Negócios do Esporte

O torcedor não aceita mais não ser correspondido
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Erich Beting

''Tem gente que só reclama, reclama, e… na hora de ajudar, cadê?''. Com essa singela frase, a diretoria de marketing do Flamengo tenta cobrar de seu torcedor a adesão maciça ao plano de sócio-torcedor do clube.

Pressionados pela Ambev e seu ''Movimento por um futebol melhor'', os clubes estão tentando fazer de seus torcedores associados. Na ponta final do processo, ele pode contribuir com a saúde financeira de seu time e, assim, ser mais feliz. Esse, aliás, é o mote para toda a campanha do ''Movimento'' e também dos clubes que lançam seus programas ou criam novos incentivos.

Mas a questão é simples. O torcedor não aceita que sua paixão só tenha correspondência de um lado só!

A ideia do Flamengo seria ótima, caso a diretoria do clube não estivesse ignorando um ''pequeno'' ponto. O torcedor não vai se sentir entusiasmado a ser sócio se não tiver benefícios palpáveis do outro lado. E, por benefício palpável, entenda-se muito mais do que simplesmente desconto em supermercado.

Ele precisa que a paixão que ele sente pelo clube seja correspondida. Não apenas em forma de bom desempenho a partir do aumento de receita. O que o torcedor precisa é ser colocado na posição de cliente pelo clube. Ele não é mais um apaixonado que faz qualquer loucura pelo que ama.

Quer dizer, até tem gente que faz isso, mas esse tipo de torcedor geralmente já chegou ao limite de paixão. Forçá-lo ao consumo é de uma estupidez sem tamanho. Nenhuma empresa, em sã consciência, obriga o consumidor a comprar seu produto apelando para o lado emocional.

No fim das contas, uma escolha pelo produto de uma determinada marca geralmente envolve também uma sedução do cliente. Historicamente, o futebol não precisava seduzir para alguém consumi-lo. A campanha atual do Flamengo lembra, e muito, aquelas que convocavam pessoas para o exército nos anos 30 e 40. Era uma ode ao sentimento patriota, ao dever cívico, à obrigação do indivíduo.

Por mais apaixonados que sejam os torcedores, não necessariamente eles nutrem do mesmo sentimento dos atuais membros da diretoria flamenguista, que decidiram lançar mão de suas renomadas carreiras profissionais para tentar salvar o clube. Na maioria das vezes o Rubro Negro cansou de ser maltratado por gestões fraudulentas, temerárias e afins.

Por que haveria de cumprir um ''dever'' justamente agora? E, para piorar, com o time capenga dentro de campo e sem grandes novidades fora dele pela ausência de um estádio para jogar dentro de sua cidade?

O torcedor não é obrigado a consumir um time, assim como um consumidor não é obrigado a escolher uma determinada marca. A paixão é excelente para fazer a compra por impulso acontecer. Mas, para isso, o torcedor precisa ser bem tratado pelo clube que ama.


Aulas de Londres para as empresas
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Erich Beting

O patrocínio esportivo não pode ser paisagem. Nos mercados mais desenvolvidos, a regra é essa, mas por aqui as empresas ainda confundem muito ter exposição da marca como grande benefício do investimento no esporte. Na final da Liga dos Campeões da Europa, ficou claro que as marcas buscam muito mais do que exposição quando se relacionam com o campeonato ou com os clubes que nele participam.

No sábado, dia 25 de maio, data da final em Wembley, o jornal ''Financial Times'' tinha duas propagandas que mostravam isso claramente.

A revista que é publicada aos sábados, com dicas de entretenimento, tinha como ''capa'' propaganda da Heineken relacionando a marca à Liga dos Campeões. No jornal, em uma página a Evonik, patrocinadora do Borussia Dortmund, fazia uma brincadeira com o fato de o clube alemão ir até à decisão em Londres. Com uma foto de jogadores da equipe celebrando, a empresa trazia a inscrição: ''Globalização é quando o Borussia Dortmund tem de viajar até a Inglaterra para ganhar do Bayern de Munique''. E dizia que a empresa de produtos químicos estaria sempre com o time alemão, que acabou derrotado pelo rival compatriota.

O uso da mídia para ativar o patrocínio, porém, dá só uma mostra de como as empresas têm enxergado as oportunidades do esporte em mercados em que o marketing esportivo está mais desenvolvido. No estádio de Wembley, o grau de relacionamento das marcas com seus consumidores atingiu patamares que ainda nem sequer passam perto do planejamento de empresas no Brasil.

A Heineken, por exemplo, reforçou a condição de grande patrocinadora da Uefa ao levar 1.200 convidados de 170 países para o final de semana em Londres (leia detalhes aqui). A Sony também levou centenas de convidados para a decisão e fez uma grande festa ao término da partida dentro de Wembley. A força do evento para o mercado corporativo é tão grande que, dos 87 mil ingressos disponibilizados para a final, 27 mil foram para convidados de empresas e parceiros comerciais da Uefa. Cada time levou 25 mil torcedores e outros 10 mil bilhetes foram vendidos para o público em geral. Ou seja, a maioria no estádio era de clientes de empresas.

Mas não foi só dentro de Wembley que as marcas aproveitaram para dar recado a clientes em potencial. No ''Champions Festival'', montado no Parque Olímpico, os patrocinadores da Uefa também se esbaldaram.

A Adidas criou um stand em que contava a história da marca, a Sony fez uma competição em que o torcedor se cadastrava, disputava jogos e poderia ganhar prêmios da marca, como um Playstation 4. Outras empresas, como a Unicred, fizeram um chute a gol que recebeu dezena de milhares de pessoas. A Ford aproveitou para fazer lançamento de carro. O interesse em se apropriar de ações de relacionamento fez com que até mesmo a Gazprom, empresa de energia e que não atende o consumidor final, criasse um stand com ações de entretenimento para o torcedor.

O que as empresas no exterior já entenderam é que o grande negócio de investir no esporte não é a mídia espontânea que ele gera, mas a condição que a marca tem de se apropriar de algo único. Como só o patrocinador oficial pode se apropriar do evento, do clube ou do atleta, só ele pode criar algumas experiências singulares para o consumidor a partir disso.

Enquanto no Brasil a tal da ''ativação'' do patrocínio começa a ser inserida apenas agora no cotidiano das empresas, nos outros mercados a pergunta já está um passo a frente. ''Qual o próximo desafio?'', foi o questionamento que ouvi de executivo de uma das patrocinadoras da Liga dos Campeões.

Afinal, já começa também a virar paisagem para as marcas apenas levar consumidores para um evento importante. E é nesse sentido que o patrocínio tem de ser, para as empresas, um conteúdo do qual elas irão se apropriar para, só assim, oferecer algo exclusivo para as marcas.

Enquanto no Brasil aprendemos o básico, na Liga dos Campeões da Europa o desafio está além da ativação como ela é entendida hoje.


Aulas de Londres para os gestores
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Erich Beting

A Liga dos Campeões é uma competição maior que os clubes que a disputam e que os patrocinadores que estão ligados a ela. Esse é o princípio que norteia a relação da Uefa com o principal torneio que ela organiza e que explica boa parte do sucesso da UCL como produto.

A partir do momento que a Uefa faz de tudo para promover seu campeonato, ela ganha mais poder para negociar todas as propriedades relacionadas a ele. Da venda dos direitos de transmissão à permissão de ações de relacionamento com os patrocinadores, tudo é muito bem dimensionado e aproveitado pela empresa e pelos parceiros comerciais.

Em Londres, no fim de semana de disputa da grande final entre Bayern de Munique e Borussia Dortmund, o melhor exemplo desse status a que foi alçada a Liga dos Campeões pela Uefa estava a 20 km do estádio de Wembley.

No Parque Olímpico, a entidade europeia montou o ''Champions Festival'', uma espécie de parque de diversões com várias atividades ligadas ao tema Liga dos Campeões. Até mesmo jogo entre ex-jogadores da Champions e um museu da competição foram montados. Os patrocinadores do torneio, por sua vez, montaram stands para relacionamento com o consumidor e, ao mesmo tempo, conseguir mais exposição da marca.

No jogo, a Uefa fez o ''básico'', mas que no esporte brasileiro ainda está longe de ser colocado em prática. A liga foi sempre lembrada como o grande evento, acima de Bayern e Dortmund, que no caso foram posicionados como os grandes protagonistas de algo maior, que era a decisão do campeão da Europa.

A força que é dada à Liga dos Campeões faz do evento o mais importante acontecimento do marketing esportivo europeu no ano. A verba direcionada pelos patrocinadores para comunicar o investimento na competição é cada vez maior, sendo que a Heineken é quem melhor evidencia essa realidade.

No fim das contas, a maneira como a Uefa promove o torneio faz com que times, torcedores, mídia e patrocinadores engrandeçam a realização da final do evento. Nesse caminho, a mudança, há quatro temporadas, da grande decisão para o final de semana foi um grande negócio para todos, já que permite a realização de várias ações durante dois dias, algo que não ocorria quando o jogo decisivo era realizado no meio de semana.

Por aqui, as entidades esportivas ainda não entenderam a necessidade de fortalecer seus produtos.

Timidamente o basquete, com a NBB, tenta fazer isso ao criar diversas promoções ligadas à competição nacional, entre elas o ''Jogo das Estrelas''. Nos últimos dois anos, a CBV também procura valorizar a final da Superliga, mas o principal torneio entre clubes do vôlei ainda é muito maltratado ao longo da temporada. No futebol, a lógica está invertida, com os clubes sendo alçados a uma condição de superioridade em relação ao campeonato que disputam, quando deveria ser o contrário. Nas demais modalidades, ainda é incipiente pensar em desenvolvimento de produto em torno das competições nacionais.

Enquanto o esporte no Brasil não entender que o maior ativo que ele tem é a competição, seguirá patinando para conseguir visibilidade na mídia, aumento de receita com patrocinadores e maior interesse do público. A Uefa, nesse quesito, deu uma aula em Londres.


Aulas de Londres para a torcida
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Erich Beting

Torcer é um ato de civilismo. Ou pelo menos deveria ser. Em Londres, na final entre Bayern de Munique e Borussia Dortmund, a polícia inglesa tinha um desafio pela frente, já que a partida reunia dois times de um mesmo país e que, por isso, tinham maior potencial para adversidades.

A solução encontrada pelos policiais e pelos organizadores da Liga dos Campeões da Europa foi dividir o estádio em três diferentes partes. Sem a divisória física na arquibancada, a saída foi deixar a parte central das cadeiras de Wembley para o torcedor ''comum'', traduzidos pelos 27 mil convidados de patrocinadores e parceiros comerciais da Uefa e os 10 mil ingressos vendidos para o público em geral.

Com isso, por meio de entradas em lados opostos, torcedores de Bayern e Dortmund ocuparam cada um a faixa atrás de cada um dos gols do estádio. Isso já fez com que o primeiro problema fosse dissipado. Dentro do estádio, pelo menos, não houve qualquer confusão.

O ''problema'' foi o encontro de torcedores pelo metrô, principal meio de transporte usado para levar as pessoas ao estádio. Na saída da estação de Wembley houve o único conforto entre alguns torcedores mais exaltados e rapidamente dominados pelos policiais.

Sem dúvida que a ótima experiência que o torcedor teve em todo o processo dentro do estádio colaborou para que os conflitos fossem minimizados. Esse, talvez, seja o principal motivo para que, quando vai a um jogo de futebol atualmente, o torcedor na Inglaterra sinta-se intimidado a ter um melhor comportamento.

Por onde o torcedor anda, ele recebe bom tratamento.

Seja no acesso fácil ao estádio, ou no bom atendimento para entrar no setor que corresponde a seu ingresso ou para encontrar seu lugar. Tudo isso faz com que seja criada uma atmosfera agradável ao consumidor, algo muito diferente do que acontece em estádios na América do Sul e Itália, para citar exemplos de lugares onde a violência tem sido flagrante nos últimos tempos.

No fim das contas, o torcedor é colocado na posição de ator importante do jogo e, mais ainda, como principal motivo para a existência do evento. Isso cria nele responsabilidades, principalmente a de bom comportamento. Para quem acha que é só cobrar mais caro o ingresso do jogo para o perfil do torcedor mudar, a final da Champions League foi uma aula de como fazer com que mude o comportamento dos torcedores, e não necessariamente as pessoas que vão a um jogo.


As aulas de marketing em Londres
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Erich Beting

A grande decisão da Liga dos Campeões da Europa entre Bayern de Munique e Borussia Dortmund trouxe também diversas lições para quem deseja conhecer um pouco mais sobre marketing esportivo. Atualmente, a final da Liga dos Campeões tornou-se o principal evento de futebol para as marcas trabalharem ações de ativação do patrocínio no mercado da Europa.

E as próprias marcas já estão tendo de pensar em novas alternativas de como aproveitar isso.

Mas, num mercado carente como o brasileiro, acaba sendo riquíssima a experiência de acompanhar de perto como as empresas e a Uefa exploram ao máximo o potencial de geração de uma vivência única para o torcedor no evento.

Nos próximos dias o blog vai trazer, em três diferentes análises, essas diferentes perspectivas. O que é trabalhar o marketing do evento na visão de quem o organiza, o que é trabalhar do ponto de vista do patrocinador e, por fim, do ponto de vista do torcedor.

Para pegar um gancho com o assunto do dia, ou o esporte no Brasil aprende a se ver como um produto que precisa trabalhar a comunicação, ou será engolido pelos projetos vindos do exterior. O melhor exemplo disso veio da transmissão ao vivo, por tudo que é meio, da apresentação de Neymar com a camisa do Barcelona. Mais uma vez o esporte brasileiro foi sufocado pela estratégia de expansão de mercado dos clubes do exterior.

Ou o país acorda para isso, ou entrará numa grave crise nas próximas décadas.


Roland Garros “antecipa” problema que Brasil terá
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Erich Beting

Um dos mais tradicionais torneios do circuito de tênis do mundo, Roland Garros vive hoje um dilema que futuramente deverá atingir o esporte no Brasil, a começar pelo futebol.

O Grand Slam francês chegou ao limite de crescimento. Para quem olha os corredores do complexo de quadras, o torneio parece um sucesso absoluto. Sem dúvida não deixa de ser. Mas, para quem está ali, caminhando pelas alamedas do complexo, a vida não é tão cômoda assim.

Há muitas opções para compras, especialmente de alimentação e produtos oficiais, mas mesmo assim é inevitável pegar filas relativamente longas por causa do amontoado de pessoas circulando ao mesmo tempo pelo espaço, ainda mais quando chove.

Já há alguns anos que a Federação Francesa de Tênis literalmente batalha pela reforma do complexo. O projeto, que prevê a ampliação do espaço e cobertura da quadra central, é sempre boicotado pela associação de moradores do bairro, que não quer ver destruído um jardim botânico para que essa ampliação seja feita.

Até mesmo os patrocinadores são prejudicados com essa falta de espaço. Os stands são pequenos e, em sua maioria, não podem oferecer grande opção de entretenimento. O maior espaço, batizado de RG Lab, fica no subsolo das quadras, tendo um movimento bem pequeno de pessoas.

Como os atletas querem cada vez mais dinheiro para disputar os torneios, Roland Garros está hoje num beco sem saída. Precisa aumentar receita, mas não consegue ampliar os ganhos de bilheteria (que com iluminação artificial nas quadras seria possível, por exemplo) e também tem chegado ao número máximo de patrocinadores disponíveis (este ano bateu o recorde com 22 parceiros comerciais).

Com a chegada de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos no Brasil, vamos aprender o quanto pode ser benéfico para a organização de um evento ter uma estrutura de primeiro nível para atender a todos que lá estão, do atleta ao público. E isso fará muita gente perceber que será preciso reformar estádios para conseguir sobreviver.

É a conclusão atual de Roland Garros. Ou a estrutura é ampliada, ou por mais tradicional e charmoso que o torneio seja, em breve ele terá dificuldades para se manter financeiramente.


A maior crise na Europa não é financeira!
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Erich Beting

Há quatro anos que o mercado não se cansa de falar em crise na Europa. Desde a quebradeira geral, primeiro dos Estados Unidos e depois do restante do mundo, que muitos países europeus não conseguem sair do buraco em que se enfiaram. Grécia, Espanha, Itália e Portugal encabeçam a lista das grandes potências que hoje patinam, patinam e parecem não sair do lugar. Pior ainda, cada dia mais surgem novos problemas, novos dramas e aparentemente nenhuma solução.

Mas o problema que boa parte dos países da zona do Euro enfrenta atualmente está muito além da origem econômica. Claramente a Europa vive hoje uma crise de identidade. E talvez um dos símbolos que evidencia isso, na atualidade, seja a relação de Paris com o esporte.

O reaparecimento do Paris Saint-Germain ao mapa da bola, reconduzido pelos petrodólares do Qatar, é a síntese do conflito que está por trás da crise econômica europeia. A alternativa do PSG foi se juntar aos ricos. Definhando, sem poder de compra perante os rivais, sobrou ao clube a alternativa mais simples. Vendeu para um bilionário o controle acionário e, como um novo rico, foi às compras, montou um bom time e agora caminha para alguns anos de soberania na França e duelo grande na Europa. Algo impensável há sete anos, mesmo com a abundância de grana no continente, o PSG hoje é uma potência. Mas só conseguiu isso graças à venda de sua ''soberania'', por assim dizer.

A atitude do PSG não agradou a todos os torcedores. Há muitos deles que não se conformam com a venda do clube, tanto que parte das brigas que se seguiram nos festejos da conquista do título francês neste ano têm como motivo essa não-aceitação da venda do controle para os qataris. A força econômica do Qatar sobre o Paris e a França tem gerado diversas críticas ao novo modelo aceito pelo governo. Em troca de investimento, muitos bilionários do Oriente Médio têm feito a farra na Europa. Londres, que já tem um bairro ''patrocinado'' pela Emirates Airline, é a personificação dessa nova ordem geopolítica.

Enquanto trava o duelo contra a invasão estrangeira, os franceses também batalham contra a perda dos benefícios adquiridos. E a melhor tradução para isso está na venda dos direitos de exibição de Roland Garros em território francês (leia aqui).

A organização do Grand Slam francês já avisou que, no ano que vem, venderá a transmissão para a emissora que pagar mais caro, seja ela no sistema de TV aberta ou fechada. O anúncio, feito antes mesmo de começar a edição 2013 do torneio, foi um recado aos que reclamam do ''capitalismo selvagem'' dos gestores da competição. Em benefício próprio, a Federação Francesa de Tênis vai prejudicar a sociedade, tirando da TV aberta, gratuita, a transmissão do mais tradicional evento esportivo da capital francesa.

A lógica é a mesma que irrita a população, que não aceita que o governo tire dela os benefícios adquiridos no passado. Numa Europa que se acostumou a quase um século de governo garantidor de benesses, o fim do conceito de bem-estar social, ou pelo menos a sua readequação para uma realidade que caiba mais no bolso desses países, é quase uma afronta ao jeito europeu de pensar a vida.

No final das contas, a falta de dinheiro traz um sério problema, pois obriga os governos da Europa a repensarem o modelo que os consagrou e ditou suas preocupações pelo menos desde o término da Segunda Guerra, nos anos 40/50. O Estado tem de ser garantidor de diversos benefícios para a população, que por sua vez quer cada vez mais coisa sem ter dado relativamente nada em troca.

A atual geração por aqui não sabe o que é conceber a vida tendo de precisar ir atrás de benefícios do cotidiano. Seria, mal comparando, um brasileiro com carteira assinada não ter benefícios como vale-refeição, vale-transporte e seguro saúde. Por mais que seja argumentado a ele que retirar esses benefícios lhe dará a garantia de saúde financeira da empresa e consequentemente a manutenção do próprio emprego, ideologicamente ele não vai aceitar o fim dessa realidade.

A crise financeira na Europa poderia estar em estágio bem menos avançado não fosse também uma grave crise ideológica pela qual passam os moradores de boa parte do Velho Continente. E as situações de Paris Saint-Germain e Roland Garros evidenciam esse choque de valores pelo qual os europeus precisam passar.

Quando resolver que tipo de caminho querem seguir, pode apostar que os três: PSG, RG e a Europa mesmo, estarão rapidamente de volta a lugares de destaque.


Não é tão difícil assim
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Erich Beting

A Uefa deu um banho ontem na gestão da final da Liga dos Campeões da Europa. Principal jogo entre clubes do ano, a partida entre Bayern de Munique e Borussia Dortmund foi um show de organização e, especialmente, de respeito com todos aqueles envolvidos numa partida de futebol.

Torcedores, atletas, jornalistas, convidados, equipe de apoio. Todo mundo tinha seu espaço de atuação bem delimitado e, mais do que isso, tinham permissão para fazer aquilo que queriam, desde que não interferissem na liberdade do outro. Sim, é um princípio básico da vida humana, mas que desde que o quadrúpede virou bípede parece que não entendeu muito bem essa regra.

Uma das decisões mais simples tomada pela Uefa foi de segmentar o estádio em basicamente três diferentes espaços. Torcida Bayern, Torcida Dortmund e ''Torcida Neutra'', por assim dizer. Funcionou de forma simples e eficiente, evitando qualquer confronto maior entre os torcedores de times de um mesmo país.

A foto abaixo resume bem a divisão do estádio. O texto mais detalhado pode ser lido aqui. E a certeza é a de que não é tão complicado assim fazer algo bem feito. Basta ser eficiente no planejamento e na execução. Algo que, invariavelmente, não sabemos fazer.

 

* Viagem a convite da Heineken


O projeto só dará certo com o David Lucca
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Erich Beting

E, um ano antes do previsto, anunciado e defendido, Neymar deixará o Santos para jogar pelo Barcelona. Há instantes o jogador ainda santista e futuramente do clube espanhol divulgou em seus perfis nas redes sociais que optou por jogar no atual campeão espanhol e tido como o grande clube de futebol desta década.

O projeto ''Fica, Neymar'', só dará certo, talvez, com Neymar Neto. Com o Junior, até durou um ano mais do que o previsto.

O fato é que o fardo que Neymar já vinha aguentando em ser a estrela solitária do futebol brasileiro estava pesado demais. Mídia, torcida, clube e até patrocinadores pareciam forçar a barra para que o maior talento que surgiu nos últimos tempos em gramados brasileiros fosse jogar no exterior.

O bordão ''vai ser bom para ele'' resume, perfeitamente, o que virou o futebol no Brasil: um subproduto.

No mesmo sábado em que o mundo parou para assistir à decisão do campeão da Europa, era realmente de se admirar que nosso melhor jogador insistisse em continuar atuando nos gramados brasileiros tendo ''apenas'' os dois clubes mais poderosos do mundo numa disputa aberta por ele.

Talvez daqui a 20 anos, quando David Lucca estrear sob a pressão de ser o ''novo Neymar'', poderemos achar que será mais interessante para o garoto manter sua história vinculada a um clube no Brasil e, claro, manter a carreira por aqui. Hoje, e pelo menos nos próximos dez anos, é impossível querer que um atleta de alto padrão continue a jogar no futebol brasileiro e sul-americano.

A saída de Neymar, da forma como foi, revelou o quanto o Brasil não está preparado para reter seus talentos. Não temos a menor condição de oferecer o mesmo projeto de carreira para o jogador daquilo que qualquer clube europeu minimamente estruturado é capaz de dar a seus atletas.

Neste sábado acompanhei a decisão da Liga dos Campeões da Europa no estádio de Wembley. A atmosfera que cerca a partida, bem como todo o respeito que há entre torcedores, atletas e árbitro mostram um mundo que está absolutamente distante da realidade do futebol na América do Sul.

O grau de excelência na gestão dos clubes e dos eventos interfere diretamente na escolha dos jogadores. É mais ou menos como perguntar a algum trabalhador se ele prefere continuar com um alto cargo numa empresa de atuação nacional e com dificuldade para manter-se no azul ou ir para uma multinacional extremamente bem organizada em que vai poder ser um dos líderes de uma equipe mundialmente reconhecida pela eficiência? É, não tem qualquer chance de a escolha ser outra.

A opção de Neymar pelo Barcelona é detalhe meramente pessoal. A escolha dele pela Europa é uma realidade do futebol sul-americano. Enquanto não mudarmos a forma de gerenciá-lo, seguiremos como exportador de matéria-prima de qualidade. E isso só acontece porque, até agora, não foram produzidos atletas tão fantasiosos quanto argentinos e brasileiros em outros lugares do mundo.

Por enquanto…

Quem sabe quando David Lucca for jogador profissional o futebol também esteja profissionalizado em terras sul-americanas.


No final, dá Bayern…
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Erich Beting

“O Campeonato Alemão é um torneio em que 20 times jogam para no final ganhar o Bayern de Munique”. A frase é uma piada, não tão engraçada assim, para resumir o que é a disputa do futebol na Alemanha. Um time é muito mais rico que os outros e, assim, consegue ser, ano sim, outro quase sempre, ser o campeão nacional.

Na primeira decisão alemã da história da Liga dos Campeões da Europa, o ditado mais uma vez valeu. Um gol aos 43 minutos do segundo tempo, marcado pelo holandês Robben, deu a taça para o Bayern, depois de um jogo muito parelho com o time do Borussia Dortmund. O confronto entre os dois principais times alemães da atualidade também marcou o duelo de dois estilos de gestão.

De um lado o abastado Bayern, megapoderoso dentro e fora de campo. Do outro, o eficiente Dortmund, que desde a quase falência no início do milênio, passou a investir na formação de talento e na racionalidade do controle dos gastos para ter sucesso.

O jogo marcou também a perfeita definição do que é a globalização, feita por meio de um sugestivo anúncio da empresa Evonik, patrocinadora do Dortmund, na edição deste sábado do jornal “Financial Times”.

“Globalização é quando o Borussia Dortmund tem de viajar até Londres para ganhar do Bayern de Munique”.

Até que o roteiro a ser seguido parecia que seria esse.

Sem Mario Goetze, seu maior astro já negociado com o time de Munique e que sentiu uma providencial lesão na coxa antes do jogo mais importante do ano, o Dortmund decidiu invadir o terreno rival na primeira etapa da partida.

A ausência de seu mais criativo jogador foi compensada por um ótimo trabalho de marcação no campo de ataque, liderado por Lewandovski, que não se perca pelo nome. O começo mais ofensivo do Dortmund desestruturou o esquema de jogo do Bayern, baseado especialmente na saída de bola dos dois volantes, Schweinsteiger e Martinez.

Aos 15, 18 e 21, o time amarelo só não fez o gol por incompetência de seus atacantes. O golpe triplo foi sentido pela torcida do Bayern. Colocada atrás do gol de Neuer, os bávaros reduziram seus cantos, e o “Paredão Amarelo” improvisado do outro lado do estádio começou a se sobressair.

Até que entrou o fator arbitragem em campo… De um jeito um tanto quanto inusitado.

Aos 24 minutos, quando Marco Reus iniciava um contragolpe após nova roubada de bola na saída do Bayern, o árbitro italiano Nicola Rizzoli mostrou-se o defensor mais eficiente do time de Munique.

Pego de surpresa com a velocidade do camisa 11 do Dortmund, ele não conseguiu saltar a bola colocada em velocidade em direção à entrada da área e parou com classe a jogada que deixaria Reus na cara do gol…

Thomas Muller recuperou a bola e iniciou o contragolpe. A jogada não resultou em gol, para sorte do italiano, mas colocou finalmente o Bayern no jogo.

Aos 25, cabeçada perigosíssima de Mandzukic que terminou em espetacular defesa de Weidenfeller, ainda no desdobramento do tropeção de Rizzoli. Pouco depois, nova oportunidade na bola alçada na área, nova intervenção do goleiro do Dortmund.

A primeira etapa ficou equilibrada a partir daí, com chances esporádicas brotando dos dois lados. Pelo menos até agora a força na marcação ofensiva do Dortmund foi o ponto alto do time amarelo. O Bayern, franco favorito, ficou acanhado como não se esperava, apesar de ter ficado quase 60% do tempo com a bola nos pés.

A volta do intervalo foi marcada pela alteração de estratégia. O até então sufocado Bayern passou a ser quem sufocava a bola na defesa adversária. Tanto que por pouco não marcou o gol logo nos minutos iniciais da segunda etapa.

Até que aos 15 minutos, após boa jogada de Robben pela esquerda, Mandzukic só teve o trabalho de empurrar a bola para um gol vazio. A partir daí, o torcedor bávaro no estádio de Wembley passou a cantar que a hora estava chegando. E de fato o tempo passava sem qualquer esboço de reação por parte do Dortmund, que bem marcado sentia a ausência de Goetze.

Mas uma lambança de Dante na marcação resultou em pênalti, convertido sem dificuldade por Gundogan. O empate fez o jogo pegar fogo. O Dortmund voltou a ser ofensivo, mas sem a mesma qualidade de marcação na defesa.

Tanto que Thomas Muller serviu Robben, mas em cima da linha Subotic fez o corte providencial para evitar o segundo do Bayern. Neuer, goleiro do Bayern, passou a ser espectador do jogo. E, lance após lance, Weidenfeller salvava a equipe do Borussia.

A partir dos 35 minutos, as torcidas pararam de incentivar seus times. Concentrados, os torcedores refletiam a tensão da partida. Qualquer grito era rapidamente dissipado. Até que, aos 43 minutos, num estouro da zaga, Ribery ganhou no corpo e serviu Robben, que numa velocidade impressionante deixou dois zagueiros para trás e só deslocou a bola para o fundo da rede.

O gol da redenção de Robben e do Bayern, e da desolação, mais uma, do Dortmund frente ao grande e abastado rival. O aplauso acalorado dos torcedores do Borussia aos jogadores derrotados fica como lição de quem nem sempre é possível vencer.

Ou de que, até mesmo quando a disputa vale a conquista da Europa, os times alemães se enfrentam para, no final, dar Bayern.

Haja chope nesta noite em Londres. Para celebrar e, também, afogar as mágoas!