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Arquivo : Tite

“Ema, ema, ema, cada um com seu problema”…
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Erich Beting

CT do Corinthians, 11 de dezembro de 2013. Roberto de Andrade, então diretor de futebol do Corinthians, apresenta Mano Menezes como novo treinador do clube. Naquela época, fervia o caso Héverton, jogador que foi escalado pela Portuguesa, numa história ainda mal contada, sem condições de jogo na última partida do Brasileirão daquele ano. A Lusa estava para ser rebaixada, e o dirigente do Timão foi interpelado sobre o que achava do caso. Roberto se esquivou, tentou não falar muito mas, no final, emitiu a expressão que dá título ao post de hoje e que explica bem boa parte dos atrasos do futebol brasileiro.

“Então, ema, ema, ema, cada um com seu problema”, disse Roberto de Andrade para não responder, mas já respondendo, sobre o que pensava do caso da Portuguesa.

A Lusa praticamente começou o início de seu fim naquele episódio. Um clube tradicional do país, que revelou excelentes jogadores de tempos em tempos e que, afundado por erros próprios e de terceiros, caminha para uma melancólica subexistência, para desespero dos Gomes, Pintos, Medeiros, Sás e tantos outros lusitanos que tem na Portuguesa a razão de se apaixonar pelo futebol.

CT do Corinthians, 15 de junho de 2016. Roberto de Andrade, presidente do Corinthians, explica a saída de Tite do comando técnico do clube, por decisão única e exclusiva do treinador, chamado para dirigir a seleção brasileira.

“Estou puto com a CBF para ser bem exato, pela maneira que eles vieram. Não recebi um telefonema do presidente da CBF. Esse é o respeito. Hoje, tentou falar comigo depois de tudo resolvido. O Corinthians merecia mais respeito”, disse Roberto de Andrade, para então depois vociferar: “Estou rompido com a CBF. Não preciso dela para nada”.

A frase dita dois anos e meio antes por Roberto de Andrade poderia, muito bem, ser usada para explicar o que aconteceu no caso Tite.

Ema, ema, ema…

E é exatamente esse o problema do pensamento da maioria no futebol brasileiro atualmente. Não há qualquer preocupação com o todo. Assim como há dois anos e meio o futuro presidente do Corinthians achava que não deveria se preocupar com o problema alheio, hoje o presidente da CBF também acha que não precisa procurar um filiado para conversar sobre a possibilidade de “roubar” o técnico do time.

O Corinthians depende, e muito, da CBF. Assim como depende da Portuguesa, do Flamengo, do Palmeiras ou do Audax, que há 15 anos nem existia.

O futebol necessita, urgentemente, de união. O que já era ruim ficou ainda pior em 2011, quando o Clube dos 13 entrou em colapso como representante comercial de parte dos clubes da Série A do Brasileiro. A partir dali, o conceito do “ema, ema, ema” se transformou em regra.

O que acontece hoje no futebol do Brasil é reflexo da cultura de achar que não se depende de ninguém para nada. De achar que a grandeza de um clube é maior do que a grandeza do futebol coletivamente.

Talvez hoje Roberto de Andrade saiba que não se pode ignorar os demais. Sim, já se vão quase três anos da infeliz frase do então dirigente de futebol do Corinthians, hoje presidente. Mas a forma como se conduziu todo o episódio envolvendo a ida de Tite para a seleção foi mais um claro exemplo de que nossos dirigentes não entendem que o ecossistema do futebol está, todo ele, entrelaçado.

O “ema, ema, ema, cada um com seu problema” precisa rapidamente se transformar em “ema, ema, ema, todos nós temos o mesmo problema”. Só assim o futebol poderá começar, gradativamente, a sair de uma crise de identidade como provavelmente só vimos após a derrota na Copa do Mundo de 1950.


O que o sim de Tite à CBF pode mudar nas relações do futebol
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Erich Beting

Tite pode vir a ser um funcionário da CBF sendo que, há meio ano, ele assinou um manifesto em que pedia a saída de quem está no comando da entidade. Naturalmente isso se tornou alvo de reportagem e comentários pelas redes sociais tão logo o treinador entrou na sede da CBF para negociar uma possível ida para a seleção.

Os mais puritanos argumentam que Tite será incoerente se aceitar trabalhar para um patrão que ele mesmo pediu para sair não tem nem um ano. Outros, mais pragmáticos, argumentam que o treinador não pode se prender a isso para ter a oportunidade de chegar, com plenos poderes, ao cargo máximo de um técnico no Brasil.

Mas há uma importante discussão por trás de um eventual aceite do treinador para o cargo.

Tite pode não concordar com o que pensa o seu patrão, porém pode perfeitamente trabalhar para ele. Vivemos numa era de aumento de intolerância no convívio social exatamente pela dificuldade que estamos tendo em aceitar uma opinião contrária à nossa.

Quando assinou o manifesto contra a CBF, Tite fez, como boa parte dos outros críticos à forma como a entidade tem sido conduzida hoje, o seu papel como profissional que atua no meio do futebol. Expôs sua insatisfação com a maneira com que o futebol é gerenciado pelo principal órgão representativo dele.

Isso não pode, porém, significar que é impossível a ele sentar, conviver e, quem sabe, melhorar as próprias atitudes dentro da CBF.

Num modelo baseado num sistema político como o do futebol, a melhor forma de conseguirmos fazer aparecer nosso trabalho é fazer parte dessa engrenagem. Isso não significa concordar com as práticas ali adotadas ou fechar os olhos para as condutas erradas que acontecem. É ter a noção de que só é possível conseguir mudanças quando se faz parte do processo de discussão dentro da entidade.

Tite tem a oportunidade de levar seu vasto conhecimento para dentro da CBF e, com ele, ajudar a transformar o futebol desde a raiz, que é uma das maiores críticas que temos feito nos últimos dois anos ainda sob o luto dos 7 a 1.

Pelo histórico do futebol nacional, desde os tempos da extinta CBD, é difícil acreditar que há ouvidos abertos para que as coisas se transformem. Mas, considerando algumas pequenas atitudes recentes da CBF, é inegável que há uma maior abertura ao diálogo, até mesmo com ferrenhos opositores, como nunca antes aconteceu.

Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, apanhou da opinião pública por aceitar o cargo de chefe da delegação do Brasil na malfadada Copa América do Centenário. Outro crítico ácido dos comandantes do futebol brasileiro, Bandeira foi visto como “vendido” ao aceitar acompanhar o time nacional. Mas será que, como presidente de um clube filiado à CBF, ele não tem de aceitar esse tipo de convite? O cargo que ele representa não é maior do que a vaidade pessoal?

Guardadas as devidas proporções, Tite tem todo o direito de dizer sim para trabalhar na CBF mesmo sendo crítico a seus patrões. E cabe ao comando da entidade entender que esse crítico pode ter muito a ajudar dentro da própria CBF não apenas como treinador do time principal masculino.

Um “sim” de Tite à CBF pode nos mostrar que é importante ter diferenças de opinião dentro de um mesmo ambiente de trabalho. Não adianta nada clamar pela democratização do comando do futebol brasileiro se, quando há a chance de fazer parte do processo, não nos mostrarmos abertos ao diálogo.

Tite é o melhor treinador do futebol brasileiro na década. Logicamente, é o mais indicado para ser o técnico da seleção brasileira. Mas esse “sim” pode ir mais além do que o comando técnico dos jogadores.


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