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Descaso com Havelange mostra novo caminho do esporte
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Erich Beting

João Havelange talvez seja o maior responsável pelo momento atual do esporte. O ex-dirigente, que morreu ontem aos 100 anos de idade, soube como ninguém explorar o crescimento da televisão e do investimento em marketing das grandes empresas nos anos 70 e 80. Fez isso com extrema habilidade, a mesma que demonstrou para, em 1970, ganhar a eleição para a presidência da Fifa, desbancando o status quo europeu.

Havelange foi o hábil negociador que o futebol precisava para se fortalecer. Seu modelo de negócios inspirou também o COI a construir o fenômeno das Olimpíadas. A força do ex-dirigente era tanta que, em 2009, mais de 10 anos após deixar a presidência da Fifa, Havelange costurou a candidatura do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos do até então longínquo 2016. Seu apoio nos bastidores foi importante para a Cidade Maravilhosa receber os Jogos.

Na celebração da vitória, Havelange prometeu tomar um champagne na sua festa de 100 anos, durante os Jogos.

No ano seguinte, porém, o status do todo poderoso dirigente ruiu. Condenado pela Justiça suíça de receber propina da antiga agência de marketing ISL junto com o genro Ricardo Teixeira, Havelange assumiu a culpa, devolveu parte da grana e, então, foi tirado dos cargos de presidente honorário da Fifa e do COI. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma Rousseff tirou dele o passaporte diplomático concedido décadas antes no Brasil.

A perda de prestígio e poder marcaram o início do fim de Havelange, até então um senhor de 94 anos ainda plenamente ativo, diariamente nadando na piscina e viajando pelo mundo em eventos da Fifa e do COI. Mais do que a idade avançada, o que lhe fez mal foi perder o status que havia adquirido ao se impor como grande dirigente mundial, influente a ponto de negociar contratos milionários e se reunir com chefes de estado estando sempre do lado mais forte da relação.

A forma como COI, Fifa e até CBF (o Brasil não enlutou para jogar ontem e hoje as semifinais do futebol) trataram a morte do grande dirigente, porém, mostra como as coisas estão mudando.

Havelange poderia ser referendado como o grande dirigente que levou os Jogos a serem esse colosso. No entanto, foi completamente ignorado durante o evento em que, sete anos atrás, projetava que seria a celebração de seus 100 anos de idade entre aqueles que sempre tiveram a seu lado.

Ao Havelange ser colocado no ostracismo, percebemos que o esporte começa a mudar sua configuração. Não cabe mais um dirigente corrupto entre os grandes do esporte.

Por mais que tenha sido grande responsável por toda a transformação do esporte como negócio, pode ser que Havelange tenha sido apenas o cara na hora certa. Com o apetite de investimento da mídia e das marcas nos anos 80 pelo esporte, era natural que ele se tornasse um grande negócio… O ocaso com que sua morte foi tratada pelos seus pares, porém, mostra que as coisas estão mudando.


Mudança na Fifa não pode ser rápida
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Erich Beting

A Fifa elegeu Gianni Infantino como seu novo presidente (veja aqui). Suíço, como era Joseph Blatter, o dirigente terá de ser hábil para tentar resgatar a imagem da entidade. Prometendo inchar a Copa do Mundo, como fez João Havelange em 1978, o dirigente terá de ser hábil para tentar aproximar os dirigentes e tornar a entidade governável.

Tudo isso nos dá a nítida impressão de que nada muda dentro da Fifa. Mas como poderia ser diferente?

Apesar do furacão que devastou toda a entidade, a transição de poder no mundo do futebol não pode ser rápida.

Após 41 anos de um sistema montado por João Havelange e aprimorado por Joseph Blatter, é praticamente impossível imaginar que haja alguma liderança de fato nova dentro do sistema político do futebol. É, a grosso modo, querer um político diferente daquilo que temos hoje em nosso país.

Se houvesse uma mudança radical na Fifa, entraríamos num período muito difícil para a gestão da entidade. Pior até do que ela enfrenta atualmente. É preciso, hoje, uma liderança que promova a mudança necessária, mas não pode ser uma figura sem qualquer trânsito dentro do mundo da bola.

A mudança radical, com raríssimas exceções, nunca é o melhor caminho para realmente melhorar algo. A Fifa tem um produto espetacular nas mãos, que é a Copa do Mundo, mas um sistema completamente corroído pela corrupção de seus gestores.

Se, com habilidade política, um novo/velho gestor conseguir implementar mudanças que significativamente alterem a estrutura de negócios da entidade, a Fifa conseguirá, finalmente, transformar sua realidade.

É impossível achar que uma mudança radical seja a solução para a Fifa. Mas é imperativo, para a entidade, que quem for assumir a gestão tenha um plano de governo que seja maior que o plano de poder e dinheiro que sempre seduziu quem sentou na cadeira de presidente até hoje.


Wendell Lira é o “abaixo o futebol moderno” na Fifa
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Erich Beting

Foi emblemática a vitória de Wendell Lira no prêmio Puskas de gol mais bonito de 2015 pela Fifa. A presença do brasileiro na festa da entidade é um tapa na cara do “futebol moderno” que foi colocado em seu modo hard  durante a cerimônia transmitida ontem para quase 200 países.

O Gala Fifa, como o evento tenta ser chamado, é a colocação do futebol como negócio em seu nível máximo.

O atleta é, desde o início, alçado ao patamar de estrela de Hollywood. Os fãs ficam à espera de um autógrafo ou uma selfie enquanto o jogador desliza sobre o tapete vermelho, no melhor estilo “red carpet” do Oscar. As entrevistas pré-prêmio com os finalistas, os carrões chegando ao auditório onde se realiza a premiação, tudo faz parte de um universo artificial que o dinheiro permitiu existir ao futebol.

No fim das contas, tudo é superlativo na premiação que a Fifa criou de uns tempos para cá. Por isso mesmo, a vitória de Wendell representa o grito de “abaixo o futebol moderno” que ainda sobrevive em meio à transformação do esporte mais popular e, talvez, mais democrático do mundo, num circo comandado pela grana.

A realidade da bola é muito mais Wendell e muito menos Messi. Por isso foi tão legal ver aquele “penetra” na festa dos craques milionários e midiáticos. Embasbacado igual criança que vê seu ídolo pela primeira vez. Feliz igual criança que ganha a primeira bola oficial. Sincero como criança.

Para quem vive o negócio do esporte, ter um Wendell Lira entre os craques do mundo todo é nos trazer de volta à realidade. É lembrar o motivo pelo qual o marketing deve trabalhar.

Teimamos em colocar os jogadores no lugar de semideuses, num panteão quase inatingível, acessível apenas para alguns poucos próximos a um tapete vermelho na Suíça. Quando, na realidade, o que movimenta o futebol são os Wendells com suas acrobacias para conseguir marcar um gol na vida.

O futebol moderno não precisa acabar. Mas precisa, urgentemente, passar a ser feito por e para seres humanos. O nível de dinheiro envolvido ficou tão grande que os marqueteiros passaram a viver uma realidade paralela, cada vez mais descolada do “mundo real”.

Wendell Lira é o sopro que nos mostra para quem o futebol deve ser feito.

 


Que ano foi esse?
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Erich Beting

É bem provável que, no fim de 2014, estávamos pensando no “ano mágico” que havíamos acabado de atravessar. Afinal, não só teve a Copa, mas que Copa memorável que tivemos no país! Um futebol bem jogado, uma festa bacana e muito aprendizado trazido para cá pelo maior evento do esporte mais popular do mundo.

Era natural, e essa era a minha ideia original, que viveríamos em 2015 um ano de ressaca. Poucas mudanças bruscas no futebol, a expectativa olímpica começando a aumentar a partir de agosto, as marcas começando a aquecer os tambores para 2016, sem grandes investimentos no esporte, os mesmos cartolas de sempre mandando e desmandando…

Até 27 de maio era mais ou menos esse o roteiro. O Brasileirão começava, as dúvidas sobre a performance técnica da seleção brasileira continuavam (que ano não foi assim desde que você se conhece por gente que acompanha futebol?), as marcas timidamente começavam a traçar seus projetos olímpicos…

Aí veio a prisão de José Maria Marin, a delação premiada de J. Hawilla nos Estados Unidos e o futebol virou de cabeça para baixo.

Sempre achamos, trabalhando ou não com futebol, que os dirigentes que estavam no comando do futebol no país tinham atitudes no mínimo suspeitas. Hoje, os três últimos presidentes da CBF são acusados formalmente pela Justiça dos Estados Unidos de práticas de crimes de corrupção. Um está preso, um sumiu faz três anos (Ricardo Teixeira sempre foi um homem de visão), o outro acaba de pedir licença do comando da entidade…

Joseph Blatter, o presidente da Fifa há quase 20 anos, foi tirado da cadeira máxima do futebol. Diversos outros dirigentes estão caindo, entre eles o até então ilibado Michel Platini, ex-craque de bola da França que trocou a fama conquistada pelos dólares desviados em acordos obscuros, ao que tudo indica.

O ano de 2015 pode vir a ser o começo do fim de um sistema mafioso que corroeu o futebol nos últimos 40 anos. As vísceras de um modelo de negócios que mais era um modelo de negociatas estão expostas, e a necessidade de mudança é enorme.

No final das contas, aquele que tinha tudo para ser um ano morno no esporte talvez tenha sido um dos mais importantes das últimas décadas. A ressaca pós-Copa foi acompanhada de um vendaval que rachou o status quo e colocou, sob nova perspectiva, o mercado do futebol.

Isso sem falar no que ainda vão se desenrolar as investigações sobre doping iniciadas na Rússia. Tal qual o castelo começou a ruir na América do Sul para o futebol, é muito provável que o esporte atinja novo patamar a partir do instante que combater, de forma sistemática, a burla de regras do doping, que envolve, como se vê no atletismo, pagamento de propinas a dirigentes para acobertarem as histórias.

No marasmo que geralmente caracteriza o ano em que não há Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, será impossível, na cronologia do esporte, deixar 2015 para lá. Dentro das quadras, piscinas e campos, tudo correu mais ou menos como sempre, sem grandes feitos.

Mas, fora das competições, nunca houve tanta evolução num mesmo ano como esse que passou!

Agora é virar a página e começar 2016 com o espírito olímpico em dia. Para, daqui a um ano, podermos dizer “e que Olimpíada tivemos”! O blog, naturalmente, volta a falar de esporte e negócios na próxima semana, após uma pausa para recarregar as energias!

Bom Ano Novo a todos!


Os patrocinadores nunca deixarão a Fifa
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Erich Beting

As declarações estapafúrdias de Joseph Blatter, tentando ver problema na investigação iniciada pela Justiça dos Estados Unidos, e não no sistema corrompido que domina boa parte do futebol, colocam ainda mais lenha na fogueira acesa desde 27 de maio, quando começou para valer o jogo de xadrez na política da bola.

Soma-se a isso uma declaração, um pouco mais contundente, da Adidas, parceira de mais longa data da Fifa, clamando por mudanças significativas no controle da entidade.

Será que a bonança da Fifa está com os dias contados? Os patrocinadores farão uma fuga em massa da entidade? Veremos as empresas tomando a atitude que delas esperamos?

Não, não veremos.

Os patrocinadores principais nunca deixarão a Fifa. Pelo menos se continuarem a serem empresas do tamanho que são hoje, quase todas líderes, ou quase isso, em seus mercados.

E o motivo é muito maior do que a Fifa e a corrupção nela impregnada.

As marcas não deixam a Fifa porque isso é um péssimo negócio. Apesar de toda a sujeira que existe no futebol, a Copa do Mundo é um negócio que se tornou maior do que a Fifa mesmo. As marcas se atrelam à entidade apesar da corrupção, para ganharem com os direitos exclusivos que passam a deter sobre o Mundial a cada quatro anos.

Não por acaso, quase 90% da arrecadação da Fifa atualmente é de contratos relacionados ao Mundial. A previsão orçamentária feita pela entidade leva em conta o quadriênio do Mundial. Os contratos de TV e patrocínios somam quase US$ 4 bilhões, praticamente tudo o que a Fifa ganha de dinheiro a cada quatro anos.

Por conta disso, por mais desastroso que seja o comando da entidade, ele consegue entregar um dos melhores produtos que existe, que é a Copa do Mundo. Seja ela na África do Sul, no Brasil, na Alemanha, na Rússia ou até mesmo no Qatar.

A Fifa sobrevive à pior crise já passada por uma entidade esportiva do tamanho dela porque ela conseguiu ter um produto que é um dos mais desejados do esporte mais popular do mundo. Enquanto isso não mudar, e dificilmente irá, as marcas nunca deixarão a Fifa. Por mais corrupta que a entidade possa ser.

 


Briga na CBF mostra que troca de poder sempre é lenta
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Erich Beting

Quando Ricardo Teixeira se afastou da presidência da CBF, em março de 2012, ficou claro que abria-se ali um vácuo de poder dentro do futebol brasileiro. Depois de quase 25 anos, a maior liderança saía de cena para não mais voltar (hoje percebe-se quão bem antecipado foi esse movimento feito por Teixeira).

O levante que começa a ser organizado pela Primeira Liga e pela carta dos clubes paulistas (detalhes aqui) mostra que qualquer troca de poder, quando feita de forma democrática e pacífica, requer tempo. Não bastou Teixeira renunciar há quase quatro anos. Muito menos José Maria Marin ser preso em maio deste ano.

Só quando Marco Polo Del Nero caiu acusado pelos mesmos crimes de seus dois antecessores é que os clubes perceberam que haveria condições para levantar a voz contra o poder constituído há quase três décadas.

Em 1987, os clubes decidiram dar um tapa na enfraquecida e falida CBF para assumirem o poder e criarem a Copa União. Desgastada pelos sucessivos desmandos da ditadura militar, que levaram o Brasileirão de 1986 a ter 80 clubes, 680 jogos e terminar só em fevereiro de 1987, a CBF teve de aceitar a imposição dos clubes e entregou a eles o controle do Brasileirão.

Agora, quase 30 anos depois, são os sucessivos desmandos de gestões fraudulentas que levam a CBF a ter de aceitar a nova imposição dos clubes. Se não for agora, será no próximo ano. Mas, da mesma forma que não havia condições para a entidade trazer para si a gestão do futebol jogado entre clubes naquela época, agora também não há.

O poder começa, lenta e gradualmente, a trocar de mãos.

Lá atrás, o movimento de transferência de poder aos clubes acabou a partir do instante em que Ricardo Teixeira, amparado pelo sogro João Havelange, então presidente da Fifa, assumiu o controle do futebol, em 1989. Hoje, é difícil imaginar que exista alguém que consiga ter poder suficiente para recolocar os clubes sob controle.

A mudança representa, nesse começo, um sopro de esperança. O problema a resolver, na cada vez mais natural Liga do Brasileirão, é o contrato de televisão. Se continuar negociado de forma individual, a liga não terá força econômica suficiente para levar o poder todo para as mãos dos clubes. Para essa mudança acontecer, porém, a mentalidade dos dirigentes de clube precisa mudar radicalmente.

É exatamente nesse sentido que paira a grande dúvida sobre o quão eficiente será, para o espetáculo futebol, a transferência de poder que se aproxima.


Efeito cascata provocado pela Fifa vai mudar o futebol
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Erich Beting

O efeito é cascata. Começou lá no 27 de maio com a prisão dos dirigentes e vai se ramificando mundo adentro. O fato é que, depois que ficou provada uma parte do esquema de corrupção que assola o futebol desde que TV e empresas passaram a pagar alto para ter os principais eventos, começou uma grande investigação sobre os negócios da bola em todo o mundo.

O escândalo da vez é na Itália. Por lá, a procuradoria descobriu que as empresas de mídia vinham fazendo vários adiantamentos aos clubes para que eles pudessem terminar o ano com o balanço financeiro no azul e, assim, continuar a disputar a Série A no ano seguinte. Em troca, os clubes favoreciam as empresas que faziam os pagamentos na discussão sobre a renovação dos direitos de TV (detalhes aqui).

Isso, aliás, poderá abortar de vez o já amalucado projeto da Liga dos Campeões das Américas trazido por aqui pela agência MP&Silva, envolvida no escândalo de futebol na Itália.

modus operandi não é muito segredo, mas agora os italianos conseguiram descobrir quem paga, quem recebe e tudo mais. É, a grosso modo, o mesmo que aconteceu com J. Hawilla e Traffic no começo do ano. Sabia-se como era o negócio, mas ninguém conseguia comprovar. A partir do momento em que o fio do novelo de lã começou a ser desenrolado…

O interessante é observar que a crise de imagem que atravessa o futebol será, no fim das contas, benéfica para o negócio. Antes, a Fifa dava o exemplo, para o mau, de como gerenciar as coisas. Pouca transparência, bastante arrogância e nenhuma preocupação de fato com o desenvolvimento do futebol eram alguns dos princípios básicos que regiam a entidade máxima do futebol.

Se o topo da pirâmide era assim, porque seria diferente nos outros lugares?

Isso gerou um modelo de negócios amplamente favorável à corrupção. Dirigentes remunerados por debaixo dos panos, empresas pagando mais por direitos que teriam menor valor, adiantamentos de verba para cobrir rombos em troca de favores. O modelo do futebol é ditado pela força econômica. Quem paga mais, leva.

Agora, porém, o sistema sofre uma mudança. O escândalo deflagrado nos EUA mostrou para outros países que há muito dinheiro desviado e sonegado por debaixo de alguns negócios da bola. Isso tem feito com que o futebol, como nunca antes aconteceu, comece a ser alvo de investigações mais severas por parte dos países.

A Itália é só mais um exemplo de como isso tem acontecido com maior frequência. E, caso os italianos consigam mostrar que, além dos contratos de patrocínio, os direitos de TV ainda representam uma caixa preta no universo da bola, fatalmente a faxina começará a ficar mais severa.

Imagine então o dia que as transações de jogadores no futebol passarem a ser o alvo das investigações?

A Fifa abriu a porta para que o futebol inicie uma faxina sem precedentes na história do esporte. Invariavelmente, toda crise traz melhorias para o ambiente de negócios. Com o futebol, não será diferente.


A oportunidade única que o São Paulo tem de retomar a fama
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Erich Beting

O São Paulo tem pela frente uma oportunidade única.

O clube, que nos anos 80 construiu a fama de ser o mais organizado do país, considerado exemplo de gestão e sinônimo de conquistas, caiu na vala comum do futebol engolido pelo meio corrupto. Longe de achar que o Tricolor viveu alheio a desvios e desmandos tão típicos dos maus tratos que o universo da bola tem sofrido desde que começamos a envolver dinheiro na brincadeira entre amigos.

Mas, se havia uma coisa que o São Paulo sabia fazer melhor do que qualquer outro clube no país, era colocar sempre os interesses da instituição à frente dos desejos pessoais de dirigentes. Foi esse diferencial político que o clube perdeu na última década e que o arrastou para o patamar onde está o sarrafo de competência gerencial do futebol nacional.

Agora, porém, a oportunidade bate à porta. O São Paulo tem dois caminhos a escolher. Faz, como aparentemente parece ser a solução no Congresso Nacional. Com receio do poder de quem está acuado, ignora o passado sujo, passa a borracha e tenta seguir adiante.

Não investigar as denúncias que pesam sobre Carlos Miguel Aidar é agir completamente contra o que mais tem se apregoado no mundo. Ainda mais tendo o exemplo da Fifa para seguir, o São Paulo pode dar o primeiro passo e ser de novo um vanguardista, não só abrindo as suas contas publicamente como colocando o dedo na ferida e mostrando que, no clube, a transparência é o que norteia seus princípios.

O grupo que vier a assumir o poder no São Paulo não tem qualquer comprometimento com os desmandos de antes. Isso lhe dá a oportunidade de tomar uma atitude inédita no futebol, mas que naturalmente virá a ser regra, que é a de escancarar as contas, mostrar onde estão os abusos e tornar, a partir de agora, completamente transparente os negócios envolvendo, pelo menos, o futebol do São Paulo.

Nunca um clube ousou ter a transparência como princípio ético de atuação. Revelar os termos de contratos com atletas, as condições de contratações, quem são os intermediários de negócios e em quais condições eles atuam seria uma atitude que só uma instituição sem medo de ser honesta poderia tomar.

Pelo bem do futuro da indústria, o futebol precisa mudar radicalmente sua gestão. O São Paulo tem a chance de ser o primeiro a fazer isso. O quanto isso impacta nos negócios do clube no médio e longo prazo? Com certeza num primeiro instante o São Paulo sofreria, especialmente na questão de contratação de jogadores. Mas, em cinco anos, no máximo, o clube estaria muito à frente da concorrência.

A Fifa deve, na semana que vem, anunciar uma série de mudanças na conduta da entidade. E, com certeza, ela passará a exigir isso do universo do futebol. Assim como a Lei Bosman, de 1995, foi acabar com a figura do passe cinco anos depois no futebol brasileiro, as novas regras de gestão da Fifa deverão impactar no médio prazo todo o universo do futebol.

O São Paulo tem uma chance única de ser mais adiantado até de quem comanda o futebol no mundo.


Modelo do futebol precisa ser revisto
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Erich Beting

A renúncia de Carlos Miguel Aidar, somada à crise da Fifa, reforça a necessidade de o modelo do futebol ser revisto.

A origem do futebol no Brasil remonta à formação social do país. Inicialmente, o futebol era jogado pelos clubes, que eram formado muitas vezes por grupos diferentes de pessoas. Os ingleses, os italianos, os alemães, os operários, os brasileiros, etc. Aos poucos, esses grupos começavam a querer rivalizar entre eles, literalmente para ver quem era o “melhor da cidade”.

Foi assim que surgiu, em 1902, o Campeonato Paulista. Até então, nada além da reunião de confrades, de clubes que tinham meramente como objetivo se divertir ao final de semana, mas numa brincadeira que foi ficando um pouco mais séria ao longo do tempo.

Os campeonatos pelo país evoluíram, desde os anos 1930 o jogador passou a ser considerado profissional, a televisão entrou na jogada, os patrocinadores também e, agora, o marketing dentro dos clubes começa a decolar. Mas e a estrutura de gestão dessas entidades?

Esse é o ponto que, literalmente, não mudou desde que Charles Miller trouxe as primeiras bolas para o Brasil.

Continuamos a ter o futebol regido por entidades que nada mais são do que meras associações de pessoas. E isso gera um ambiente completamente propício para a corrupção.

Tal qual acontece na política, o dinheiro no futebol não tem dono. A dor do prejuízo sempre cai sobre o clube, nunca sobre o dirigente responsável pela dívida. As acusações que recaem sobre Aidar, de recebimento de comissões sobre transação de jogadores e também em contratos de patrocínio, nada mais são do que o escancaramento da realidade dentro do futebol.

Enquanto os contratos não se tornarem públicos, será impossível vigiar a rota do dinheiro no futebol. Que o diga a tabelinha Neymar-Barcelona, ou o pagamento recém-descoberto de Blatter a Platini, que possivelmente mudará o rumo futuro da Fifa e, consequentemente, do futebol.

O modelo de associação clubística para o futebol funcionou até o momento em que se profissionalizou o esporte. Desde que os jogadores passaram a receber salários, criou-se a necessidade de fluxo de caixa para o futebol, e isso já exigia, desde aquela época, que o clube passasse a ser tratado como uma empresa, tendo como maior finalidade as conquistas, mas pensando o tempo todo em como atuar para gerar receita, montar times fortes e ganhar títulos.

Como não fez isso há 80 anos, o futebol passou a viver a mercê da honestidade de quem está no comando. O problema é que é muito dinheiro orbitando na esfera futebolística, com a maior parte dele indo para o atleta. Nos últimos 30 anos, o montante de grana envolvido se tornou ainda maior.

O ambiente do futebol, do jeito feudal como é organizado, é prato cheio para que a farra com o dinheiro alheio engorde os cofres errados. E isso se transforma em algo completamente incompatível quando comparado ao que se transformou o futebol na atualidade.

As decisões a serem tomadas pelo comitê de reforma da Fifa nos próximos meses podem ser fundamentais para começar, de cima para baixo, a mudar isso. O futebol vive hoje numa encruzilhada. As principais divisões de cada país são absolutamente profissionais dentro de campo, mas precisam urgentemente se tornar profissionais fora dele. Não dá para considerar, da mesma forma, uma equipe da Série A com uma de Série D.

O modelo não pode continuar a sendo o mesmo de 80 anos atrás.


O futebol precisa de um Uber para quebrar a banca
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Erich Beting

A crise que sangra a Fifa há quatro meses começa a mostrar seus mais diferentes desdobramentos no universo do futebol, que por sua vez revelam a total falta de inovação que existe na cadeia de comando da modalidade.

A situação atual da principal entidade do futebol beira o ridículo. Um resumo da tragicomédia. Em 27 de maio, sete dirigentes ligados à Fifa são presos na Suíça por corrupção, em investigação feita pelos Estados Unidos. Dois dias depois, o presidente da entidade é reeleito para mais quatro anos à frente da entidade que comanda desde 1998. No discurso de posse, afirma que continuará sentado em seu trono para resgatar a imagem da entidade.

Quatro dias depois, o presidente afirma que não vai mais ficar na entidade. Mas que a renúncia não é imediata. Ela só vai acontecer dali a nove meses, literalmente para ter tempo de ser gerido o novo sucessor. Cerca de quatro meses depois, o secretário geral da Fifa se vê como principal ator de um esquema para revenda com ágio de ingressos da Copa do Mundo, em operação que lhe rendeu alguns milhões de dólares.

A Fifa, então, decide suspender o dirigente. Seu presidente, por sua vez, reitera que não há nada de errado nisso. Dias depois, é a vez de o presidente ser o alvo de investigação, acusado de má gestão e apropriação indevida de recursos. Nessa investigação, o principal candidato a sucessor do trono tem revelado um pagamento, com dez anos de atraso, de um serviço prestado para a Fifa. Pagamento feito sem qualquer ágio pelo atraso, numa data que coincidia com o período pré-eleitoral da entidade, em que o dirigente que recebeu o dinheiro era o principal candidato de oposição e, misteriosamente, desistiu da candidatura…

Passa-se mais uma semana e quem financia a Fifa decide falar. Os principais patrocinadores da entidade, alguns com mais de 60 anos de relacionamento com ela, pedem para o presidente renunciar, “pelo bem do jogo”, apropriando-se do slogan que a Fifa gosta de usar para justificar a imposição de seu “padrão” goela abaixo de quem recebe qualquer evento da entidade.

O que faz o presidente? Pede para sair? Não! Ele diz que continua no cargo… Agora, é o próprio comitê de ética da Fifa que decide propor o afastamento, por três meses, do presidente. Exatamente quatro meses antes da eleição, o que não lhe daria tempo para fazer muita coisa na preparação do sucessor. Aliás, sucessor esse que agora é uma grande incógnita, já que o favorito ao trono também tem o pedido de suspensão temporária após ter recebido esses tais de 2 milhões de francos suíços com dez anos de atraso.

E o que faz o restante do universo do futebol frente a tanto descalabro?

Até agora, o que se vê surgir são alguns projetos de criação de ligas de clubes. Baseados meramente na premissa de que “tem de se dar poder aos clubes”. Como acreditar que algo realmente diferente virá desses clubes, em sua maioria deficitários e sem apresentarem um modelo de gestão que seja diferente do status quo vigente?

Há 45 anos a Fifa criou o modelo de gestão de eventos baseado na venda dos direitos de transmissão e patrocínio, com o atleta se tornando uma espécie de figurante de um produto maior.

As propostas “inovadoras” que surgem até agora são meramente réplicas desse modelo com novos atores. Seja uma agência de mídia turbinada por dinheiro de parceiros (no caso da Liga dos Campeões das Américas), seja uma liga de clubes que de inovador só tem o discurso de que o clube é mais capaz do que a CBF para transformar o futebol num produto (no caso da Liga Sul-Minas-Fla-Flu).

O futebol precisa urgentemente de um Uber. Um modelo de negócios novo, que rompa com o paradigma vigente, que traga inovação e possibilite mudar o ecossistema. Só assim será possível acreditar que realmente poderá ter uma mudança para melhor na modalidade…