões da empresa de saúde para sair do buraco em que havia se colocado.
Aliás, desde quando o senhor se tornou presidente do Fluminense, o clube parece ter saído das trevas. Investiu em marketing, buscou novas formas de financiamento, negociou parcerias no exterior, trabalhou para resgatar a imagem do Flu.
Agora o senhor talvez tenha em mãos a grande oportunidade para dar um novo significado ao sentimento do que é ser Fluminense.
Pode parecer irônico, ou destino mesmo, que caiu exatamente na sua gestão uma tomada de decisão que pode, de uma vez por todas, mudar a triste história recente do Fluzão que o levou para a situação tão deprimente como a encontrada pelo senhor. Por mais que o senhor diga que o clube não tem qualquer relação com as viradas de mesa do passado, o fato é que o Flu foi o grande beneficiado da desordem que tomou conta do nosso futebol do meio para o fim dos anos 90 e comecinho dos anos 2000. E ficou absolutamente marcado por isso.
O negócio foi tão traumático, presidente, que aconteceram duas CPIs para destrinchar e vasculhar a vida dos principais dirigentes esportivos após tanto desmando e mudança, fora de campo, do que aconteceu dentro dele.
Os grandes heróis não são construídos a partir de vitórias, mas de histórias.
Não sei se o senhor se lembra quem venceu a maratona olímpica feminina de 1984. Quase ninguém sabe, mas com certeza todo mundo se recorda da atleta suíça Gabriele Andersen adentrando o estádio Olímpico cambaleante, esforçando-se para completar os 42km do percurso. Ela ficou em último lugar!
Acredito que o senhor também não se recorda do nome do vencedor da maratona olímpica masculina de 2004. Recordamos, apenas, de Vanderlei Cordeiro de Lima, chegando com os braços abertos celebrando o bronze que valeu mais do que ouro, após ter sido atropelado por um maluco quando liderava a corrida.
Guardadas todas as proporções o senhor tem em mãos, mais ou menos, a oportunidade de ser lembrado para sempre. Não com a triste imagem do champanhe estourado por Álvaro Barcellos lá em 1997, mas por um ato de grandeza digno de heróis de verdade.
Se uma de suas grandes preocupações como presidente do Fluminense é recuperar a imagem do clube, talvez não tenha melhor oportunidade para fazer isso.
A Portuguesa errou, sim. Mas a culpa pelo delito por ela cometido é realmente dela?
Suponhamos que o senhor tropece num buraco na rua e, por fatalidade, caia e acerte uma pessoa, que se machuca seriamente e fica inválida para o trabalho. Essa pessoa decide processá-lo por conta disso. Afinal, você foi quem a acertou e a deixou sem condições de trabalhar. O senhor tem de ser sumariamente condenado a pagar uma pensão vitalícia a ela ou será que há alguém maior que isso envolvido no problema?
Com todas as diferenças e nuances, foi isso o que aconteceu.
Será que o erro é mesmo da Portuguesa ou da incompetência de quem é responsável por organizar o campeonato? Como é que pode não existir uma lista em que estejam os atletas aptos a jogar naquela partida? É mais ou menos como não ter um aviso de que há um buraco na calçada, já que a incompetência do gestor público não permitiu ainda que fosse feito reparo.
Faça do Fluminense o clube que orgulha o Brasil retumbante.
Afinal, o ''delito'' cometido pela Portuguesa foi colocar, por menos de 20 minutos, um atleta irregular. Será que isso é realmente motivo para dizer que o clube precisa cair no lugar de outro que talvez tenha jogado cinco grandes jogos no campeonato e sido medíocre na maior parte do restante da competição?
O senhor é pai de quatro filhos, imagino o quanto seja difícil educá-los a serem cidadãos mais corretos e melhores num mundo cada vez mais individualista e oportunista. Imagine a sensação de, se um campeonato de escola de um deles tivesse tido uma mudança de resultado obtido dentro do campo por conta de um erro e que isso fosse determinar a perda do título de seu filho?
Como o senhor explicaria moralmente para ele que a lei está a favor daquele que foi mais incompetente dentro de campo?
Se isso não serve para o senhor mudar de opinião, então deixe de lado a paixão pelo Fluminense e pense como gestor do clube. O senhor já fez uma análise de prós e contras de uma mudança de classificação do campeonato que beneficiasse o seu clube?
Sim, claro que isso seria excelente para os seus eleitores e até para comemorar o Natal em família mais aliviado. Mas e para a instituição? Será que é realmente esse o melhor caminho? Ficar fadado, para sempre, como o clube da virada de mesa? Por mais que o senhor tente argumentar que o Flu nunca tenha pedido para a mesa virar, ele curiosamente sempre se deu bem nessas transformações do resultado em campo por resultados dos tribunais.
Isso não prejudica o futuro do clube?
O senhor pode escrever uma grande história nessa segunda-feira, caro Peter Siemsen. E o resultado de uma atitude de grandeza pode ser muito maior do que um oportunismo que mascara os erros de um ano ruim.
Espero, caro Peter, que o sentimento de Justiça exista em seu íntimo. O egoísmo, quase sempre, só traz problemas mais à frente. Somos seres que vivemos em sociedade. E, por isso mesmo, em alguns instantes estamos por cima e em outros, por baixo.
Afinal, feio não é cair. É não fazer nada e deixar o outro cair para se safar.