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Arquivo : Kappa

Os dois lados do acordo Santos e Kappa
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Erich Beting

Foram quase oito meses de negociação. Desde o início do ano, quando a SPR montou a estratégia para a volta da marca Kappa com força ao Brasil, que existe uma negociação com o Santos para que a empresa seja a nova fornecedora de material esportivo do clube, num modelo de negócios que pode vir a transformar o mercado no país.

A assinatura do contrato, ontem pela manhã, representa uma nova realidade dentro do ambiente de negócios dos contratos para fornecimento de material esportivo no futebol.

Até hoje, geralmente o modelo foi ditado pelas grandes marcas e pelos grandes clubes. A lógica é a seguinte. Uma marca paga um valor fixo para ter o direito de colocar seu logotipo na camisa para o clube. Além disso, ela é quem fica responsável por produzir e distribuir a camisa. Conforme forem acontecendo as vendas, a marca repassa um valor para o clube relativo ao sucesso do negócio.

O risco, num negócio desses, é quase que integralmente da marca esportiva. Se o clube não tiver boas vendas, ela simplesmente perde dinheiro com ele. O valor investido no negócio só compensa pela exposição que a marca consegue.

Por essa razão, esse é um modelo que atende bem os grandes clubes, que tem uma boa capacidade de vendas, e as grandes marcas, que tem mais fôlego para investir. É o que consagra times como Corinthians, Flamengo e Palmeiras, que conseguem vender entre 500 e 800 mil camisas por ano, mas que derruba outras marcas, que investem pesado sem ter o mesmo retorno em comercialização de peças, tornando o negócio deficitário na maioria das vezes.

Nos últimos anos, porém, o mercado inchou. Os valores pagos aos clubes tornaram-se maiores do que a capacidade deles em gerar vendas. Foi o que provocou grande mudança no cenário de um tempos para cá.

Os clubes basicamente passaram a comprar da empresa o material para jogo. Em troca, passaram a ter um percentual maior sobre as vendas realizadas. Isso gera um risco muito maior para o clube, que passa a depender do parceiro comercial para obter sucesso nas vendas.

O negócio entre Santos e Kappa pretende ser uma evolução dessas duas situações de mercado. E, se for bem realizado, poderá ser um grande divisor de águas no modelo praticado até hoje no mercado brasileiro.

No modelo fechado nesta quinta-feira, o Santos é o “dono” do negócio. É o clube quem, literalmente, detém todo o processo de fabricação, utilização e venda de camisa. Em tese, o Santos é quem negocia compra de tecido, fábrica que irá confeccionar as peças e, posteriormente, a negociação com as lojas para colocar o material no ponto de venda.

Como o Santos é um clube de futebol, não uma marca produtora de uniformes, a SPR Confecções, que é quem detém a licença de uso da Kappa no Brasil, auxilia o clube em todo esse processo. O ponto-chave disso é a palavra “auxilia”. Antes, o clube entregava toda essa gestão para o fornecedor. Agora, o Santos atua lado a lado da empresa nisso.

A receita será integralmente do Santos, assim como as despesas de produção do material. A SPR/Kappa, como intermediação do negócio, terá sua remuneração. A empresa, porém, investirá R$ 1,5 milhão ao ano para promover os lançamentos de camisa, aumentar vendas, etc.

E é isso o que pode vir a mudar muito a cara do mercado. Com um contrato de três anos, o Santos terá de profissionalizar o departamento que ficará responsável pela gestão desse negócio. Não dá mais para, a cada troca de presidência, mudarem as pessoas que gerenciam a produção e distribuição de material esportivo.

Da mesma forma, se o processo for bem implementado, com o clube entendendo melhor toda a cadeia que envolve planejamento, produção e venda de camisas, rapidamente os demais clubes e marcas vão querer alterar o modelo que vigora, seja ele o que gera maior risco para um ou para outro.

Esse é o copo meio cheio de toda a história.

O meio vazio é o que pode levar a um grande fracasso a iniciativa. O Santos ir mal dentro de campo, as peças encalharem nas lojas (o que pode ser agravado em tempos de crise e grana curta) e o resultado financeiro ser desastroso. Isso faria com que o mercado rejeitasse o novo modelo e tudo permanecesse como está, com apenas quem tem alta performance em vendas recebendo dinheiro, ou com os demais trocando de fornecedor a cada ano num negócio que geralmente faz com que o torcedor seja prejudicado, já que não encontra a camisa do time à venda em lojas.

O negócio é inédito e precisa de muito profissionalismo para prosperar. Não por acaso, clube e empresa levaram quase um ano para fechar o acordo. Mas a disposição em fazer esse negócio já é um passo inovador dentro do mercado. Resta saber se o mercado já está maduro o suficiente para assimilar essa inovação.

Para entender um pouco mais:
Com modelos distintos, Santos e Palmeiras fecham fornecedores de uniforme


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