Bilheteria cria abismo maior que o de TV no futebol
Erich Beting
Muito se fala sobre a ''espanholização'' do futebol brasileiro quando o assunto é a distribuição do dinheiro de TV. A preocupação é baseada no fato de que Corinthians e Flamengo ganham muito mais do que os outros para ter os jogos exibidos na telinha. O problema é que isso é meia verdade. Sim, os dois ganham mais do que os outros, mas está longe de ser o absurdo que acontece na Espanha, em que dois times concentram cerca de 80% de toda a receita de TV, ou na Itália, com 75% nas mãos de três clubes.
Por aqui, os dois clubes de maior torcida ficam com 20% da receita de TV.
O problema, muito maior, é o abismo que começa a ser gerado por eles com a arrecadação de bilheteria nos estádios. A análise feita dos borderôs das 17 rodadas deste Campeonato Brasileiro mostra que o Corinthians detém cerca de 20% da receita com a venda de ingressos (detalhes aqui). Atualmente, o clube paulista já consegue quase R$ 10 milhões a mais que o segundo colocado, o Inter (que faturou R$ 7,5 milhões).
Numa conta rápida, é possível prever que o Corinthians chegue até o fim do Brasileiro tendo arrecadado R$ 30 milhões em bilheteria, no mínimo (dependerá muito da performance do time e da precificação dos ingressos, mas a conta é próxima dessa pelo que foram os resultados financeiros dos cinco jogos no novo estádio até agora).
Os adversários, por outro lado, numa conta otimista chegam a, no máximo, R$ 16 milhões de faturamento, o mesmo que o Corinthians já obteve com metade dos jogos em casa. Para piorar o cenário, os descontos aplicados a Flamengo e Cruzeiro, potencialmente dois clubes que poderiam se aproximar da arrecadação corintiana, são gigantescos, já que os dois não são donos do estádio, como é o caso de Inter, Corinthians e até do São Paulo.
Na lógica da receita de TV, a arrecadação dos clubes seguirá a mesma proporção. Na de bilheteria, a tendência é o abismo ser a cada dia maior. Como não há níveis iguais de estádios no Brasil, a diferença começa a ser cada vez maior conforme o tempo vai passando. Com mais dinheiro, formam-se melhores times, cobram-se ingressos mais caros, enche-se mais o estádio, arrecada-se mais.
Ainda erra-se muito na precificação dos ingressos no futebol brasileiro. Mas, até agora, começa a haver uma disparidade gritante do Corinthians em relação aos concorrentes. O abismo gerado disso poderá ser maior que o da TV. Foi a percepção desse cenário que fez com que times ingleses tradicionais, mas com estádios antigos, como o Arsenal, apostaram na reforma de seu estádio. Esse é o cenário que deve ser visto só daqui cinco ou dez anos no futebol brasileiro. E, aí, talvez seja tarde demais para recolocar os clubes no mesmo patamar de competitividade financeira.
Os clubes discutem hoje, quatro anos depois, a burrada que foi feita na relação dos contratos individuais de TV. Em 2020, possivelmente estarão chorando pela disparidade de arrecadação com bilheteria.