O dilema dos fornecedores de material esportivo
Erich Beting
Quando anunciou o acordo com a Lupo, no início deste ano, o presidente do Atlético-MG, Alexandre Kalil, comemorou o valor recorde alcançado com o patrocínio: R$ 12,5 milhões, entre pagamento fixo em dinheiro (R$ 7 mi) e em produto (a preço de mercado, lá no máximo do máximo dos valores, outros R$ 5,5 milhões).
Não há dúvidas de que o negócio foi o mais vantajoso financeiramente para o Galo. Mas será que foi o melhor negócio para o clube?
Outro dia lancei pelas redes sociais a pergunta de quais temas o leitor gostaria de ver abordado por aqui. Mais de uma pessoa, torcedora do Atlético, reclamou do atendimento que a Lupo tem dado para o clube. Por que ainda não há camisas do Atlético à venda nas lojas? Por que boa parte das roupas de passeio usadas pelos jogadores ainda são da Topper, a antiga fornecedora de material do clube?
O problema que a Lupo enfrenta hoje ao tentar entrar com força no mercado esportivo brasileiro é o mesmo que outras marcas já tiveram no passado. Invariavelmente elas tiveram extremas dificuldades no início do fornecimento de uniforme para os clubes, sendo que ainda muitas delas sofrem mesmo com vários anos de atuação no esporte mais popular do país.
O maior problema que existe é a capacidade de produção e entrega de produtos dessas empresas. De todas as marcas que atuam nos grandes clubes do futebol brasileiro atualmente, apenas duas têm capacidade fabril para produzir os uniformes: Penalty e Olympikus.
Como a Vulcabras, dona da Olympikus, vive um turbulento momento financeiro, com dívidas bilionárias de curto prazo, a presença dela no mercado diminuiu. Se, até 2011, a empresa vestia as camisas de Inter, São Paulo, Cruzeiro e Flamengo, agora resta o clube mineiro e mais um mês de contrato com o time do Rio de Janeiro.
Isso fez com que o espaço deixado pela Vulcabras fosse ocupada por outras marcas, sem que elas tenham capacidade própria de produção de peças. Nem mesmo Nike e Adidas, as duas grandes do setor, conseguem atender à demanda atual (considerando o trabalho que vem pela frente na marca alemã com o Flamengo). Elas, aliás, talvez sejam as que mais sofrem para produzir camisas de futebol, já que possuem geralmente apenas uma ou duas fábricas com capacidade produtiva pequena para atender à imensa demanda dos materiais para clubes.
É esse hoje o maior problema da Lupo. Apesar de ser uma marca brasileira, a fabricante não tem capacidade para fazer, em seu parque fabril, camisas e peças para o Atlético-MG. Sendo assim, ela terceiriza o acordo de fabricação das peças para o Galo. A Filon é quem assina o contrato com o clube. A prática, aliás, não é exclusividade da Lupo. Topper, no Grêmio, Puma, no Botafogo, são dois outros exemplos de acordos que são feitos nessa triangulação entre dono da marca, dono da fábrica e clube.
O problema para a marca é que, quando a empresa produz o próprio artigo esportivo, ela consegue ter uma lógica própria de utilização de máquinas. Isso permite a ela fazer mais ou menos camisas a partir de um determinado dia. Se o parque fabril não é próprio, ela depende de uma demanda que já existe numa fábrica para produzir o material.
A terceirização não permite, por exemplo, que uma máquina pare e comece a produzir os uniformes aprovados por um clube no dia seguinte a um acordo ser fechado, ou um projeto novo ser delineado. A marca precisa conversar com a fábrica, que já tem uma lista de entregas a ser feita e que não pode ser simplesmente ignorada.
O grande problema é que os clubes muitas vezes ignoram essa realidade do mercado de produção de artigos esportivos no país. Eles exigem dos seus fabricantes um prazo que muitas vezes é impossível de ser cumprido. A maioria dos contratos, aliás, prevê que qualquer novo projeto de camisa precise de três meses para começar a ser produzido. Esse é um dos motivos, aliás, que muitas vezes não temos a produção em série de camisas com sacadas de marketing como é no mercado americano. Simplesmente não há capacidade do fornecedor de entregar isso.
O entrave está, naturalmente, no valor do negócio. Sem dinheiro, o clube pede mais do fabricante. Para pagar mais, o fornecedor exige que qualquer produção de peça de vestuário seja feita com ele. Do outro lado, as marcas prometem entregas que não são possíveis de serem realizadas, ou que não dependem dela para ser concretizada, já que ela contrata uma terceira empresa para realizar a produção do uniforme ou de camisas comemorativas, por exemplo.
A melhor alternativa seria o clube exigir um contrato que lhe desse flexibilidade para produzir camisas independentes, sem a marca do fornecedor de material esportivo. Na NBA, por exemplo, é isso que faz os times produzirem peças avulsas conforme a moda daquela semana.
Só que a estrutura dos clubes não permite que haja alguém com entendimento desse negócio para fazer essas mudanças. Da mesma forma, as luvas pagas pelos fornecedores de material esportivo amarram mais do que devem os clubes. E, nessa briga de mercado, os fabricantes prometem mais do que conseguem entregar.
O dilema na cabeça das marcas é grande.
Entrar no futebol traz um enorme bônus para a construção da marca. Ao mesmo tempo, porém, a estrutura do mercado brasileiro faz com que seja muito difícil entregar o produto dentro dos prazos exigidos pelos clubes e, principalmente, pelos torcedores.
A chave do sucesso num contrato de fornecimento de material esportivo é conseguir não apenas estampar a marca na camisa de um grande clube, mas também levar essa camisa que o torcedor vê na televisão para dentro das lojas. Sem isso, não há exposição de marca que justifique o investimento no futebol. A conta não fecha.
O problema é que muitas empresas não são capazes de entregar o que prometeram. E o prejuízo que isso pode gerar para a marca é muito maior que o benefício que a exposição na camisa de um time gera.
Com a profissionalização dos departamentos de marketing dos clubes a chance é de acompanharmos mais uma reviravolta nesse mercado nos próximos dez anos…