Negócios do Esporte

O começo do fim dos Estaduais
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Erich Beting

Ainda é cedo para comparar, mas as audiências de TV deste início de ano no futebol brasileiro mostram que os Estaduais estão começando, de fato, a deixar de ser interessantes. Não só para os atletas e para a mídia, mas especialmente para o torcedor. Neste último fim de semana, em pleno sábado de Carnaval, o jogo Guarani x São Paulo estacionou em 9 pontos na medição do Ibope (leia aqui).

O número é impressionante, ainda mais quando comparado à audiência média da TV nas transmissões de final de semana. Geralmente o Carnaval é péssimo para o Ibope, mas desde que começamos, há cerca de quatro anos, a fazer o levantamento de audiência na  Máquina do Esporte, não me recordo de um evento na Globo ter ficado abaixo dos 10 pontos.

Mais ainda vale a comparação quando nos deparamos com o índice de Atlético-MG x São Paulo na Globo nesta quarta-feira. Normalmente a audiência sempre é maior no meio de semana, mas a importância do clássico brasileiro fez com que o torcedor ligasse a TV para registrar o melhor resultado do horário neste ano dentro das transmissões.

Os resultados na TV, cada vez mais, mostram que a fórmula dos Estaduais está saturada. Especificamente em São Paulo, em que os clubes fazem 19 partidas preliminares para se classificarem oito times para a fase decisiva, o torcedor já mostra nos índices de audiência que não há interesse pelo produto. Para os jogadores, especialmente os dos clubes maiores, o desinteresse em entrar em campo é visível.

É cada vez questão de menos tempo para os Estaduais terem de repensar sua existência. Até porque a própria desculpa de que o dinheiro que a TV investe é importante para os grandes clubes tem caído por terra rapidamente. Hoje, os R$ 10 milhões que os quatro clubes grandes de São Paulo recebem por quatro meses de Estadual seriam perfeitamente compensados por amistosos, seja no exterior, seja no próprio Brasil.


Bellucci, o Barrichello do tênis
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Erich Beting

Rafael Nadal e Thomaz Bellucci deram o ar da graça na noite da última terça-feira no Brasil Open de Tênis. O tenista espanhol, mais badalado atleta da competição, estreou, e quase perdeu, nas duplas ao lado do argentino David Nalbandian. O tenista brasileiro, mais bem ranqueado entre os atletas do Brasil presentes no saibro montado no ginásio do Ibirapuera, também quase perdeu, mas no jogo de simples, contra o compatriota Guilherme Clezar.

Os dois jogos mostraram, claramente, o quanto o componente do carisma é fundamental para a formação de ídolos no esporte. O Ibirapuera estava bastante cheio em plena terça de Carnaval. Ficou assim até o último jogo do dia, quando Nadal e Nalbandian tiveram de salvar dois match points para seguirem no torneio. Antes, Bellucci precisou do set de desempate contra o novato Clezar para não cair na estreia no Brasil.

O comportamento do torcedor nos dois jogos deixou bem claro o quanto Nadal é ídolo e Bellucci, um mero figurante para o brasileiro que é fã de tênis.

Assim que Clezar conseguiu levar o jogo contra Bellucci para o terceiro set, a torcida passou a ser maior para o tenista gaúcho, que aparecia como grande azarão contra o maior tenista do país. No caso de Nadal/Nalbandian, a virada que decretou a vitória da dupla foi celebrada por um ginásio totalmente pró-espanhol e argentino.

O torcedor que vai ao Brasil Open quer ver Nadal. Assim como quis, no passado, assistir a Guga, Meligeni, Agassi, etc. Bellucci é um mero figurante para a maioria do público presente no ginásio do Ibirapuera. O ginásio lotou na terça não por causa do brasileiro, mas sim pelo interesse que Nadal gera para o espectador.

Falta, a Bellucci, não apenas as vitórias, mas principalmente o carisma de um grande atleta. Em performance, ele já superou Fernando Meligeni e só está atrás de Guga na história do tênis brasileiro. Em imagem, não consegue, de qualquer maneira, empolgar. Até mesmo nas entrevistas dadas antes da estreia em São Paulo ele admitiu que está longe de ser o mais popular da turma de tenistas presentes no saibro brasileiro.

Só que isso é um tremendo problema para Bellucci se quiser, de fato, galgar mais espaço no coração dos apaixonados pelo esporte. Só as vitórias não serão suficientes para que ele consiga inspirar a torcida. Nadal é uma boa mostra disso. Além de vencedor, é um cara que está preparado para tirar proveito da fama. Sabe transmitir mensagem, sabe ditar tendência, naturalmente é alguém que inspira as pessoas.

O Brasil Open deixa cada vez mais claro que Bellucci tem uma trajetória muito similar a de Rubens Barrichello. É um profissional muito qualificado, mas não tem qualquer carisma para cativar os torcedores. Curiosamente, os dois surgiram para o esporte que praticam num momento em que o maior ídolo da modalidade, tanto em carisma quanto em performance, tiveram suas carreiras prematuramente interrompidas.

Mais do que a performance, o carisma é imprescindível para se formar um ídolo. E isso, geralmente, vem gravado na pessoa ainda na infância. Não é possível fabricar.


A hora de o esporte focar no consumidor
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Erich Beting

O último relatório da Deloitte sobre as finanças dos clubes de futebol na Europa traz uma análise interessante sobre o que eles consideram os países ''emergentes'' do mercado da bola. Na visão da consultoria, clubes do Brasil e da Rússia devem, na próxima década, começar a figurar de vez em quando na lista dos 20 clubes que mais arrecadam no futebol mundial.

A lógica apontada pela empresa é simples. Os novos estádios construídos para as Copas de 2014 e 2018 farão com que a arrecadação em dias de jogos aumente substancialmente. Assim, os times vão conseguir faturar mais. A base para isso é o salto nas receitas dos próprios clubes europeus desde que passaram a reformar seus estádios. O processo começou no início da década de 2000 e se estendeu nos últimos anos.

Sem conseguir aumentar a arrecadação de TV e patrocínio, resta aos clubes buscarem o dinheiro no consumidor. A era, agora, é a do marketing como forma de estreitar o relacionamento e o consumo do torcedor.

Esse é o salto que ainda falta para o esporte no Brasil. Não apenas no futebol, carro-chefe da indústria esportiva do país, mas especialmente nas demais modalidades. Por aqui, ainda enxergamos como pontos fundamentais para o desenvolvimento de uma modalidade a busca por um parceiro de mídia e de um patrocinador para ''fechar a conta''. O torcedor ainda está colocado como o terceiro elemento na lista de prioridades.

Só que, com isso, invertemos completamente a lógica. Se trabalharmos o interesse do torcedor em consumir um atleta, um time ou um esporte, vamos atrair a atenção da mídia e também dos patrocinadores. Afinal, esses dois últimos elementos da cadeia esportiva são os que trabalham na maior parte das vezes com a razão, e não com a emoção. Para investir dinheiro numa transmissão ao vivo, ou num patrocínio, não adianta só ser um entusiasta do esporte.

Na Europa e nos Estados Unidos em crise, a maior dificuldade dos executivos do esporte é fazer o torcedor consumir. Com menos dinheiro no bolso, limitam-se os gastos com lazer. E a indústria do entretenimento é uma das primeiras a acusar o golpe.

No Brasil turbinado pela economia do pleno emprego e pela aproximação de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, não buscar o torcedor para ''pagar a conta'' é sinal de despreparo. Ou de um desprezo que, no longo prazo, vai apresentar sua conta.


Força, Paulo Nobre!
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Erich Beting

“Boa noite a todos, e um abraço especial ao Paulo Nobre. Parabéns pela rede de lojas. Agora só falta time, né presidente''? A indagação bem provocativa foi feita por Marcos Kleine, guitarrista e torcedor palmeirense, na festa de inauguração da nova loja do clube.

A tônica tem sido essa desde que Paulo Nobre assumiu a cadeira de presidente do clube, no dia 21 de janeiro. Já naquele dia, como coloquei aqui no blog, o dirigente pareceu muito coerente em suas afirmações. Passadas apenas duas semanas de gestão, a pressão é cada vez maior sobre o novo mandatário do Palmeiras. Não basta tentar colocar a casa em ordem, é preciso contratar!

Claramente, porém, Nobre rema contra a maré de irresponsabilidade que jogou o Palmeiras por duas vezes na Série B nos últimos dez anos. Como o próprio presidente disse, a mais difícil tarefa dele no cargo é deixar o lado torcedor de lado e pensar no futuro do Palmeiras. Antes de pensar em reforçar o time, é preciso colocar a casa em pé.

Desde a ''exuberância irracional'' de Luiz Gonzaga Belluzzo, em que o clube gastou muito mais do que devia em busca do título que não veio, passando pela atrapalhada gestão de Arnaldo Tirone, o Palmeiras se deteriorou. Está em descrédito no mercado. Para jogar no clube, só com muito dinheiro. Pressão de torcida, de dirigentes, da mídia… Tudo colabora para o jogador não querer desembarcar no clube.

Por isso mesmo, a primeira coisa que Nobre fez foi blindar o time de futebol. Com José Carlos Brunoro tendo carta-branca, a influência dos conselheiros ficou menor. Brunoro é um político extremamente habilidoso e já viveu situação muito parecida em 1992 quando assumiu pela primeira vez a gerência de futebol do clube. Sua presença ajuda a resgatar a credibilidade do futebol palmeirense para o mercado, além de acalmar a torcida.

O segundo passo, mais lento, é colocar a casa em ordem. Organizar as finanças, planejar o futuro e impedir que o clube escoe pelo ralo da irracionalidade como foi nos últimos tempos. É a tal forma de ''pensar na instituição primeiro'', como perfeitamente definiu Paulo Nobre em entrevista outro dia.

Recentemente, no programa ''Mesa Redonda'', Brunoro afirmou que a verba que existe hoje no clube é mais do que aquela que ele dispunha no período da Parmalat, o que justificaria não ser difícil trabalhar dentro da realidade atual. O problema é que o futebol de hoje é muito mais competitivo, financeiramente, do que o da época em que só havia a vaca gorda da Parmalat.

Por isso mesmo, o Palmeiras não consegue mais sair contratando como naqueles tempos. Não é falta de ''ousadia'' dos novos dirigentes, mas sim a nova realidade em que o futebol está. O grande erro de Nobre seria, hoje, empenhar mais dinheiro do que pode apenas para agradar os torcedores mais afoitos e a própria cobrança da mídia.

Nobre é, depois de quase um século de história, o primeiro presidente do Palmeiras que de fato não comete loucuras como seria comum a um torcedor, mas pensa no bem do clube em primeiro lugar. Foi com esse tipo de pensamento que Corinthians e Santos se reergueram no passado recente.

De nada adianta contratar jogadores para tentar se consagrar em dois anos de gestão se o clube continuar com os mesmos problemas de sempre. Paulo Nobre segue a linha de reestruturação que tem sido a tônica em diversos clubes que despontam na vanguarda do futebol brasileiro atual.

A aparente frieza que a nova diretoria palmeirense demonstra é fundamental para arrumar a casa no futuro. Só que ela não pode contaminar outra área fundamental para a mudança de patamar do clube, que é o marketing. Já começa a ficar complicado para o Palmeiras seguir sem dialogar com seu torcedor. A grande diferença do ressurgimento dos grandes clubes nos últimos anos para agora é exatamente esse. O marketing foi uma das alavancas do clube, enquanto a montagem do time ficou num segundo plano.

Força, Paulo Nobre! O caminho traçado para o futebol já está definido. Só não dá para o marketing continuar adormecido…


A TV dita cada vez mais o futuro do esporte
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Erich Beting

Transmissão de Amil x Pinheiros, pela Superliga feminina de vôlei na última terça-feira. José Roberto Guimarães, técnico do Amil, reclama do microfone da televisão plugado na instrução que o auxiliar Paulo Cocco passa às jogadoras. O tempo técnico tinha sido resultado da vantagem de 16 a 14 obtida pelo Pinheiros ainda no primeiro set.

Em meio ao debate, Jota Júnior, narrador do Sportv, afirma que por contrato o treinador só pode se recusar uma vez a ter o microfone captando as mensagens nos pedidos de tempo e que a emissora tinha o direito de ''fazer o trabalho dela''.

Um dos grandes segredos para a popularização do vôlei nos anos 80, no mundo todo, foi o esporte se adaptar à televisão. Vista como meio mais rápido e eficiente para falar com o público no esporte, a TV tem se tornado não apenas aliada, mas uma poderosa influenciadora dos rumos das modalidades.

No caso do Brasil, com a força da Globo, a maior parte dos esportes aliam-se à emissora para conseguir aumentar os índices de audiência e, consequentemente, de remuneração. Nesse cenário, o vôlei hoje é também sócio da emissora, que é c0-responsável pela comercialização da Superliga.

Mas até que ponto é válido a televisão interferir até mesmo na orientação que o treinador dá à equipe?

Cada vez mais a televisão dita o futuro do esporte. Por aqui, com a incapacidade de clubes e modalidades gerarem receita nova e saírem da situação de falência, é preciso que a TV assuma a condição de protagonista na história. Sem perceber que o que é mais valioso, que é o conteúdo, lhes pertence, os dirigentes esportivos assumem uma condição de subserviência à televisão.

Para o telespectador, em casa, é muito mais legal poder interferir cada vez mais no que acontece na quadra, na piscina, no campo. Mas a própria televisão tem de tomar cuidado para não acabar com aquilo que existe de mais legal, que é a emoção do esporte. Ainda mais no Brasil, em que o predomínio da Globo sobre as mais diversas modalidades é malvisto por boa parte da população, é muito arriscado poder fazer o que quiser dentro de uma transmissão esportiva.

É muito tênue a linha que separa um evento esportivo de um show programado para a TV. Só que é essa divisão clara entre um e outro que faz do esporte um dos melhores (para não dizer o melhor) produtos de entretenimento que existem.

O limite da TV como parceira do esporte é claro. Ela não pode, nunca, acabar com a essência do esporte. Do contrário ele vai virar mais um ''reality show'' com uma cara um pouco diferente.


As lições do Mineirão e da Arena do Grêmio
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Erich Beting

Multa de R$ 1 milhão ao consórcio Minas Arena de um lado. Reunião para discutir como manter a ''Avalanche'' na nova Arena do outro. Os reflexos imediatos dos principais incidentes de dois dos mais modernos estádios brasileiros já mostra que estamos começando a entender o grande processo de mudança que teremos no esporte para os próximos anos.

Hoje, ir a um estádio de futebol é, antes de tudo, uma aventura. Sem facilidade de acesso, sem conforto dentro do estádio, sem opções de lazer além da partida de futebol em si, nada é convidativo para uma pessoa ir a um estádio. Possivelmente hoje, entre as diferentes opções de entretenimento que existem, consumir um jogo de futebol in loco talvez seja uma das últimas para se fazer.

O que muda no país dos novos estádios é exatamente esse conceito. O torcedor não pode mais ser tratado como um mero detalhe dentro de um estádio.

Colocar o torcedor em primeiro lugar dá a garantia de que novas fontes de receita serão geradas para os clubes. Cada vez mais o futebol tem de passar a colocá-lo como prioridade. Especialmente no Brasil, em que as receitas com patrocínio e televisão atingiram o seu máximo ou estão muito próximas disso.

Os problemas enfrentados por Mineirão e Arena do Grêmio são inadmissíveis no novo patamar que o futebol atinge a partir da existência desses novos estádios. Faltar água, condições mínimas de higiene, de segurança, gramado com problemas… Tudo isso não cabe mais num momento em que o Brasil se prepara para dar o maior salto de qualidade na forma de pensar o futebol.

As lições que os dois episódios trazem são claras: o futuro já está no presente.


Romário, Ronaldo e as Copas do Mundo
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Erich Beting

Os dois foram, desde Pelé, os mais importantes jogadores brasileiros em Copas do Mundo. Romário, em 1994, e Ronaldo, em 2002, foram os heróis do tetra e do penta, respectivamente. No último sábado, os dois craques da bola mostraram um pouco do que pensam (ou são levados a pensar) a respeito de o Brasil abrigar a Copa do Mundo.

A pergunta feita pela ''Folha de São Paulo'' era direta: ''O Brasil aproveitará o potencial da Copa?''.

Membro do Comitê Organizador Local, garoto-propaganda da Brahma na campanha ''Imagine a festa'', entre outras funções ligadas ao evento, obviamente Ronaldo foi quem falou sobre o ''sim'' (é possível ler o texto aqui). Romário, deputado federal e que adotou o discurso de não ter rabo preso com ninguém, deu sua versão sobre o ''não'' (texto disponível aqui).

 

Os dois têm sua parte de razão. A de Ronaldo limita-se ao fato de que, realmente, não tem como voltar atrás. A Copa será no Brasil. Romário, por sua vez, argumenta de forma consistente sobre o que poderia ter sido e não será, mas também incorre no erro de achar que a Copa tira investimento que seria usado em saúde ou educação, discurso tão batido quanto o de que o Mundial só trará benefícios para o país.

Como sempre foi dito aqui no blog, o maior problema da Copa no Brasil é a falta de planejamento e, sobretudo, execução. O evento pode ser um imenso catalisador de vários processos, mas desde que saibamos antes o que queremos ao sediar o Mundial. Esse foi o primeiro problema da Copa no país. Nunca soubemos, e arrisco dizer que ainda não sabemos, o que abrigar o evento pode trazer de benefício para o país.

Esse é o primeiro erro para que a Fifa deite e role em cima da organização do torneio em terra brasileira. A entidade impõe a vontade dela, exige estrutura suficiente para o evento, mas não para a realidade do país. O resultado é aquilo em que os discursos mais exaltados se apoiam: a Copa é ''para inglês ver'', com mais danos do que benefícios ao Brasil.

Depois do problema do planejamento, entramos na execução. Melhorias em aeroportos, vias públicas de acesso, infraestrutura hoteleira, atendimento na área de serviços, etc. Tudo isso foi vendido como ''legado'' da Copa. Mas o problema é que esse é um gargalo no Brasil dos anos 2010 que independe de qualquer megaevento acontecer no país.

Vivemos hoje num país que tinha projetado suas demandas para no máximo até os anos 1980. Não é por causa da Copa que temos de ter melhores aeroportos, mais facilidade no deslocamento urbano, melhores hospitais, oferta de hotéis e tudo o mais. É pelo fato de sermos hoje uma nação com quase o dobro de habitantes daquela em que quase tudo o que existe hoje foi construído.

Há uma clara incompatibilidade entre o Brasil de hoje com o tamanho e a ambição dos brasileiros de hoje. E isso fica evidente no debate que ainda cerca a Copa do Mundo. Tínhamos de discutir o aproveitamento do ''potencial'' da Copa há oito anos, quando a candidatura única do país para abrigar o Mundial de 2014 já se apresentava cristalina para quem era do meio esportivo.

Agora vamos fazer a Copa do jeito que é possível, e não da forma em que poderíamos usar o torneio para projetar para o mundo o Brasil que Ronaldo e seus parceiros comerciais tanto teimam em vender para nós.

Uma coisa é certa. Romário e Ronaldo combinam muito bem com Copa do Mundo. Mas só se for naquela Copa que o Brasil tem propriedade para dizer que ''entende'', que é a que acontece dentro de campo.

Fora de campo, é obrigatório ter humildade e reconhecer que apanhamos de goleada…


Uma nova era para a corrida de rua no Brasil
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Erich Beting

Apontada já há alguns anos como a ''bola da vez'' no esporte, a corrida de rua tem tudo para querer, finalmente, ser uma parte importante da indústria do esporte no Brasil. Fenômeno nas principais capitais, ultimamente a corrida tem começado a entrar no calendário também de cidades grandes do interior e nas demais capitais brasileiras. Mas, até agora, o Brasil não completou nem ao menos uma prova de 5 km no que diz respeito ao número de praticantes da corrida.

Para começar, pesquisamos muito pouco esse mercado. Os números mais ou menos confiáveis são aqueles baseados nas inscrições de pessoas nas provas regulares no país. Nesse cenário, calcula-se que temos entre 2 e 3 milhões de praticantes, com os números mais otimistas chegando a 4 milhões. O problema é que a análise para por aí. Não temos mais dados sobre quem são essas pessoas, quais os hábitos de corrida delas, materiais que consome para a prática, etc.

Se o mercado brasileiro se inspira, e muito, no americano, falta ao país tornar a corrida de fato uma parte da indústria do esporte. Só para efeito de comparação, nos EUA, pelo menos 25 milhões de pessoas praticam corrida por 50 dias ou mais no ano. O corredor regular, com mais de 100 dias de prática anual, chega a 19 milhões (cerca de 6% da população do país). Os dados são da Sporting Goods Manufacturers Association (SGMA), entidade que mapeia não apenas o número de praticantes, mas também o hábito de consumo em diversas modalidades esportivas.

A realidade por aqui, porém, poderá mudar em breve. A grande novidade no jogo não é tanto a cientificidade entrando na corrida do lado dos negócios, mas sim a TV aberta como agente massificadora da modalidade. Desde o início do ano, a Globo inseriu o projeto ''Eu Atleta'' dentro do programa Bem Estar. Diariamente, exemplos de pessoas que usam a atividade física para mudar de vida serão colocados para as pessoas. É a melhor forma de popularizar a prática.

E por que a chegada da TV aberta nessa história é tão importante?

Diferentemente de modalidades como futebol, automobilismo, vôlei ou basquete, a corrida de rua não tem no atleta de alto rendimento o grande motivo para levar a pessoa a se interessar em consumir e praticar o esporte. Geralmente o que leva alguém a começar a correr é o interesse pela qualidade de vida. É por isso mesmo que a história de crescimento da corrida é muito similar à de modalidades como ciclismo e natação. Conforme as grandes cidades se desenvolvem, esses esportes se sobressaem e passam a ganhar mais praticantes.

Quando a Globo coloca a corrida e o atleta amador no primeiro plano, naturalmente vamos caminhar para um aumento do interesse das pessoas ''comum'' para a prática de atividade física. Nesse cenário, a tendência é a corrida ganhar espaço, já que é, entre as três atividades-âncoras para hábitos de vida mais saudáveis, a mais ''fácil'' de praticar.

É bem possível que os próximos cinco anos marquem o verdadeiro grande salto da corrida de rua no Brasil. O elemento que faltava para que a prática deixasse de ser restrita às pessoas que vivem nas grandes cidades do país começou a entrar no jogo.

Um indício ainda maior disso passa pela observação do que as marcas esportivas estão fazendo no segmento de corrida, um dos que mais receita gera para essas empresas. Quando muitas delas deixam de focar o atleta de alta performance e passam a buscar o entretenimento das pessoas, é sinal de que a biruta vai virar.

Uma nova era está próxima para a corrida de rua no Brasil.


Teoria da conspiração no Qatargate
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Erich Beting

Atenção, o que você lerá a seguir é uma teoria. Ela está baseada em diversas informações já publicadas, especialmente no livro ''Jogo Sujo'', de autoria de Andrew Jennings, e em diversas outras reportagens que saíram em jornais mundo a fora. Não tem nenhuma apuração do blogueiro nessa história, apenas uma análise completa de um cenário que se forma desde os anos 70, quando João Havelange virou presidente da Fifa e Joseph Blatter se colocou como secretário geral e seu natural sucessor.

A Fifa é uma entidade essencialmente política. Por mais grana que ela movimente, por mais negócios que ela faça, quem ocupa os cargos de membros de comitês são indicados políticos. Sendo assim, a disputa que envolve a alta cúpula da entidade é, essencialmente, uma disputa por poder. Muito mais do que dinheiro, o que os dirigentes que lá estão querem é o cobiçado cargo de presidente da Fifa.

Em 2010, durante as reuniões para a escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022, outra batalha acontecia dentro da Fifa. No ano seguinte, todos os membros da entidade iriam escolher seu novo presidente. Até o começo de 2011, estavam no páreo Joseph Blatter em mais uma rererereelição, e um novo concorrente, o qatari Mohammed Bin Hammam, presidente da Confederação Asiática.

Hammam ganhou força na época ao conseguir o feito de fazer o Qatar ser escolhido sede da Copa do Mundo de 2022. Turbinado pelos petrodólares do seu país de origem, apresentava-se como potencial candidato à vaga de Blatter. O modus operandi era quase igual ao que ajudou a eleger João Havelange nos anos 70 à presidência da Fifa. Influência em diversas regiões do mundo para brigar de frente com o núcleo duro da Europa, que geralmente se posiciona pró-presidente, ainda mais se ele é um europeu.

O corpo diretivo pós-eleição já estava montado, seguindo esse roteiro: Jack Warner, principal dirigente da Concacaf, garantiria os votos das Américas Central e do Norte. Julio Grondona, da Federação Argentina, e Ricardo Teixeira, da brasileira, assegurariam as escolhas da América do Sul. Na Ásia, Hammam era o grande cara, e ainda contavam com a influência de Sandro Rossel, à época postulante à presidência do Barcelona, mas ex-executivo da Nike e eminência parda em muitos negócios da bola, para angariar votos na África.

Tudo isso, porém, foi desmantelado às vésperas das eleições. E-mails que comprovavam subornos e ligações no mínimo duvidosas de Hammam, Warner, Teixeira e Grondona com diversas escolhas feitas na Fifa, vieram à tona. As denúncias foram tantas que acabaram por minar a candidatura do qatari. Subsequentemente, Warner foi deposto da Concacaf e, pouco tempo depois, foi a vez de Teixeira não aguentar a pressão aqui no Brasil.

Esse cenário é fundamental para analisarmos em qual contexto foi publicado o ''Qatargate'' pela revista ''France Football'' nesta semana. O primeiro resultado das denúncias foi o anúncio de Julio Grondona de que, a partir de 2015, sairá da presidência da federação argentina depois de 36 anos.

Mas a grande novidade dessa história é a inclusão de Michel Platini, presidente da Uefa, nas denúncias envolvendo a escolha do Qatar. Até então, ele vinha sendo apontado pelos dirigentes como o cara que estava sendo gabaritado como o próximo grande candidato a suceder Blatter na Fifa.

Tudo leva a crer que a escolha do Qatar como sede da Copa era parte de um plano bem maior, que envolvia a presidência da entidade máxima do futebol. O problema para Blatter não é o que a opinião pública pensa sobre o Mundial ser disputado por lá, mas sim quais os riscos que existem para o seu cargo no caso de a Copa ir para lá. O Qatar 2002 é, hoje, um pepino para Blatter.

Com o Qatargate da France Football, fica cada vez mais justificável uma mudança de sede pela Fifa. E, com as revelações, o maior prejudicado por todas as denúncias é o ''homem novo'' nessa história, justamente quem mais se fortalecia no cenário político da bola, que era Michel Platini. Ao ser apontado como alguém que vendeu o voto em troca de favores para o governo francês, qualquer pretensão maior no jogo político da Fifa vai se esvair.

A tendência, após essas revelações, é que em nome da ''transparência'', a Fifa decida fazer uma nova eleição para a sede de 2022, abrindo novo processo seletivo entre os países. Da mesma forma, Jérôme Valcke deve seguir tranquilo como único possível sucessor de Joseph Blatter, assim como no passado foi para o suíço o caminho natural numa eventual aposentadoria de João Havelange.

Até porque cheira muito mais como mera retaliação por parte do staff de Ricardo Teixeira a revelação feita nesta quarta-feira, em matéria de capa do caderno de esporte da ''Folha de S. Paulo'', de que Valcke foi consultor da candidatura brasileira à Copa.

A consultoria foi feita no período ''sabático'' que ele tirou da Fifa, afastado após descumprir o contrato com a MasterCard para colocar a Visa no lugar, gerar um prejuízo de US$ 100 milhões em multa para a entidade e voltar com um cargo mais poderoso do que tinha antes…

É difícil que Blatter tema Valcke, da mesma forma que é muito difícil que o francês pense em se candidatar à presidência sem a bênção do suíço. Da mesma forma, é curioso que essa história só apareça após a divulgação do dossiê da ''France Football'' e tente de alguma forma minar o mais do que blindado Valcke.

E, mais curioso ainda, é saber que a Fifa e a ''France Football'' são sócias na premiação do melhor jogador do mundo.

No fim das contas, o tal do Qatargate fica de ótimo tamanho para Blatter, Fifa e France Football. A divulgação do caso dá a impressão de que não há qualquer ingerência da entidade sobre a publicação. Da mesma forma, abre espaço para que uma nova escolha de sede para 2022 seja feita, ampliando o discurso de transparência que a Fifa tem levantado desde o caso Bin Hammam. E, por fim, a história mina um possível incômodo para a dupla Blatter-Valcke, já que enterra as pretensões políticas de Michel Platini.

É uma grande teoria da conspiração tudo isso. Mas, acompanhando há quase 15 anos os bastidores do esporte, essa é uma história perfeitamente verossímil…


Real e Barça são os mais ricos do mundo; azar da Espanha
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Erich Beting

Na semana passada foi divulgada a lista da consultoria Deloitte com os resultados financeiros dos principais clubes de futebol do mundo. Numa análise superficial, um dado chama muito a atenção. Real Madrid e Barcelona são os dois clubes mais ricos do mundo. E, antagonicamente, isso reflete exatamente o estado de falência em que se encontra o futebol na Espanha.

Desde a temporada 2008/2009, quando os dois clubes espanhóis passaram a liderar a lista da Deloitte, que ficou mais evidente o abismo que existe no futebol local. Só para se ter uma ideia, enquanto a dupla reina absoluta nos times que mais arrecadam do mundo, o restante das equipes raramente estão na lista dos mais ricos. Desde 2005, além dos dois, apenas o Valencia fez parte do grupo dos 20 clubes de maior faturamento. E, mesmo assim, sempre oscilando, aparecendo um ano entre os top 20 e no outro, fora dele.

A situação evidencia o problema hoje vivido pelo futebol da Espanha. O país tem a seleção que é a atual campeã do mundo, o time que mais encanta (Barcelona) e, também, o que mais fatura (Real).

E só isso.

Depois da dupla que dá a falsa impressão de que tudo vai bem por lá, temos um enorme abismo e uma situação de quase falência dos demais clubes. Para piorar o cenário, a crise econômica que afeta cada vez mais a renda das pessoas deixa os clubes em situação de penúria. Real e Barça vivem um mundo a parte, como potências multinacionais que não dependem do país para sobreviver. Pelo contrário, eles sugam a economia da bola espanhola de tal forma que é ela quem assegura o sucesso de ambos.

O contrato de televisão assinado individualmente faz com que Barça e Real tenham mais de 70% da receita de TV de toda a Espanha. Com isso, os demais clubes ficam sufocados, com algum deles partindo de uma diferença de quase 1000% na receita de mídia. Como esses clubes têm ficado restrito à atuação dentro da Espanha, a crise afeta diretamente o patrocínio. O Valencia só entra na lista dos mais ricos porque tem uma projeção internacional que lhe assegura alguns contratos mais interessantes. Para os demais, enquanto a dupla dinâmica assegura acordos de 20 a 40 milhões de euros ao ano, a realidade é composta por negócios de, no máximo, 5 milhões de euros.

Para quem olha de fora, Real e Barça são claros exemplos a serem seguidos. Uma gestão altamente profissional, acompanhada de um processo de internacionalização de marca muito bem sucedido, fizeram dos dois sonhos de consumo de todo torcedor. O custo para isso, porém, foi o uso da força de suas marcas para pressionar o futebol espanhol a ceder aos caprichos individuais de ambos.

A história é muito similar a uma vista aqui pelas terras brasileiras nos últimos tempos. Em breve o clube brasileiro que importou boa parte dos exemplos do que deu certo em Real e Barça deve figurar na lista dos top 20 em arrecadação no mundo. E provavelmente será muito tarde para os demais clubes acordaram para o erro que foi ter aceito deixar de negociar coletivamente o contrato que mais receita gera para um clube, que é o de televisão.