Nada mais normal que o contrato da CBF com a ISE
Erich Beting
Espetacular a reportagem de Jamil Chade no “Estadão” sobre o contrato entre a CBF e a ISE, que prevê as condições para a entrega da organização dos amistosos da seleção brasileira à agência do grupo árabe Dallah Al Baraka. O absurdo do contrato está longe de ser a exigência de que o Brasil tenha força máxima nos amistosos. Isso é até meio óbvio, uma vez que você paga pela marca da seleção brasileira e precisa receber por isso.
Até aí, faz parte do jogo. Só faltava, aliás, a ISE assinar um acordo milionário como esse sem exigir tal contrapartida.
Como disse a própria CBF na resposta à reportagem, “se o Barcelona for jogar com o seu time B, sem contar com suas grandes estrelas, como por exemplo (sic) Neymar, Messi e Suarez, suas cotas comerciais serão menores”.
Aí é que entra o “xis” da questão.
O Barcelona seria incapaz de assinar um contrato do porte desse feito pela CBF. O clube espanhol, que está longe de ser um poço de lisura (vide o enrosco que se meteu Sandro Rossell, seu ex-presidente), simplesmente não faria um negócio em que entregaria para promotores a realização de todas as suas partidas amistosas. O clube negociaria, caso a caso, a realização desses jogos.
O absurdo do contrato CBF/ISE é a sua própria existência. A CBF ganharia muito mais dinheiro se deixasse para negociar, jogo a jogo, data Fifa a data Fifa, as partidas que realizaria. Na reportagem do Estadão, o próprio presidente Marco Polo Del Nero gaba-se de que o contrato assegura um dinheiro que a CBF não faria se organizasse sozinha os amistosos.
Ora, se a cota equivale a cerca de R$ 3,5 milhões, no próximo dia 7 de junho, quando o Brasil enfrenta o México no Allianz Parque, a receita de bilheteria deverá ser, no mínimo, o dobro desse valor.
Se realmente houvesse uma preocupação em aproximar a marca da seleção brasileira do torcedor e dar um novo funcionamento para muitos dos estádios construídos para a Copa do Mundo, a CBF simplesmente deixaria de vender seus amistosos para o exterior, passaria a convidar as seleções de todo o mundo para atuar aqui e, assim, faria, só com bilheteria, o dobro da renda obtida no contrato com a ISE.
Logicamente que a entidade teria muito mais trabalho, precisaria de muito esforço para organizar os jogos no Brasil. Ela teria de convidar e pagar cachê a um time do exterior (desconfio que só os de primeira grandeza necessitariam desse tratamento), teria de montar sistema de venda de ingressos, alugar estádio, contratar segurança para a partida, montar um projeto comercial para vender cotas de patrocínio, sentar para negociar com emissoras de TV do mundo todo a transmissão da partida para o exterior, criar ações para engajar o torcedor, etc.
Como a CBF não organiza nenhum jogo de futebol no Brasil, fica difícil ter essa estrutura dentro de “casa” para tocar um amistoso. Muito mais fácil – e rentável – é entregar a um parceiro a organização desses jogos. Afinal, ele se preocupa tanto com a lucratividade do negócio que faz o Brasil jogar no moderno Emirates Stadium, em Londres, com aluguel em libras e público genuinamente nacional.
No fim das contas, nada mais normal que a CBF abrir mão de organizar os jogos amistosos da seleção brasileira. Ela já tem muita coisa para fazer no dia-a-dia organizando as séries A a D do Brasileirão, o futebol feminino, os campeonatos de base pelo país…