O Brasil hoje é a Inglaterra de 25 anos atrás
Erich Beting
Estádios obsoletos. Violência dentro e fora dos campos. Baixo nível técnico das partidas. Insegurança para quem trabalha com isso. O aparente retrocesso do futebol brasileiro nos dias de hoje tem uma pequena luz no fim do túnel. Somos, atualmente, o que era o futebol na Inglaterra há 25 anos, ou um pouco, mas bem pouco, mais do que isso.
A realidade inglesa do fim dos anos 80, começo dos 90, era tenebrosa. Nos estádios, bandidos travestidos de torcedores tocavam o terror na arquibancada e pressionavam os jogadores por resultados dentro de campo. Nos clubes, havia pouco preparo entre os gestores para conseguir racionalizar os gastos e montar um futebol competitivo. Os gramados eram feios, o futebol dentro dele idem, a seleção inglesa tinha algum lampejo de bom futebol por alguns talentos naturais que brotavam, como Lineaker e Gascoine.
Não havia um sentimento de debate único dentro do futebol inglês. Cada um olhava para o seu problema e tentava seguir adiante. Proibidos de atuarem pelas ligas europeias, os clubes do país não despertavam o interesse dos jogadores e da mídia estrangeiros. O país que inventou o futebol era, naquela ocasião, uma espécie de túmulo do esporte.
Até que veio a decisão, do governo, de reorganizar a modalidade. O famoso Taylor Report, de janeiro de 1990, foi o primeiro divisor de águas. A partir dele, os ingleses exigiram padrões mínimos para os estádios, regras de comportamento dentro deles e, mais importante, mecanismos de punição (e cumprimento das penas) aos maus torcedores.
Isso tudo gerou o início de um movimento de melhorias dentro do futebol da Inglaterra. Quem largou na frente foi o Manchester United, que profissionalizou completamente a gestão do clube em 1992. Na mesma época, não por acaso, os clubes perceberam que, juntos, poderiam obter melhores contratos do que em negociações separadas. Foi a criação da Premier League, a primeira divisão, baseada naquilo que havia nas ligas esportivas americanas e que se adaptava para a realidade do futebol.
Hoje, após 20 anos desse início de movimento, a Inglaterra tem o melhor campeonato de futebol do mundo. É o mais competitivo, o com maior movimentação de receita, maior venda de direitos de transmissão, melhores gramados, melhores jogadores, etc. Tudo isso conquistado após o futebol inglês chegar ao fundo do poço. Nenhum outro torneio na Europa é tão disputado quanto na Inglaterra.
Logicamente isso só é possível de acontecer hoje pela mudança de comportamento em toda a cadeia produtiva do futebol inglês. Mudança que apresenta muitos erros, logicamente (como os donos mais do que suspeitos de muitos clubes), mas que ainda assim chegou ao melhor patamar de competitividade e promoção do evento no futebol mundial.
A cada novo episódio que acontece dentro do combalido futebol brasileiro, fica claro que o fundo do poço se aproxima.
O último movimento mais rígido do governo para tentar melhorar as coisas via lei, como na Inglaterra, foi em 2002, quando foi gerido o Estatuto do Torcedor, que virou lei no ano seguinte, no primeiro ato do governo Lula. Na ocasião, a resposta dada pelos clubes foi a ameaça de paralisar o futebol em maio, quando começava o Campeonato Brasileiro.
Estavam à frente do movimento Eurico Miranda, Ricardo Teixeira, Fábio Koff, Mustafá Contursi, entre outros. Há dez anos, eles eram a liderança do futebol no país. Hoje, dos quatro, apenas Teixeira, que brigou com Joseph Blatter, deixou de ser figura influente dentro do futebol. Eurico volta com força ao Vasco, Koff preside o Grêmio, Contursi segue ativo nos bastidores do Palmeiras.
Como se vê, o futebol brasileiro segue com muitas caras e mentalidades do passado no presente. Isso tem uma relação direta com o que acontece hoje dentro do esporte, em que a truculência é regra. Seja na invasão de um centro de treinamento, seja na pergunta e na resposta de uma entrevista coletiva para a imprensa, seja na maneira como se aceita a derrota ou se comemora a vitória.
O lado positivo de tudo isso é que é possível achar um caminho para sair dessa aparente areia movediça em que se meteu o futebol do Brasil. Mas, para isso, é preciso uma radical mudança de atitude. Que pode, muito bem, começar com uma paralisação, mais do que legítima, daquele que é o principal responsável por fazer o futebol ser um grande barato, que é o jogador.
Sem matéria-prima não há produto. E esse parece ser o único caminho, agora, para fazer com que o Brasil volte para os anos 90 e passe a agir como os ingleses. Mas, dessa vez, aprendendo com os erros lá cometidos para fazer aquilo que não é impossível, embora pareça, que é construir um dos melhores campeonatos de futebol do mundo. Consumidores ávidos para isso existe. É preciso, porém, despertá-los.