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Cristiano Ronaldo e o tapa na cara do machismo no futebol
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Erich Beting

“Ah, mas ele só olha para o telão”. “Ele faz a sobrancelha”. “Ele é só marketing”. “Ele é arrogante”. “É um mala”. “Olha o gelzinho no cabelo…”. “Aposto que ele é bicha”.

Não, Cristiano Ronaldo é vaidoso. Com sua forma física. Com sua performance esportiva. Com as conquistas de taças. Com a quebra de marcas. A vaidade faz dele um fenômeno.

Nunca, e volto a repetir, nunca o futebol teve um atleta como Cristiano Ronaldo. Não, você não leu errado, não enlouqueci, mas precisamos entender o que a frase quer dizer.

Messi, Zidane, Maradona, Romário e Ronaldo… Todos esses, e vou me ater aos cinco maiores gênios que vi jogando (e pela ordem que os considero gênios), foram jogadores de futebol espetaculares. Hábeis como quase ninguém mais foi. Desconstrutores da lógica de um jogo de futebol como poucos. Mas foram jogadores de futebol.

O dom de conduzir a bola, de saber onde se posicionar dentro de campo, de enganar o defensor só com uma ginga do corpo, de fazer o que fizeram como poucos. Tudo isso coloca todos esses caras num panteão praticamente inatingível pelos reles mortais. Até aparecer Cristiano Ronaldo.

Ele tem uma considerável habilidade com a bola, mas nunca chegaria aos pés de um Ronaldinho Gaúcho, para ficar com outro gênio que estaria na lista dos dez mais. E o que tornou o português um fenômeno mundial? Suor, dedicação, trabalho. E pode colocar mais um pouco de suor, dedicação e trabalho. E mais um pouco, e mais um pouco, e mais um pouco…

Nenhum jogador de futebol se dedicou tanto ao físico quanto Cristiano. Ele sabia que, para ser o melhor, precisaria de dedicação. Só o bom talento que tinha não seria suficiente. Precisa acordar cedo, trabalhar, voltar a trabalhar, descansar, trabalhar. A vaidade de Cristiano Ronaldo é ser reconhecidamente como o melhor. Ele não se contenta em ser um dos melhores, ou o segundo melhor. Ele quer ser o melhor. E, há quase 30 anos, se dedica a isso. Treina, aperfeiçoa, testa a habilidade.

Cristiano colhe os louros da fama que conquistou com muito suor colecionando carros e casos amorosos. Ele aproveita o fato de trabalhar com o corpo para cultivar a beleza desse corpo. Ele é tão perfeccionista que parece não aceitar ter um fio de cabelo fora do cabelo milimetricamente ajustado. E, claro, quando o jogo acontece, ele olha para o telão.

Só que qual olhar não está nele durante o jogo? Por que ele também não tem o direito de se olhar? De ver se o fio de cabelo continua perfeitamente arrumado?

Mas a vaidade de Cristiano tem o seu preço. As pessoas têm a infeliz ideia de achar que, para ser um craque de futebol, o cara não pode ser vaidoso. Ele precisa ser sujo, largado, desgrenhado, despreocupado com o físico. Ele sabe jogar bola, e basta. Mas não é isso que Cristiano Ronaldo pensa. Ele quer ser bonito, arrumado, alinhado, preocupado com a estética assim como é preocupado com o chute que passa rente à trave e não estufa a rede.

O choro de Messi, na perda de mais um título pela Argentina, humanizou o até então homem de gelo e mais talentoso jogador de futebol do novo milênio. Fez, dele, um ídolo humano, que ganhou a torcida por se mostrar frágil.

O choro convulsivo de Cristiano, despreocupado com o telão, com o cabelo, a barriga tanquinho ou o raio que o parta quando foi tirado de forma abrupta do jogo de sua vida como português fez do gajo um “macho”. E, curiosamente, a atuação dele como um “mortal”, desesperado como muitos de nós ficamos na torcida por Portugal, conferiu a ele também o status que ele já tinha, e que só os machistas não conseguiam enxergar.

 

Cristiano Ronaldo é a tradução perfeito do que é ser um atleta. Ele não é o melhor do mundo por ter um talento acima de qualquer outro. Ele é o melhor por se dedicar, trabalhar e transformar a dedicação do treino na perfeição da performance. Cristiano nunca desdenhou do futebol. Ele simplesmente transformou nosso sonho de criança em algo possível.

Podemos nos dedicar com tanto afinco que desenvolvemos as habilidades necessárias para fazer parte do grupo dos melhores. Não precisamos ser vaidosos como ele, mas será que, com 20 e poucos anos, tendo o mundo aos seus pés, não teríamos um comportamento similar?

Ser vaidoso pode ser um defeito. Mas a vaidade ajudar a transformar Cristiano Ronaldo num dos melhores é algo que precisa ser entendido para tentar explicar esse fenômeno do futebol mundial. Nunca tivemos um atleta como Cristiano Ronaldo.

Não nascemos Messi, mas podemos ser Cristiano Ronaldo. E ontem, finalmente, os machistas despiram-se dos pré-conceitos que impediam de ver que olhar para o telão não é desdém de CR7 com o mundo da bola. É a certeza de que ele é um dos melhores do mundo. Como provou ontem ser, mesmo que para isso fosse preciso ficar sem jogar.


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