Torcida organizada virou poder paralelo no futebol
Erich Beting
A notícia da semana é o lançamento de um cartão pré-pago da Gaviões da Fiel(leia aqui). Numa parceria com uma empresa emissora de cartões e com a MasterCard, a torcida organizada formada por corintianos ofereceu um novo serviço a seu filiado. Um cartão que não precisa de comprovação de renda ou conta no banco para ser emitido. Basta que o associado pague R$ 14,90 para ter o seu cartão.
O negócio é a prova de que a torcida organizada é, hoje, um poder paralelo ao clube de futebol no Brasil. O cartão pré-pago da Gaviões leva o símbolo do Corinthians, já que a própria torcida tem como emblema o gavião “carregando” o símbolo do clube.
Isso faz com que o Corinthians possa ser judicialmente acionado pela Caixa, sua patrocinadora e detentora exclusiva do direito de emitir cartões com o símbolo do clube. E, mais ainda, faz com que o clube até deixe de ter uma receita alternativa, que viria do oferecimento desse mesmo serviço ao torcedor.
O caso ainda tem muito a se desenrolar, mas ele mostra como não há mais espaço para a torcida organizada no futebol profissionalizado no marketing.
Até pouco tempo atrás, as organizadas cumpriam um papel que deveria ser do clube. Elas acolhiam o torcedor, faziam com que ele se sentisse pertencente a um grupo e ofereciam alternativas para ele expressar a paixão pelo time. A quadra da torcida era o local onde ele encontrava seus iguais, vivia suas aventuras e compartilhava da mesma paixão. No estádio, empunhava a bandeira, gritava para incentivar os jogadores e azarar os adversários.
A torcida, sem ter a vigilância do clube, tomou conta do pedaço. Passou a oferecer viagens para acompanhar jogos, vendeu produtos com seu símbolo (e o do clube a tiracolo) e se autodenominou “representante” de todos os torcedores do clube, indo reclamar após a má performance da equipe, apesar de muitas vezes não representar nem 0,01% do universo de torcedores.
Isso, porém, mudou radicalmente na última década. Os clubes começaram a entender que a fonte de receita primária dele é o consumo do torcedor. Não só na ida ao estádio, na compra do pacote de pay-per-view ou da camisa oficial, mas em serviços para alimentar a paixão dele.
Foi por isso que vieram os programas de sócio-torcedor, proliferaram-se os produtos licenciados e, mais recentemente, criaram-se as lojas oficiais do clube, promovem-se encontro de torcedores com ex-jogadores, etc. O movimento, basicamente, foi o de fazer com que o clube assumisse a condição que antes era um “oferecimento” da torcida organizada.
Mas como acabar com 30 ou 40 anos de existência desses organismos de poder paralelo aos clubes? Aos poucos o negócio começa a minguar, e a última barreira de poder está próxima do fim.
Se o poder paralelo das torcidas tende a ficar ainda menor com a proliferação dos programas de sócios-torcedores, agora ele começa a ser sepultado com o começo do fim da farra de só conceder às organizadas os ingressos para as partidas dos clubes como visitantes.
O que geralmente acontecia é que o clube repassava às organizadas os bilhetes para os jogos fora de casa. Assim, elas organizavam caravanas e promoviam a ida de seus integrantes a essas partidas, quase como direito exclusivo. O torcedor comum tinha de ficar com a “sobra” da carga de ingressos.
Nos últimos anos, a curva tem mudado. Os clubes começaram a oferecer viagens a seus torcedores, ficando com a receita disso. Os novos estádios têm promovido a venda de ingressos ao visitante pela internet (Maracanã e Allianz Parque já fizeram acordo para realizar essa experiência, já colocada em prática no Palmeiras x Flamengo do primeiro turno). Os sócios-torcedores das cidades onde o clube joga geralmente são contemplados com alguma ação diferenciada.
O poder paralelo que as torcidas organizadas ainda tentam ter nos clubes está começando a se extinguir. E, nesse sentido, a tentativa da Gaviões da Fiel de criar um cartão usando a imagem do Corinthians pode ter sido um tiro no próprio pé, já que colocou o clube em conflito com seu principal patrocinador.
Os clubes perceberam que o torcedor é a chave para ter mais dinheiro. E, por isso, o poder econômico das torcidas organizadas precisará ser sufocado. O que possivelmente representará o início do seu fim. Pelo menos em relação ao tamanho que elas já tiveram há alguns anos.