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Estádio, afinal, é ou não lugar para usar a internet?
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Erich Beting

“Mineirão, meu amigo, bem que você poderia liberar uma rede wifi para nós, faz falta demais”.

A postagem, feita no dia 3 de outubro no perfil do estádio do Mineirão no Twitter por um internauta, recebeu a seguinte resposta oficial:

“Você vai para o estádio para ficar na internet? Tem que ir para cantar, apoiar seu time e sair sem voz!”.

O diálogo foi prontamente retuitado e compartilhado nas redes sociais, expandido para além do Twitter, onde o post teve mais de mil interações. A maioria das pessoas defende a postura adotada de forma oficial pelo estádio. O próprio torcedor que fez a pergunta não se ofendeu com a resposta.

A lógica exposta pelo Mineirão em seu Twitter é simples. O torcedor que vai frequentar o estádio só pode ser aquele que não quer pensar em usar a internet durante o período em que estiver por lá. Ele não pode querer compartilhar as imagens e os vídeos registrados no jogo. Não pode querer mostrar a torcida, o campo, o estádio. Ele tem de se concentrar apenas em ver um jogo de futebol. E, logicamente, “cantar, apoiar o time e sair sem voz”.

O pensamento retrógrado que ainda insiste em ditar o comportamento do futebol pode ser sintetizado nesse diálogo. Se viesse de um torcedor fanático essa resposta, ela seria absolutamente compreensível. Para ele, aquilo é religião, não é entretenimento. Não se vai a uma missa para tirar foto do padre e gravar o sermão.

Mas quem não é fanático faz o que?

Esse é o maior desafio encontrado pelos novos gestores dos estádios no Brasil. Os aparatos são caríssimos, têm um custo de manutenção alto e precisam ser muito mais do que apenas locais onde acontece um jogo de futebol.

A experiência de assistir a um evento esportivo pela televisão sofisticou-se tanto nos últimos 30 anos que não foi possível para o evento ao vivo acompanhar essa evolução. Hoje, ver um jogo pela TV não é apenas mais cômodo, mas oferece muito mais recursos para o torcedor do que se ele estivesse no campo. A confusão envolvendo Chapecoense e Palmeiras no último domingo é um exemplo disso. Em casa, o torcedor entendeu o recuo do árbitro Jaílson de Freitas na expulsão de Egídio. No estádio, ele era chamado de “ladrão”.

Não cabe mais achar que estádio é o local restrito ao torcedor que trata o futebol como religião. Ele será majoritariamente ocupado por esse público, mas o segredo para tornar uma arena rentável está no fato de trazer para dentro de campo um torcedor que foi se afastando das arquibancadas ao longo dos anos.

Ter acesso à internet num estádio “Padrão Fifa” parece ser um princípio básico para qualquer bom gestor. Ele precisa entender que o estádio deixou de ser apenas um local para ver um jogo, mas é um espaço de entretenimento que precisa encantar o público a ponto de ele falar para todos o quão legal é a experiência de ver um jogo lá.

E, hoje, qual a melhor ferramenta para isso do que o boca-boca virtual?

A proliferação do uso do Periscope é a síntese dessa situação. Quer cartão de visitas melhor do que um torcedor, de forma espontânea, compartilhar a emoção de uma torcida entoando um grito de incentivo ao time? Ou mostrar um estádio lotado, despertando nos outros o sentimento do “queria estar ali” ou “no próximo eu vou”?

Ao dizer para o torcedor que ele não tem de ir ao estádio para usar a internet, o Mineirão ignora o fato de já estar no limite de capacidade de público fanático em seu estádio. É preciso reencontrar o torcedor que não considera futebol uma religião. E, para esse fã, a internet é uma excelente plataforma de comunicação.

Afinal, como mostra a foto abaixo, o mundo, hoje, produz conteúdo em cada esquina…

Quem seria o Mineirão nessa foto?

Pessoas em Nova York, à espera da passagem do Papa Francisco. Quem representaria o Mineirão?


Por que o esporte é imune à crise?
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Erich Beting

Os clubes de futebol no Brasil nunca arrecadaram tanto em bilheteria, atingem números recordes com o sócio-torcedor, seguem vendendo bem os seus produtos licenciados, faturam bastante com o pay-per-view e só não ganham mais dinheiro porque não conseguiram desenvolver uma boa cadeia de produtos e serviços para o seu torcedor.

Se estivéssemos pautando esse cenário no quadriênio 2007-2011, muito provavelmente o futebol estaria, tão somente, seguindo o fluxo de boas notícias da economia. O país vivia a euforia pré-sal, pré-Copa e pré-Olimpíada. A marolinha da crise no exterior não afetava um aquecido mercado interno pré-endividamento da Classe C, maior beneficiada com diversas mudanças que aumentavam o poder de consumo.

Mas o cenário é completamente outro. A economia entrou em retração. A endividada Classe C parou de consumir, o que faz a indústria reduzir as vendas. O pré-sal ainda está no pré. A Copa já é pós sem ter mudado muito a vida das pessoas como euforicamente se prometia. E o pré-Olimpíada não encanta mais assim.

E, mesmo assim, o futebol segue batendo recorde de faturamento a partir da paixão do torcedor. O que explica isso?

Sinceramente busco há mais ou menos uns dois anos a resposta para isso. Sempre disse, por aqui, que o salto de receita do futebol viria com os novos estádios e com o desenvolvimento de produtos e serviços para os torcedores. Foi assim que a Europa fez há 20 anos, é assim que os Estados Unidos trabalham há 100. Mas onde está a razão para que o torcedor, mesmo com as receitas mais apertadas, não deixar de lado o consumo do futebol?

Hoje o Mundo do Marketing publicou uma entrevista exclusiva com Philip Kotler, o maior especialista em marketing do mundo e que acaba de publicar um livro mostrando que o modelo de capitalismo que moldou o mundo nos últimos 300 anos está em colapso (a leitura obrigatória da entrevista está aqui).

A análise que Kotler faz sobre a mudança de comportamento das pessoas em relação ao capitalismo é direta e simples. As empresas precisam rever o modelo de acumulação de riqueza em troca da exploração do outro. É isso que gera um desequilíbrio na sociedade, e é isso que faz com que as empresas precisem assumir um outro papel diante da sociedade.

“Cada empresa deve redefinir o seu propósito, dizendo como pensa que seu trabalho está beneficiando a sociedade”, afirma Kotler ao Mundo do Marketing.

E é aí que entra a análise do começo desse post. O esporte é capitalista a seu modo, que é basicamente o modo que faz com que as pessoas queiram consumi-lo, independentemente do momento econômico que atravessa.

Como Kotler diz, o modelo capitalista que sustentou o mundo está precisando ser revisto. E as empresas precisam mostrar algum benefício à sociedade para que as pessoas consumam o produto delas. E é exatamente isso que faz o esporte. O torcedor consome o produto por acreditar nele. Seja o time, o atleta ou a competição. Ele sabe que o objetivo da empresa, no esporte, não é lucrar em cima da paixão, mas devolver para ele um bom produto, que no caso traz o benefício pessoal da performance esportiva.

Quando colocar essa lógica em prática, o esporte no Brasil conseguirá atrair, cada vez mais, os consumidores. E, naturalmente, a receita aumentará, o que por sua vez fará o produto melhorar. O capitalismo, no esporte, é um dos poucos casos em que o dono do negócio não está preocupado em acumular riqueza em forma de dinheiro. E, assim, ele consegue sofrer menos durante um momento de crise na economia.


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