Negócios do Esporte

O recado de Real e Barça ao futebol mundial

Erich Beting

Confesso que ainda tenho um hábito ''das antigas'' de consumo de informação. Às segundas-feiras, gasto parte do tempo matinal procurando as capas dos jornais para saber o que passou no fim de semana. Sim, era mais rápido fazer esse tipo de busca pelo Twitter, mas alguma coisa ainda tenho de conservar do tempo em que ''ler jornal'' era uma boa forma de estar atualizado.

E esse hábito, além de servir para comprovar que jornais ainda são feitos com o pensamento antigo, em que a função dele é dar ''notícia'', e não fornecer análises para que eu filtre as zilhões de informações que me são passadas, traz algumas tendências de consumo de informação.

Nesta segunda-feira, por exemplo, o noticiário de esportes dos principais jornais do país tinham como grande destaque o clássico do fim de semana… Na Espanha!!!! Real Madrid e Barcelona ocuparam fotos de destaque nas capas de ''O Estado de São Paulo'', ''Folha de São Paulo'' e ''O Globo''. Não na capa de esporte, mas na capa do jornal, concorrendo com todas as outras notícias do fim de semana. Em outros países, a situação se repetiu. Na Itália, o ''Corriere dello Sport'' foi ainda mais enfático: ''Lição de futebol'', estampava a manchete da principal matéria de futebol num veículo exclusivo sobre esporte.

O sucesso absoluto do eletrizante Real 3×4 Barcelona é um recado ao futebol mundial.

Aos poucos, vamos sofrendo um processo de transformação do futebol num produto tal qual as grandes ligas esportivas dos Estados Unidos. Um esporte dominado por uma elite mundial, com pouquíssimas variações e distinções locais. É mais ou menos esse o resumo que se pode fazer desse clássico espanhol. Um duelo que o mundo inteiro sabia que aconteceria e que, no dia seguinte, continuava a repercutir, ainda mais pelas polêmicas que cercaram o jogo.

Por ser tão enraizado na cultura brasileira, o futebol local ainda tem muito espaço por aqui. Mas, aos poucos, vai dando bola para que as principais potências europeias dominem também o noticiário. Mas não são apenas a presença dos grandes jogadores na Europa que levam a isso.

O clássico espanhol teve muito mais espaço na mídia pelo fato de, por aqui, a concorrência dele no noticiário ser os campeonatos estaduais. A atenção da mídia para o jogo em Madri é uma prova a mais da saturação dos torneios locais. Se estivéssemos numa reta final de Campeonato Brasileiro, possivelmente o duelo dos dois clubes mais ricos do mundo ficaria um pouco mais escanteado.

O ponto, porém, é que o futebol no Brasil precisa, urgentemente, se preparar para não dar mais espaço para o futebol na Europa crescer. Não por ''protecionismo'' ou qualquer bobagem do tipo, mas por uma questão de sobrevivência.

Num mundo cada vez mais interligado, o consumidor sempre vai em busca do melhor produto. Essa foi a grande percepção do futebol europeu há mais ou menos 15 anos, quando a Uefa começou o plano de expansão de seus campeonatos para o mundo. A exportação da Liga dos Campeões dentro de um padrão mínimo de qualidade fez com que, de uma hora para outra, os clubes europeus se tornassem mais ''próximos'' do mundo todo. Ao mesmo tempo, a necessidade de aumentar receitas a partir da expansão de fronteiras gerou um movimento natural de ''invasão'' das grandes potências europeias nos países com um mínimo de uma cultura futebolística.

O dia-a-dia de Real Madrid e Barcelona, por exemplo, é parte do nosso cotidiano tal qual é o dia de um clube de grande torcida por aqui. E isso é preocupante para quem precisa conquistar torcedores, angariar a atenção da mídia e, de quebra, aumentar a receita. Tal qual uma NBA, a Uefa passou a ser o centro que reúne os melhores jogadores, os melhores times e os melhores espetáculos de futebol do mundo.

Há 15 anos, era impensável retratarmos o futebol europeu tendo como enfoque os clubes de lá. Os times eram identificados pelos brasileiros que lá atuavam, nada além disso. Hoje, os jornais destacam frases de Messi e Cristiano Ronaldo, repercute o que falou Sergio Ramos sobre a expulsão. E também, claro, falamos de Neymar. Mas o atleta brasileiro saiu do centro da notícia. Ele deu lugar ao clube, que passou a ser tão ou mais familiar que o pé-de-obra brasileiro em atividade por lá.

O interesse pelo consumo do futebol na Europa é cada vez maior. Isso gera um grande desafio para o Brasil. Não perderemos fãs, mas é bem provável que percamos consumo.

A TV vai ter mais interesse em mostrar a partida de melhor qualidade. O torcedor vai deixar de ir ao estádio para ficar em casa e acompanhar o duelo de seu time de lá. O jogador vai olhar e, em vez de sonhar disputar um jogo num Maracanã lotado (até porque isso é cada vez mais raro), vai sonhar em pisar no Santiago Bernabéu, no Old Trafford, na Allianz Arena, no Camp Nou…

A forma como a mídia deu bola para esse Real e Barça é um recado ao futebol. Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. É urgente que o nível do espetáculo melhore. Do contrário, vai sobrar apenas uma elite de 12 clubes na Europa dominando todo o consumo de futebol no mundo. A mudança é lenta, mas é só ver como mudou o interesse pelos clubes europeus nos últimos 20 anos. Ou o Brasil muda a forma como se vende o produto do futebol, ou a concorrência europeia ficará cada vez maior.

O futebol europeu hoje representa o que as ligas americanas são para os demais esportes. Excelência de qualidade e objeto de desejo de consumo.